Foi assim: no segundo semestre de 2020, enquanto o Brasil sofria a angústia do enfrentamento da pandemia da covid-19 e o Congress Nacional funcionava com votações virtuais, aprovando, a toque caixa, um novo orçamento, que chegou a R$ 525 bilhões (15,28% de todos os gastos públicos) a mais que em 2019, um grupo de deputados liderados pelos presidentes do PL, PP e Republicanos se organizaram para se apropriar de parte do orçamento de 2021, redirecionando nada menos que R$ 30,12 bilhões sob o guarda-chuva de emendas sem qualquer indicação pública de seus autores.
O primeiro a ser cooptado para o projeto foi o próprio relator da OGU 2021, do deputado Domingos Neto (PSD-CE), que voltou a usar as chamadas emendas de Relator-Geral do PLOA 2020, conhecidas como RP-9.
Conceitualmente, a RP-9 existe para corrigir erros e omissões de ordem técnica ou legal; recompor, total ou parcialmente, dotações canceladas, limitada a recomposição ao montante originalmente proposto no projeto, e atender às especificações dos pareceres preliminares. O fato novo foi Domingos Neto passar de zero em 2019 para R$ 30,12 bilhões em 2020.
Até hoje se discute se o presidente Jair Bolsonaro apoiou Lira por que o queria comandando a Câmara ou já chegou vendido na negociação com o orçamento que mandara, tomando dele R$ 30,12 bilhões. Coincidência ou articulação política, Ciro Nogueira, líder máximo do PP, virou ministro da Casa Civil com poder de mando.
Como para o presidente esse time poderia aprovar tudo que ele propusesse na Câmara e no Senado, o esquema foi mantido até hoje. Só ficou ruim quando o jornal Estado de S. Paulo denunciou o esquema que foi chamado de Orçamento Secreto. Deu ruim.
Essa historinha vale para se dizer que Artur Lira pode muito, mas que Lula em termos de habilidade política não é Jair Bolsonaro. O capitão nunca teve um partido sob controle. Até porque sempre esteve à margem das grandes negociações. Lula, ao contrário, sempre teve o PT sob rigoroso controle.
Por isso é perfeitamente previsível que Arthur Lira identifique as digitais de Lula no voto do ministro Ricardo Lewandowski, que “fechou” com o grupo formado por Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Carmén Lúcia, Luiz Fux e a relatora Rosa Weber - arara com a ideia de o Congresso sem mais nem menos mandar em R$ 20 bilhões -, afirmando que são “incompatíveis com a ordem constitucional brasileira”.
Ainda teremos que saber porque o mesmo Ricardo Lewandowski pediu tempo na última sexta-feira para votar hoje, dando 48 horas para o Congresso Nacional criar um modelo que acabasse com esse negócio de deputado não assinar pedido de verba. E isso não acontecendo, ele radicalizou. Pode ser.
Emenda de deputado não é Nota Fiscal de motel, onde o cliente compra pneu, aparelho de barbear e shampoo para esconder onde gastou do dinheiro.
Não tem como justificar isso nem aqui, nem em Luanda, em Angola, e nem em Samara, na Rússia.
Mesmo que num seminário para empresários antes das eleições Lira tenha dito que essa era uma pratica dos parlamentos das democracias mais sólidas.
Conversa. Não existe nada tão escandaloso como o Orçamento Secreto em lugar nenhum. De certa forma, pode dizer que o modelo de gestão do Orçamento Secreto é o desenvolvido por Marcelo Odebrecht para “sujar” o dinheiro da sua companhia que tinha todas as certificações de empresas internacionais de auditoria para pagar o dinheiro do Petrolão.
Mas a questão é: e agora. A vingança é um prato que se come frio. E Arthur Lyra já tinha mostrado a Lula que ele “tem a força”
Ou aquela aprovação na Lei das Estatais em menos de três horas, quando Arthur Lira decidiu, escolheu uma relatora, pautou e aprovou, por 314 votos a favor e 66 contrários, o projeto de lei que altera a Lei das Estatais não foi uma demonstração de força?
De qualquer forma, o que os deputados pegos com as emendas nas mãos discutem agora é: como abrigar os valores reservados para as emendas secretas no Orçamento de 2023 – um total de R$ 19,4 bilhões?
Na verdade, estão naquela situação do sujeito que é flagrado com o produto do roubo nas mãos e sai dizendo à vitima que "eu estava guardando para nós dois".
A ministra Rosa Weber disse que não tem isso de guardar para nós dois. O que os ministros disseram é que o Executivo através do ministério do Planejamento deve dizer que pastas serão beneficiadas com recursos do tal orçamento secreto. E que a sociedade deve ver a execução dos repasses pendentes conforme os programas e projetos das respectivas áreas.
E surge um problema para Lira:
Sem o poder de continuar a dizer onde vai ser alocado o dinheiro, o presidente da Câmara perde força com os deputados do Centrão que foram reeleitos. Ou seja, está sem credito na conta.
Tudo isso, mais a decisão de Gilmar Mendes, que retirou do OGU o dinheiro do Bolsa Família, é muito bom para Lula - que entendeu de negociar no fiado.
O problema é que Lira ainda é credor de Lula. Pode entregar ou não. E lula, que conseguiu baixar o preço, precisa não começar seu governo com fama de quem deprecia mercadoria para depois comprar a preço de xepa na feira.
Em política, mercadoria boa é aquela que chega fresquinha do campo e cheirando a sabor. Quando passa a ter cheiro de podre vai para o lixo. Ou vira lavagem de porco, que o comerciante dá de graça para tirar do seu banco de feira.