Sabe aquela fábula da briga do mar contra o rochedo onde o ouriço é quem sofre? Pois bem. Nessa briga pela imprensa e mídias sociais do presidente Jair Bolsonaro e os governadores relativa a cobrança do ICMS de os combustíveis até agora quem pagou a conta foram os consumidores na hora de encher o tanque do carro.
Os governadores de 21 estados devem aprovar, hoje, com os votos de seus secretários de Fazenda, uma prorrogação por mais 60 dias das alíquotas de referência do ICMS. Exatamente duas semanas após decidirem que não renovariam o congelamento, que acabaria na próxima segunda-feira, dia 31. Recuaram e não têm como negar.
Mas a ideia de abrir mão da tributação dos impostos de combustíveis é cara para a União e Estados.
Segundo a Receita Federal, em 2021, o segmento de combustíveis recolheu R$ 59,45 bilhões, 75,75% mais que os R$ 33,82 bilhões de 2020. Se Bolsonaro decidir abrir mão, também, da CIDE-Combustíveis perderia mais R$ 1,97 bilhão.
É dinheiro demais para efeito de menos na bomba do posto.
E será que os governadores estão dispostos a pagar para ver a aposta?
Em 2021, somente o ICMS dos combustíveis turbinou o caixa deles em R$ 108,13 bilhões contra R$ 80,43 bilhões, em 2020. Pode ainda não ter ajudado Bolsonaro, mas ajudaram os governadores.
O problema é nessa disputa pela imprensa e nas mídias social quem pagou essa conta foi o consumidor, eleitor e contribuinte.
E não adianta esse palavreado missivista (os governadores analógicos adoram uma carta) de que até é para buscar soluções estruturais, para que a estabilização dos preços desses insumos seja estabelecida, considerando-se também os termos do Projeto de Lei n° 1472, de 2021 que tramita no Senado.
Em política, e essa é uma questão política, o que conta é a versão. E o presidente Jair Bolsonaro está melhor no vídeo depois que, numa live no YouTube, disse que mandará uma PEC abrindo mão de cobrar imposto federal de combustíveis e baixar os preços. Pode não fazer nada, mas já travou a arrecadação dos estados em 150 dias.
Os governadores dizem, na sua nova carta, que apoiam o Projeto de Lei n° 1472, de 2021 do senador Jean Paul Terra Prates (PT-RN). O projeto de apenas sete artigos vai precisar ser melhorado e muito, já que na ementa cria um Fundo de Estabilização dos preços de combustíveis e institui imposto de exportação sobre o petróleo bruto.
Como a Constituição no art. 167, IV diz que é vetada a destinação de recursos para realização de atividades da administração tributária o Congresso vai ter de, primeiro, aprovar uma PEC.
Ao instituir um fundo, o projeto cria uma escala de alíquotas progressivas do imposto de exportação incidente sobre o petróleo bruto para ser pago pela Petrobras. Ano passado, a estatal pagou como royalties (R$ 17 bilhões) e participação especial (R$ 15 bilhões).
Royalties é uma compensação financeira pela exploração e pela produção de petróleo e gás natural calculada sobre o valor da produção do campo.
Participação Especial é uma compensação financeira extraordinária para campos de grande volume de produção calculada sobre a receita líquida do campo produtor.
O projeto joga para a estatal de petróleo brasileira a conta de bancar o Fundo que serviria de apoio quando o petróleo subisse. Vai de 0%, quando o preço do petróleo fosse de US$ 40 até 20% quando passasse de US$ 60 o barril.
A União administrará o fundo.
O secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha fez um exercício com dados de exportação da Petrobras em 2021 (US$ 30,46 bilhões) chegando aos US$ 5,93 bilhões, que formaria o colchão para reduzir o impacto dos preços, se aprovado com está proposto.
Mas tem uma questão importante. O projeto parece não levar em conta uma informação estratégica da Petrobrás, escrita nos seus balanços: A estatal exporta porque o petróleo do pré-Sal não pode ser refinado no Brasil, porque as plantas foram desenhadas para um petróleo fino.
O petróleo do pré-Sal só é processado pela Refinaria Abreu e Lima, que foi desenhada especificamente para ele. É por isso que ele é quase todo exportado, inclusive com preço menor que o tipo Brent. Esse, portanto, seria um forte argumento da estatal.
Deve-se reconhecer que o projeto, de fato, inova ao colocar na conta da Petrobras a despesa de um fundo de equalização em lugar de, por exemplo, destinar outras fontes como dividendos e até mesmo royalties e participação especial.
Mas terá problemas com os acionistas da empresa.
Como hoje a Petrobras quem mais acionistas estrangeiros do que brasileiros devido a sua rentabilidade, naturalmente, eles vão questionar isso na Bolsa de Nova Iorque onde a Petrobras também tem suas ações negociadas.
O problema é que a questão virou um debate político sem muita consistência técnica, inclusive, dos governadores no Confaz. A ideia de um fundo de amortização é boa, mas custa caro e leva tempo para ser implantada.
Tem uma outra coisa que é muito importante Os números da estatal em relação ao consumo de petróleo importado são colossais. Até setembro, segundo o balanço da Petrobras, somente a conta de importação somou US$ 13 bilhões.
Em 2020 a Petrobras pagou R$ 128,7 bilhões em tributos e participações governamentais. Ela pagou R$ 57,3 bilhões em tributos próprios de suas operações e R$ 32,2 bilhões em participações governamentais e ainda R$ 39,2 bilhões em tributos retidos de terceiros, no caso os Estados. A Petrobras é um dos contribuintes mais expressivos da economia brasileira.
Em 2020, o valor total recolhido a título de participações governamentais foi de R$ 32,2 bilhões, composto, majoritariamente, por royalties (R$ 17 bilhões) e participação especial (R$ 15 bilhões).
Imagina um fundo com caixa robusto para suportar isso?