Cenário econômico em Pernambuco, no Brasil e no Mundo, por Fernando Castilho

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Por Fernando Castilho
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Inflação alta: nos tempos de Sarney, máquina de etiquetar preço virou arma contra o consumidor

Em janeiro de 1989, a inflação bateu, pela primeira vez, na casa dos 70%, quando Sarney lançou o seu último plano, chamado de Verão

Fernando Castilho
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Publicado em 12/05/2022 às 15:03
ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
"Fiscais do Sarney" atuavam na década de 80 nos estabelecimentos brasileiros - FOTO: ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
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Para jovens conectados com seus possantes smartphones plugados na internet de alta velocidade, imaginar que o brasileiro já teve mais medo de uma simples máquina de etiquetar preços do que eles têm hoje de um motoqueiro armado com um revólver nas mãos lhe tomando o aparelho parece enredo de vídeo game.

Mas isso aconteceu.

Foi no governo de José Sarney, que assumiu a Presidência com a morte de Tancredo Neves em março de 1985, quando o Brasil viveu um período intenso de inflação. Em março de 1990, a inflação chegou ao recorde de 84,30%.

Para quem nasceu depois do Real, implantado em 1º de julho de 1994, imaginar que o Brasil já teve um mês em que a inflação chegou perto de 85% é muito difícil.

Daí porque é compreensível a angústia de milhares de jovens com o aumento de preços, que nos últimos 12 meses chegou a 12,13%.

Muitos deles sentem isso quando vão a um MCDonald's e veem que, na média, os preços subiram muito, embora o preço do Big Mac no Brasil (R$ 22,90) estivesse subvalorizado em 25,8%, já que o Índice Bic Mac para o Brasil considerou o dólar a R$ 3,94, quando o dólar, em março, estava em R$ 4,73.

Big Mac à parte, a verdade é que, em 1985, com a posse de Sarney, o Brasil entrou numa montanha russa de aumento de preços, que fez o brasileiro perder completamente o referencial do custo dos alimentos.

Foto: Arquivo/Agência Brasil
Ex-presidente da República, José Sarney - Foto: Arquivo/Agência Brasil

Quatro moedas e quatro planos de estabilização econômica

No Governo Sarney, o Brasil experimentou quatro moedas diferentes. Isso mesmo, quatro moedas e também quatro planos de estabilização econômica.

Foram os planos Cruzado e, no mesmo ano, o Cruzado 2. Depois, em 1988, veio o Cruzado Novo. Depois veio o Plano Verão e depois o Cruzeiro, com a posse de Fernando Collor, que fez o confisco da poupança depois que mudou a moeda.

Como se sabe, Collor sofreu impeachment em 29 de setembro de 1992, assumindo Itamar Franco, que implantou o real em 1º de julho de 1994 e que é a nossa moeda até hoje.

Mas existem fatos na memória dos pais dos brasileiros pós-Real que ainda estão presentes e que, com a volta da inflação, fazem mais medo que as histórias da série Desalma - estrelada pela atriz Cássia Kis -, porque, como na série, sabem que às vezes, a inflação volta mesmo.

Fiscais do Sarney

Quando Sarney começou o Governo, no dia 28 de fevereiro de 1986, uma sexta-feira, ele decretou feriado bancário e anunciou o Plano Cruzado. No dia seguinte, muitos brasileiros se autodenominaram "Fiscais do Sarney" e saíram pelo Brasil fechando supermercados em nome do presidente.

O Jornal Nacional, cujo apresentador era Eliakim Araújo, mostrou as pessoas tomando as máquinas de etiquetar preços e fechando as lojas.

Não durou muito e, no mesmo ano, o Governo precisou de outro plano de estabilização. Em 1988, as coisas começaram complicar de fato, pois aí os Fiscais do Sarney já estavam descrentes do presidente, que nomeou o economista Maílson da Nobrega - que, aliás, ficou até o final do governo – e que também criou uma nova moeda, o Cruzado Novo, que nos legou a famosa inflação de 84,3% na véspera da posse de Fernando Collor e da ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Melo.

ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE
Consumidora passa por prateleiras vazias em supermercado de São Paulo - ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

Mas antes disso, o Brasil virou o país das maquininhas. Em janeiro de 1989, a inflação bateu pela primeira vez na casa dos 70%, quando o Sarney lançou o seu último plano, chamado de Verão, que também não deu certo. Em junho, a inflação disparou até chegar nos 84,3% em março do ano seguinte, quando Collor tomou posse.

Fazer as compras nesse período era muito mais estressante que hoje, porque não tinha o código de barras e os preços eram reajustados todos os dias.

O funcionário da loja colocava os preços e o cliente saía procurando as embalagens com os preços do dia anterior. Muitas vezes eles brigavam, e era comum os consumidores esconderem as máquinas noutras gôndolas de produtos.

Quando os funcionários chegavam com as máquinas, era um alvoroço nas lojas, porque os clientes sabiam que iriam pagar mais.

O atacarejo não existia. Só quem podia comprar em atacado no Makro, por exemplo, era quem tinha CNPJ. Era comum um dono de mercadinho ceder o número para uma família fazer as compras no atacado e pagar em dinheiro.

Máquina de etiquetar preço era arma

Uma cena comum no comércio, antes da chegada do Plano Real, era ver o funcionário com a "arma" em punho circulando entre prateleiras e clientes. A máquina de remarcar preços, usada quase que diariamente em uma época de inflação fora de controle, era odiada pelos clientes.

Criou-se a profissão de remarcador, que virou o símbolo daquela época, assim como a falta de mercadorias e o arrocho do crédito.

O cliente mudou até o comportamento para fugir da ação das maquininhas. As pessoas chegavam no supermercado às 8h para comprar de manhã, antes que os preços subissem e as mercadorias se esgotassem.

Também tivemos um movimento social importante feito pela Sunab, que passou a ser o principal de fiscalização de preços a partir das denúncias dos Fiscais do Sarney.

O próprio Sarney ajudou nisso. Ele tinha uma programa de rádio, “Conversas ao pé do rádio”, onde disse que "Ser fiscal do presidente é exigir serviços públicos eficazes". E que ser fiscal do presidente "é chamar as autoridades para elas façam cumprir a lei".

Mas em 1990, quando a inflação chegou a quase 85%, ninguém mais levava Sarney a sério e ele passou a faixa a Fernando Collor, cujo discurso era combater a corrupção e ser o Caçador de Marajás do setor público.

Fernando Collor sofreu impeachment, se elegeu senador e hoje apoia Jair Bolsonaro, cuja inflação já chega perto de 12% ao ano.

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A HISTORIA DA INFALÇAO NO BRASIL - ARTE FGV

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