Numa de suas “entrevistas” com agentes da Polícia Federal na época da repressão dos anos 70, o internacionalmente reconhecido artista plástico Paulo Brusky foi interpelado por um delegado que o indagou com a seguinte pergunta: Quer dizer que se eu pegar um monte de cópias Xeroz e juntar numa outra cópia, ou se pegar um monte de barquinhos de papel e jogar no Rio Capibaribe, estou fazendo arte?
Brusky respondeu de forma bem cortante: Se você fizer isso, não. Mas se eu fizer isso, estarei fazendo sim.
A imagem serve para mostrar como às vezes os políticos se tornam ridículos quando tomam emprestados certos ícones das mais diversas regiões do Brasil para, forçadamente, mostrar uma identidade que absolutamente não têm e que, ao ostentar um símbolo, só os torna folclóricos.
O chapéu de cangaceiro é um símbolo do que foi o Nordeste no passado, quando Virgulino Ferreira, o Lampião, decidiu produzir, além violência, sua própria indumentária para se diferenciar das “volantes”, como a polícia que o caçava e que trajava roupa caqui. Lampião, efetivamente, criou um padrão no vestuário.
Até porque ele próprio bordava e desenhava suas roupas e virou uma marca na moda de outros justiceiros, de modo que itens como o chapéu adornado com pequenos espelhos colados na aba revirada acabaram definindo um padrão para a imagem do cangaço dentro e fora da região.
Anos depois, Luiz Gonzaga decidiu utilizar-se dessa imagem para cantar as coisas do Nordeste, fazendo o que se poderia chamar de releitura da ação de Lampião no que se refere à música. Sem nunca a associar a violência que o cangaceiro perpetrava.
Gonzaga teve uma compreensão extraordinária do que a música que os cangaceiros cantavam para o sofrimento do Nordeste o incorporou à sua indumentária, com o gibão de luxo do vaqueiro e sua sanfona. Com isso, ele compôs uma imagem que carregava todo simbolismo lúdico que tornou um clássico ícone do folclore nordestino.
O problema é que nos últimos anos, políticos de fora do Nordeste vêm insistindo em querer se apropriar dessa imagem de Gonzaga (não a de Lampião) para transpor uma identidade forçada com a região da qual não têm e não precisam ter para capturar votos.
O último personagem a ter na cabeça um chapéu de cangaceiro foi o ex-ministro Sérgio Moro.
Obviamente, não lhe caiu bem. Como não caiu em Geraldo Alkmin, como não caiu em João Doria e Aécio Neves. Como não caiu em Jair Bolsonaro.
A tentativa do que hoje os pesquisadores chamam de "apropriação cultural" não lhes cai bem. Imagina se Lula ou Ciro Gomes, ou no passado José Sarney e Marco Maciel - tentando capturar votos no Rio Grande do Sul - aparecessem travestidos de bombacha e cuia de chimarrão?
Não cai bem um chapéu de Sérgio Moro como não cai nos demais políticos porque essa não é uma imagem real de quem se propõe a gerir o País.
Mas isso depõe contra o Nordeste que tem assim, mais uma vez, estereotipada sua imagem, não a de Gonzaga e sua belíssima obra musical, mas de Virgulino Lampião como um justiceiro conhecido por sua extrema violência.
Certamente, nenhum nordestino vai votar em Sérgio Moro, como poderá votar em Jair Bolsonaro e João Dória porque eles, numa capital do Nordeste, usaram um chapéu de cangaceiro.
Não cabe. É ruim para eles como é ruim para o Nordeste, que mais uma vez fica referenciado como uma terra de cangaceiros.
Por isso é importante que apoiadores de qualquer candidato não insistam em forçar uma afinidade cultural com candidatos que não a tem.
Ajuda muito a eles. Mas não ajuda ao Nordeste, que hoje trabalha duro para ter uma imagem relacionada a turismo sustentado, energia limpa, hidrogênio verde e empresa de TI e economia exportadora de frutas e empresas de extrema competitividade, claro, juntamente com seus graves problema sociais.
Deixemos o chapéu de cangaceiro para Luiz Gonzaga, que teve autoridade identitária para falar de uma maneira lúdica dos tempos em que o Nordeste sofria - como ainda hoje sofre - de enormes injustiças sociais e forte preconceito.
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