Por Fernando Castilho da Coluna JC Negócios
O presidente Jair Bolsonaro não fará qualquer mudança na sua abordagem contra o coronavírus no Brasil, ainda que a epidemia possa custar ao País 15 mil vidas, como até agora, 30 mil nos próximo em 30 dias ou 100 mil, como estimam alguns modelos matemáticos que levam em conta o afrouxamento das medidas de isolamento.
O presidente avalia que a questão das mortes é apenas a expressão do chamado “efeito colateral” que os militares debitam nos custos de uma guerra, normalmente relacionados a mortes de civis. Esse efeito colateral estaria, portanto, precificado nos custos de um objetivo maior que seria a guerra ideológica que ele e seu grupo acreditam estarem enfrentado.
O pano de fundo seria uma ameaça comunista à democracia brasileira ainda que o conceito seja tão anacrônico que nem a Rússia - que o desenvolveu - e a China - que o modernizou - não o utilizem mais.
Para o presidente, os agentes dessa investida comunista seriam o partidos de esquerda, especialmente o PT e o PSB, agremiações com maior capacidade operacional, além da intelectualidade, ambientalistas, a imprensa e os “radicais infiltrados” nas universidades federais.
Foi nesse clima de “guerra ideológica” que a covid-19 se instalou no seu governo, criando um ambiente de confronto ideal para a propagação do discurso comunista embalado na defesa das vidas em detrimento da economia.
O discurso da preservação do emprego e da necessidade de volta imediata às atividades, portanto, é apenas a exibição de suas armas nesse conflito que considera épico.
O problema é que a parada na economia que o seu governo foi forçado a aceitar impôs um custo econômico astronômico que não estava no seu radar. A realidade se impôs de uma forma tão avassaladora que toda estrutura governamental foi forçada a se voltar para dar suporte ao evento.
O governo entrou na operação covid-19 sem ter qualquer previsão de gastos e articulação no Congresso. Um exemplo. Em poucas horas - numa votação atabalhoada - o presidente autorizou diretamente seu líder na Câmara Federal, o Major Hugo, a “bancar” uma ajuda de R$ 600 (quando a proposta inicial da equipe econômica era de R$ 200) sem ter qualquer informação do custo da atitude.
Hoje, o governo sabe que o programa de ajuda aos 75 milhões informais custará, ao menos, R$ 100 bilhões que o país não tem.
Também a sua equipe econômica não percebeu o tamanho do impacto da parada de uma economia com um PIB de R$ 7 trilhões, até que o Banco Central deu “uma real” organizando um programa de retaguarda aos bancos que equivale a 16,5% do PIB.
Na prática, o presidente concentra sua briga ideológica na área da saúde enquanto não consegue perceber que agora, independentemente da volta imediata das atividades econômicas, não será suficiente para lhe devolver apoio político, social e empresarial.
Na verdade, o presidente acabou sendo o maior agente retardador das atividades quando não liderou o país para uma parada real das atividades logo no começo da epidemia, como fizeram lideranças de outros países fragmentando o discurso de isolamento.
Para o presidente e seu grupo de seguidores, o discurso de isolamento fragilizava seu discurso ideológico porque foi apropriado pelos comunistas e adversários.
Para ele, tornou-se essencial adotar o discurso de volta das atividades econômicas sob pena dele perder a guerra ideológica e midiática que se desenrolava nas mídias sociais, anda que ele e o seu governo estejam bancando financeiramente a conta do isolamento social.
É uma espetacular contradição. Mas o discurso de volta contra o isolamento é o que sobrou para um presidente que resolveu ideologizar as ações de seu país no combate à covid-19.
O problema é que nesse cenário, o seu governo - a nível federal - perdeu apoio, foi derrotado em todas a iniciativas no STF e suas equipes revelaram-se incompetentes para a missão essencial que seria a compra de suprimentos na China, único local onde eles existiam.
E como tudo que está ruim pode piorar, os ministros das Relações Exteriores,Ernesto Araújo, e da Educação, Abraham Weintraub, resolveram “contribuir” contribuir com declarações hostis à China, azedando de vez as relações com ninguém menos que o único fornecedor de suprimentos disponível no mundo e que por “coincidência” também é o maior comprador de nossas commodities.
Qualquer pessoa, razoavelmente informada, sabe que na China o governo literalmente pode tudo. Uma ordem do governo pode fazer uma compra chegar de avião de uma das companhias chinesas em apenas uma semana, como pode ficar preso na burocracia comercial.
Isso ficou claro na compra de 15 mil respiradores, que um mês depois da confirmação do Ministério da Saúde foram simplesmente cancelados pelo fornecedor.
Dito de outra forma: Da mesma forma que uma ordem do presidente Xi Jinping poderia ajudar ao amigo Bolsonaro a receber imediatamente os suprimentos que comprou, a ausência de uma determinação pode fazer as coisas não acontecerem.
Foi nesse quadro que sobrou a questão da cloroquina. O presidente sabe melhor que a maioria dos auxiliares que a droga não funciona.
Mas nesse momento é a única arma que ele dispõe para enfrentar seus adversários. Ela funciona como um símbolo de uma “arma de impacto definitiva” junto aos seus seguidores.
Sem a cloroquina não sobrou nada para Bolsonaro reagir à curva de crescimento das mortes que tende a passar de mil casos/dia.
Isso explica a cruzada que já lhe custou dois ministros da Saúde, uma unanimidade quase nacional com seu comportamento errático e a constatação de perda de poder entre prefeitos e governadores e no Congresso.
A cloroquina virou tábua de salvação do discurso equivocado do presidente. Ele sabe que pode perder essa sua “guerra ideológica” contra os comunistas que “ameaçam” seu governo e ao país.
Mas ele vai continuar cantando a vitória para seus seguidores nas redes sociais armado de um caixa de hidróxido de cloroquina genérica. É a única coisa possui hoje dentro da trincheira em forma de cercadinho que construiu na entrada do Palácio do Planalto.