Os brasileiros estão descobrindo neste Natal da covid-19 que, há dois anos, elegeram um influenciador digital para ocupar a presidência da República.
Jair Bolsonaro não governa, posta. Não se interessa por temas complexos. E, em alguns assuntos, é menos paciente com textos de mais de duas páginas que Lula, que não escondia isso de seus ministros.
A sua falta de compaixão com as famílias de mais de 190 mil mortos choca. Mas Bolsonaro “não dá bola para isso” de vacinação. E “ninguém o pressionará para nada” nessa área.
É verdade que esse posicionamento é angustiante para milhões de cidadãos em quarentena que se assustam com suas atitudes diárias contra a vacina. Mas isso gera engajamento nas suas redes. E até aumenta suas curtidas.
O presidente não está preocupado com a Imprensa que faz jornalismo de marca. Ele tem a sua rede própria que, aliás não custa um centavo ao contribuinte nem a ele. Bolsonaro é importante não esquecer, tem 10,1 milhões de seguidores no Facebook, 17,9 milhões no Instagram, 6,6 milhões do Twitter e 3,3 milhões no YouTube.
Suas lives no YouTube têm, em média, 250 mil visualizações. É mais que a Rede TV nos 15 mercados auditados pelo Ibope. Ele tem mais audiência com elas que o SBT nas faixas ABCDE 18-49 anos e três vezes mais que Rede TV.
Não precisa dos grandes jornais impressos, nem das grandes revistas semanais para firmar nenhum ponto de vista. Detalhe: essa é a sua audiência pessoal. A isso se somam todas as contas da presidência da Republica.
Com esses números, Bolsonaro pode escolher a pauta que quiser, desde que esteja afinada com o que essa sua base deseja. E isso inclui a ameaça de que, uma eventual derrota nas eleições, o PT voltaria a governar o Brasil. Interessa, por exemplo, “curtir” posts das vitórias de Lula na Justiça. Embora raramente ele se refira ao ex-presidente nas suas contas pessoais.
Podemos dizer que o sentimento de milhões pessoas que votaram em Jair Bolsonaro, em 2018, é de frustração. Aliás, existem dezenas de contas de ex-bolsonaristas o criticando, mas são residuais. No fundo, essas pessoas não querem nem ouvir falar do PT de volta a qualquer governo.
E embora a Imprensa de marca tenha destacado que Bolsonaro foi o grande perdedor das eleições municipais de 2020, é importante enfrentar a questão de que, no segundo turno, em ao menos sete capitais (Recife no meio), o motivo de voto foi não permitir a volta do PT ao governo em nenhum delas.
Podemos dizer que o PSB, de João Campos usou esse argumento, como o PSDB, de Bruno Covas, em São Paulo, assim como o MDB, de Sebastião Melo em Porto Alegre. Nelas, esses partidos convenceram os eleitores a não permitir Marilia Arraes, Guilherme Boulos e Manuela D’ávila assumir a cidade porque isso, significava dar poder de mando ao PT.
Bolsonaro não precisou fazer um post sobre isso. Mas suas ações caça-fantasma do PT ao longo de dois anos estavam presentes. Foi esse argumento que o levou ao Palácio do Planalto e será esse argumento que ele cultivará até 2022. Isso tem funcionado como um colchão de proteção de sua popularidade.
O problema é que Bolsonaro tem um país para governar. Tem uma pandemia para gerenciar e uma montanha de assuntos estratégicos para decidir.
Mas o problema maior é que ele não está interessado nisso e não vai destinar o seu tempo para isso. É ilusório achar que o Bolsonaro do dia a dia é o Bolsonaro "modo" Chefe de Estado na solenidade de lançamento do Programa Nacional de Imunização. Não é. Embora dois terços da população desejem isso.
A pergunta que se deve fazer é: o que Bolsonaro ganha assumindo o modo estadista? Isso, no discurso caça-fantasma do PT, lhe ajuda em que em 2022? Isso é perturbador, mas esse é o cenário.
O presidente não vai mudar. Não mudou quando pegou a covid-19 e precisou ir ao hospital e ser monitorado 24 horas por dia. Por que agora falaria em defesa da vacina?
Bolsonaro não mudou quando Trump não lhe dispensou qualquer deferência em dois anos de alinhamento pessoal. Por que mudaria agora com vitória Joe Biden a quem só cumprimentou burocraticamente?
Ele também não mudou quando rigorosamente todos os líderes e especialistas de classe mundial acusaram seu governo de incendiar a Amazônia. Por que iria demitir o Ricardo Sales?
O presidente vai continuar sendo o que ele é ou sempre foi. Um sindicalista de demandas policiais e militares - da base é importante dizer.
O presidente sabe que os generais desprezam sua falta de cultura, incapacidade de falar outra língua que não seja um português de apenas 1.000 palavras e sua atitude de se aproximar das bases para mostrar força em solenidades militares e de academias de polícia que prestigia antes de qualquer coisa mais importante.
O presidente passou sete mandatos no Congresso cuidando especificamente dessas pautas. Por que, na presidência da República, mudaria? Não mudará.
Isso pode causar um enorme frustação em que votou achando que ele seria um “caçador de corruptos” e que seria um gestor dedicado e disciplinado como qualquer oficial de alto escalão numa missão. Ou que ouviria o bom senso nas horas de tomar um decisão estratégica.
O presidente continuará caçando fantasmas do PT sem falar nada contra o partido de Lula que, por mais absurdo que possa parecer, acha isso afasta outras opções de embate em 2022.
Lula se julga muito esperto. E de fato é. Mas continua sendo analógico quando Bolsonaro é digital. Ele acha que o PT não tem qualquer responsabilidade com a vitória de Bolsonaro. Assim como tem absoluta certeza que os governos do PT não estimularam nenhum tipo de corrupção. E até que o povo que o ama está sendo injusto com sua biografia.
O que fazer? Fantasma se julgam eternos e, como Lula, julgam estarem em outra dimensão. Paciência.