Construção de imóvel popular é desafio do país do puxadinho
Em 12 anos, foram deslocados mais R$ 110 bilhões do Orçamento Geral da União para o programa Minha Casa Minha Vida
Por Fernando Castilho, da Coluna Trocando em Miúdos do Jornal do Commercio
No País que carrega um déficit habitacional de 8 milhões de moradias, correspondente a 15% do total de domicílios, a substituição do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) pelo Casa Verde Amarela já provoca debates entre urbanistas, gestores públicos e movimentos sociais por uma peculiaridade: não prevê a construção de novas unidades na antiga Faixa 1.
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O MCMV Faixa 1, como se sabe, foi criado no Governo Lula, em 2009, dentro do conceito foi de uma medida anticíclica estimulando a Construção Civil, além de tentar resolver o déficit habitacional no segmento de baixa renda.
Isso não aconteceu a despeito de, apenas do OGU, em 12 anos, serem deslocados mais R$ 110 bilhões. Mas no Brasil de hoje o dinheiro acabou e não dá mais para doar casa a quem não pode pagar e mora em palafita ou em encosta de morro.
O problema é que o modelo era de fazer casa popular, mesmo que fosse longe da capital. Foi bom para prefeito tirar onda de construtor de habitação para pobre.
Mas as capitais e Regiões Metropolitanas não tinham áreas que suportassem esse tipo de construção. O mercado até se adaptou. Conseguiu criar uma faixa que permitia que as pessoas pudessem pagar com a ajuda dos subsídios bancados pelo FGTS.
No novo programa, gestores públicos acreditam que se o Estado conseguir recursos para fazer a infraestrutura e o município entrar com o terreno, em tese, os Estados poderiam também serem responsáveis por uma parte dessa prestação e atuar na substituição de áreas de favelas e palafitas. Desde que o beneficiário concorde em pagar parte do financiamento devolvendo a importância das Cehabs no passado.
Mas a questão do déficit nas áreas metropolitanas continua. Em cidades como o Recife, em que o prefeito João Campos prometeu foco total na questão, terão dificuldades. Até por ter sido pioneira no Brasil na estruturação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), teme-se que ela seja, também, pioneira na sua eliminação.
O Recife não conseguiu aproveitar os recursos quando existia o MCMV. Especialmente pela dificuldade de terrenos para relocação mais a construção da infraestrutura necessária.
Movimento Sociais anunciam uma batalha contra uma nova visão das ZEIS no Plano Diretor do Recife que prevê o remembramento de terrenos nessas áreas além da regularização. Temem que isso poderá forçar a substituição das famílias por outras que possam pagar pelos imóveis.
E defendem que além da regularização haja financiamento para novas habitações, dado que o déficit habitacional é uma realidade. Especialmente, para as famílias em condição de risco.
Mas esse não é o conceito do Casa Verde Amarela. O Secretário Nacional de Habitação do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), Alfredo Santos, avisa que nenhuma casa vai ser contratada antes da União concluir as 296 mil unidades em andamento e paralisadas nessa faixa.
Ele avalia que 10,8 milhões de habitações brasileiras precisam de melhorias para se tornar adequadas e que existe um mercado de R$ 13 bilhões, que hoje atua em torno de reforma, melhoria ou ampliação, mas de forma desordenada.
O Casa Verde Amarela se propõe a dar assistência técnica para melhorar a qualidade das reformas.
São soluções que passam por viabilizar o crédito de uma forma sustentada ao longo do tempo e de complemento na capacidade de pagamento de aluguel, mas não dar a casa de graça com aconteceu nos projeto do Faixa 1.
Ele pretende fazer a atualização do Plano Nacional de Habitação (PlanHab), lançado em 2009 e que perdeu atualidade com o Minha Casa, Minha Vida e agora com o Casa Verde Amarela.
Legislação trava planejamento urbano das cidades
A substituição do MCMV pelo Programa Verde Amarela é bem avaliada pelos presidentes da Companhia Estadual de Habitação (Cehab), Bruno Lisboa, e da Ademi-PE, Avelar Loureiro, por motivos diferentes.
Bruno Lisboa avalia que o novo programa dará às empresas de habitação estaduais um papel importante de poder atuar fortemente num dos três pilares de qualquer política habitacional, que é a regularização e a melhoria das habitações. Mas tem preocupações com o fim construção de habitação social.
Loureiro avalia que é importante reconhecer que o MCMV Faixa 1 não funcionou nas metrópoles. Funcionou nos pequenos municípios, mas não conseguiu resolver o problema nas metrópoles, que foi a razão de sua criação.
Ele lembra que, ao ser criado por Lula em 2009, o conceito foi de uma medida anticíclica, estimulando a construção civil e resolver o déficit habitacional na baixa renda. Isso não aconteceu, avalia.
O presidente da Cehab acredita que o papel das empresas estaduais de habitação será estratégico. Os Estados poderão desenvolver ações muito rápidas de regularização com os recursos que estarão disponíveis.
Para Lisboa, a regularização dará às famílias uma segurança jurídica fundamental para bairros populares das capitais, inclusive, para buscar pequenos financiamentos para a melhoria. Embora insista que o Estado não pode desistir de construir para essa população.
O presidente da Ademi-PE faz uma advertência: a necessidade de o prefeito contratar o projeto urbanístico dessas áreas a serem beneficiadas com a regularização.
"O grande segredo para esse modelo dar certo é o planejamento ser feito antes. Se for só para fazer reforminhas pontuais não vai funcionar. Estamos falando do posto de saúde, delegacia, quadra de esportes, centro comunitário. Tudo tem que estar comtemplado pelo Plano Urbanístico.
Loureiro entende que essa ação inicial permitirá a captação de recursos do FGTS para infraestrutura pelos Estado e prefeituras. A reforma da casa e a regularização fundiária complementam o projeto urbanístico, insiste.
Bruno Lisboa avalia que o legado do MCMV talvez tenha sido a elevação do padrão de construção. A junção de Estado (infraestrutura), prefeituras (terreno), e Governo Federal (moradias) permitiu um avanço em termos de planejamento e controle urbano.
Loureiro lembra que o problema do MCMV foi o modelo construtivo de casa horizontal longe das cidade, e que foi o mercado quem encontrou um solução com a verticalização nos municípios de Jaboatão e Paulista.
O presidente da Ademi-PE avalia como positiva a permissão de remembramento de áreas dentro das ZEIS. Ele acha que se a Prefeitura do Recife investir no reordenamento dos espaços de ZEIS, com a regularização fundiária e com projeto urbanístico, podemos ter avanços.
Ele acredita que o remembramento deve permitir que dentro das ZEIS se façam projetos verticalizados, reacomodando mais famílias.
E diz que há um mito sobre falta de terrenos no município do Recife. Isso não é verdade. Existem dois polos: Boa Viagem e a região dos 12 bairros. Fora disso temos é um grande vazio. Há espaço para se construir nas faixas 2 e 3.
Preocupação com futuro das Zeis
A Diretora Nacional do Habitat Brasil, Socorro Leite, avalia que as linhas gerais do Programa Casa Verde Amarela são interessantes, mas insuficientes. Regularizar e melhorar as casas não vai significar transformação e melhoria na vida das pessoas.
Para ela, o fim do MCMV e do PAC acabou afetando os municípios na sua capacidade de investimentos de melhoria habitacional e infraestrutura.
Socorro Leite foca no Recife, que na semana passada teve o Plano Diretor sancionado pelo prefeito Geraldo Julio, antes de deixar o cargo. Ela acredita que no caso das Zonas Especiais de Interesse Social, a nova legislação fragilizou os agrupamentos que podem desaparecer antes de receber investimentos de infraestrutura ou viver um movimento de substituição de famílias.
O Recife foi pioneiro na estruturação de ZEIS. Agora ela teme que seja pioneiro em sua eliminação. As últimas gestões no Recife, diz, não conseguiram aproveitar os recursos quando existia. Construiu pouco, parou obras. Então, só investir em regularização fundiária e melhoria habitacionais é pouco.
A possibilidade de remembramento das áreas é o foco das atenções do movimento Habitat no Recife. A nova lei traz o risco que o mercado imobiliário se interesse mais por essas áreas regularizadas. E aí, decretar o fim do conceito.
Socorro Leite diz que o remembramento permitirá que as vendas de imóveis - que já acontecem de fato, sejam feitas de direito. E a venda tem preço menor. Não dará para comprar uma casa boa e o vendedor vai construir nova habitação longe da cidade.
Para ela, o Casa Verde Amarela vai exigir dos novos prefeitos o compromisso redução de desigualdades. O fim do programas federais de financiamento afetou a capacidade de investimentos. Precisarão investir menos em publicidade e mais em habitação urbana, finaliza.
MCMV ajudou a construir mais de 5 milhões de habitações para baixa renda
Quando estourou a crise do subprime nos Estados Unidos, em 2008, o presidente Lula classificou o evento de classe mundial de "marolinha". Não era. Foi um tsunami que custou US$ 14 trilhões ao mundo, obrigando a reformulação de todo o sistema global de financiamentos habitacional.
O governo Lula e, a seguir, o de Dilma responderam ao fenômeno criando o Minha Casa Minha Vida, cujo foco era de, além de reanimar a economia com dinheiro público, reduzir fortemente o déficit habitacional estimado em 10 milhões de unidades. De qualquer forma, viabilizou cinco milhões de residências.
O problema do MCMV era que ele visava fazer casa popular. Não trabalhou com a ideia de apartamento de mais de quatro pisos, o que poderia ajudar a resolver o problema do déficit nas cidades das Regiões Metropolitanas.
Mas o MCMV também não agregou tecnologia construtiva ao setor imobiliário, a bem da verdade, a única diferença entre uma casa feita por uma família numa comunidade e outra por uma construtora num habitacional, numa cidade do interior, era a assinatura de um engenheiro como responsável pela obra.
Foi uma farra com dinheiro público pois o conceito era de uma casa com 48m² que o beneficiário deveria pagar apenas 5% e Governo Federal os outros 95%. Até hoje não se tem notícia da tomada de uma casa por não pagamento. Virou doação.
Agora, o governo não destinará em 2021 um real para novas habitações. Quer terminar as quase 300 mil em construção.
O Casa Verde Amarela trabalha com a realidade atual. Não existe verba no OGU para fazer mais casa. É mais importante regularizar as habitações já construídas por inciativa própria das famílias. O programa rejeita a premissa que essas famílias, inclusive os filhos, não serão capazes um dia de pagar ou adquirir um imóvel.
O novo conceito visa dar cidadania ao morador com possibilidade de negociação legal dos imóveis. Abre a perspectiva de novos projetos nas áreas metropolitanas pela iniciativa privada. Embora o déficit habitacional continue. Assim como o risco de virarmos o País do puxadinho.