No final de 2020, quando o Brasil respirava a angústia da covid-19 sem vacina e sem perspectiva de retomada da economia, o estoque de crédito consignado, segundo o Banco Central, era R$ 439 bilhões, dos quais R$ 248 bilhões haviam sido tomados por servidores públicos e outros R$ 166 bilhões emprestados aposentados do INSS, que em sua maioria recebem um salário mínimo.
Em fevereiro de 2022 (última estatística disponível no BCB expressando o reflexo da greve dos servidores da instituição), o salto subiu para R$ 516,39 bilhões, onde os servidores pediram empréstimos de R$ 295,01 bilhões e o velhinhos do INSS, R$ 191,56 bilhões, agregando nas duas categorias mais R$ 72 bilhões em novos contratos.
O que está por trás desse número é uma fenômeno bem simples contatado pelos 41 bancos que operam essa modalidade de crédito que tem baixíssima taxa inadimplência. A falta de novos clientes.
Até porque a parcela já é descontada no contracheque dos servidores ou do aposentado: a capacidade de endividamento dos possíveis tomadores bateu no teto.
Na verdade, dos R$ 739,77 bilhões que os bancos emprestaram na categoria de Recursos Livres, os R$ R$ 516,31 bilhões representam 69,79% do total.
O número fica maior quando se observa que o total emprestado no cheque especial - a modalidade mais cara do mercado financeiro - não chega a R$ 24,26 bilhões (3,46%).
Com forte articulação no Congresso, os bancos, especialmente os 35 que praticamente se dedicam a atuação nesse segmento, conseguiram nesta quinta-feira (7) que o Senado aumentasse para 45% o comprometimento da renda do aposentado e servidores públicos e até 40% dos trabalhadores no setor privado.
Na prática isso quer dizer que um segurado do INSS que recebe um salário mínimo poderá comprometer até R$ 480,00 do salário de R$ 1.202 que recebe em prazos que podem chegar a 84 meses.
De uma maneira geral, as empresas privadas não oferecem essa modalidade a seus funcionários devido a questões que sempre se apresentam na hora da demissão.
Como os contratos são vinculados, o trabalhador na empresa privada corre o risco de ao ser demitido ter todas suas verbas rescisórias retidas em função de sua divida no banco. E isso sempre acaba na justiça do trabalho.
Dentro do saldo de R$ 516 bilhões emprestados, os empregados privados tomaram apenas menos (R$ 29,7 bilhões) de R$ 30 bilhões do atual estoque.
O problema dos bancos que vivem do consignado é que a capacidade de novos empréstimos está cada vez mais estreita.
Quem tem aposentadoria ou é servidor vive um ataque impiedoso de canais de telemarketing onde milhares de correspondentes bancários ligam aos menos três vezes por dia oferecendo portabilidade.
Nesta quinta-feira (7), o Senado Federal aprovou um medida provisória (MP) que aumenta do limite de crédito consignado e incluiu a autorização para que até famílias carentes, beneficiárias de programas sociais - como o Auxílio Brasil e o Benefício de Prestação Continuada (BCP) - possam contrair empréstimos nessa modalidade.
Como o Auxilio Brasil vai passar a R$ 600, teoricamente, uma pessoa pode tomar até R$ 28.800,00 comprometendo R$ 270 do que vai receber em até 48 meses.
Para os bancos que vivem do crédito consignado isso será uma enorme avenida de possibilidades. Na verdade, o Índice de Concessão de Crédito está caindo desde dezembro de 2020. Caiu de 22,6%, em 2020, para 21,8% em fevereiro. No caso dos servidores públicos a taxa caiu de 18,7% para 17,8% em fevereiro último.
Na ponta de contratação é como se toda a indústria de empréstimos estivesse apenas refazendo os contratos já existentes canibalizando as taxas de juros.
O problema é que mesmo nessa concorrência feroz de perturbação dos possíveis tomadores as taxas de juros subiram.
Em dezembro de 2020, a taxa média foi de 20,9%, ao ano, para os aposentados do INSS e 29,6% para o setor público. Em fevereiro último, os velhinhos do INSS já estavam pagando 24,8% e os servidores 20,4%.
A briga por fatias desse mercado é cruel e apenas a garantia da inadimplência de quase zero sustenta o negócio. O aposentado no INSS pode pagar uma taxa de juros de 1,30% ao me (16,80% ao ano) no Banco CCB Brasil ou até 2,19% ao mês (29,68% ao ano).
O crédito consignado nasceu no Brasil por uma iniciativa do então Banco Galvão de Negócios (BGN) braço financeiro do Grupo Queiroz Galvão sendo desenhado pelo executivo Bartolomeu Brederodes que o formatou e apresentou ao BC que a seguir regularizou as operações.
Inicialmente, era uma linha de crédito para servidores públicos de alguns estados até que o governo aprovou a proposta do próprio BGN para expandi-lo aos aposentados do INSS.
No começo, o prazo máximo era de 12 meses, mas quando chegou para os aposentados do INSS já poderia ser contratado em 36 meses.
Em 2007, a Cetelem, financeira do grupo francês BNP Paribas comprou o BNG. Foi o inicio de uma indústria que hoje movimenta milhares de correspondentes bancários e os bancos de pequeno e médio porte que podem captar com mais segurança no mercado financeiro para emprestar a servidores e aposentados do INSS.
Mas o problema é que a ampliação do comprometimento está matando a própria indústria. O esforço para permitir que um servidor comprometa até 40% de sua renda quer dizer que ele vai ter que viver com 40% de seu salário por até oito anos já que ele tem que pagar os tributos como INSS e Imposto de Renda.
No caso do INSS, ao comprometer até R$ 480 por mês de uma renda de R$ 1.200 o aposentado do INSS passa a viver não com um salário mínimo, mas com pouco mais de meio, ou seja, R$ 720,00 por anos seguidos aumentando as condições de miséria.