Não se deve ter ilusões. A reoneração dos 17 setores, ou a maior parte deles, vai precarizar o emprego nas empresas que, graças à possibilidade de trocar a contribuição previdenciária de 20% sobre a folha de pessoal por até 4% da receita bruta.
Num primeiro momento vão cessar todas as contratações em setores como a construção civil e de transporte e especialmente no setor de tecnologia da informação cujo crescimento das contratações com carteira assinada foi o destaque em 2022 e ano passado e, num segundo momento, a volta da “pejotização” do emprego com o estímulo dos empregados para que se transformou em MEI.
O mais surpreendente é que esse tipo de comportamento esteja sendo aplicado por um governo cujo presidente vem do movimento sindical e cuja marca histórica foi a conquista de melhores salários em empregos com carteira assinada.
E que, na prática, esteja encampando uma tese de economistas de pensamento liberal que questionam se o benefício dado às empresas, desde 2012 a partir do governo Dilma Rousseff que resultaram em aumento líquido de contratações.
Extinção geral
Nos bastidores o que está acontecendo é que o ministério da Fazenda depois de fracassar numa série de negociações nas quais desejava simplesmente extinguir o benefício a partir do orçamento de 2024 decidiu recorrer ao STF depois de identificar que o colegiado tem uma forte jurisprudência quando analisa questões onde o Legislativo propõe a criação de despesas sem definir exatamente de onde poderá vir a receita.
A liminar do ministro Cristiano Zanin cita vários exemplos onde o STF se pronunciou contra leis de estados e municípios cujas assembleias e câmaras municipais agregaram despesas sem oferecer a fonte de receitas no orçamento dos entes subnacionais. Na sua decisão liminar Zanin elenca várias ações onde o STF deu ganho de causa a governadores e prefeitos.
Ministro seguiu jurisprudência
Na verdade, o que Zanin fez foi o que qualquer outro ministro faria se consultasse o histórico do STF na questão. O que explica que no plenário virtual a tese do Executivo federal já tenha cinco votos. Então, se o que existe na casa for respeitado é possível que a Advocacia Geral da União tenha um placar de 11 a 0 logo depois que o ministro Luiz Fux devolva o processo ao plenário físico.
Isso se dará porque a redação do projeto de lei (PL 334/2023 ), que estendeu o prazo de validade da desoneração até 31 de dezembro de 2027 não tomou os cuidados necessários, abrindo a oportunidade de a AGU recorrer ao STF com enormes chances de sucesso.
Mas se a questão do ponto de vista legal pode estar resolvida, a questão no mundo político vai precisar de muita conversa com o governo na vantagem de poder forçar que o Congresso aceite um acordo já que após quatro meses de validade da Medida Provisória 1208/24, que revoga partes da MP 1202/23 que o governo enviou ao Congresso.
Voltar a lei antes de Dilma
Como ela não foi votada, fica valendo a MP que extinguiu o benefício em 31 de dezembro de 2023 embora esteja em tramitação o Projeto de Lei 493/24 que limita a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. A proposta repete partes da Medida Provisória 1202/23, alvo de críticas do Congresso Nacional desde a sua edição, em dezembro último, com menor número de setores beneficiados.
Nesse projeto os setores excluídos da desoneração folha na MP 1208/204 são call center, confecção e vestuário, têxtil, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, projetos de circuitos integrados, tecnologia de comunicação (TIC) e proteína animal.
E o que parece não está sendo levado em consideração pelo governo - e que aparentemente não percebido pelos parlamentares - é que sem poder se beneficiar da desoneração, as empresas vão rapidamente iniciar um processo de ajustes onde a demissão em grande parte deles será a única opção.
Empresas preocupadas
Esse movimento já começou com as empresas de TI informando aos seus funcionários que não têm como manter o quadro se for para pagar a folha com 20% da contribuição patronal. Esse comportamento se dará certamente nos setores onde haverá a chamada “pejotização”. O mesmo deve acontecer com o de empresas de comunicação e, especialmente, uma drástica redução nos serviços de call center.
Curiosamente, o argumento do governo em reduzir pelo menos reduzir o número de atividade com o possibilidade de pagar a contribuição previdenciária pelo faturamento bruto encontra fundamento em trabalhos acadêmicos de economistas neoliberais alguns deles ex-integrantes do Governo de Jair Bolsonaro.
Isso aconteceu em 2018 quando num artigo publicado pelo IPEA, cujo título é “ Impacto da desoneração da folha de pagamentos sobre o emprego: novas evidências” três importantes assessores do governo Bolsonaro (Felipe Garcia, Alexandre Xavier Ywata de Carvalho e Adolfo Sachsida, que foi ministro das Minas e Energia) defendem a tese de que a Lei no 12.546, que retirou, inicialmente para alguns setores, a contribuição de 20% ao regime de Previdência incidente sobre a folha de salários das empresas não demonstrou evidências de que tenha gerado mais empregos.
No artigo, Sachsida e seus colegas afirmam que “não há evidências robustas de efeitos reais positivos da desoneração” e concluem que “a magnitude da renúncia fiscal concedida pela desoneração, a revisão da desoneração é uma proposta para o debate”.
PT aceita tese de bolsonaristas
A aceitação de uma tese escrita por ex-assessores de Jair Bolsonaro, pela equipe do petista Fernando Haddad não deixa de ser surpreendente. Embora nenhum assessor do ministro tenha se referido ao artigo dos três ex-auxiliares de Jair Bolsonaro ou de outros já publicados.
Entretanto, um dos aspectos da tese de Sachsida e seus colegas é que eles não levam em consideração que os empregos abrigados nas empresas que gozam da desoneração não são os mesmos de 2012 quando a lei começou a vigorar. Isso em função da mudança radical nos equipamentos com melhor tecnologia que levaram às empresas a reduzirem a necessidade de tantos trabalhadores em suas rotinas.
Segmentos, indústrias e, especialmente de TI, e até mesmo na construção civil empregam hoje bem menos trabalhadores que estavam há 10 anos porque melhoraram suas rotinas. Isso porque ocorreu um enorme avanço de melhoria de processos entre 2012 e 2024 que reduziu o número de empregos e, consequentemente, a melhoria de salários.
Mudança de processos
Portanto, uma contagem apenas dos postos de trabalho não afere entre outras informações o fato de que as empresas também faturam mais com menos trabalhadores é contestável. E que o emprego que existiu no passado era ocupado por três ou quatro pessoas em função da melhoria de processos e novos equipamentos.
Infelizmente, a questão dos efeitos da desoneração parecem mais preocupantes. Ela já está no radar das empresas beneficiadas desde o ano passado, quando o Orçamento Geral da União de 2024 não previu recursos de gastos tributários para o grupo de 17 setores que gozavam do benefício até 31 de dezembro de 2023. Gastos Tributários é o nome que a Receita Federal dá para as desonerações.
E essa tensão permanece até agora já que se até a próxima segunda-feira (20) não se chegar a um acordo, as empresas terão que recalcular suas contribuições à Previdência com base na lei anterior à desoneração assinada pela então presidente Dilma Rousseff.
O que chama a atenção é que esse movimento venha de um governo que se diz defensor dos trabalhadores e que, segundo o presidente Lula da Silva nos seus discursos tenha como uma de suas metas a geração de empregos.
E mais ainda que saiba que o risco de demissão dos trabalhadores com carteira assinada pode cessar as contribuições para a Previdência Social em valores muito maiores que, por exemplo, dos empregos gerados até agora. Isso porque, segundo o Sebrae, os empregos gerados em 2024 serão em até 80% feitos de micro e pequenas empresas.
Troca de receita certa
Ou seja, o Governo está trocando a contribuição dos empregos que podem recolher para a Previdência pelo teto de R$ 7.786,02 (que recolhem R$ 560,03) pela contribuição de trabalhadores contratados com remuneração de até dois salários-mínimos que recolhem apenas R$ 125,47. Embora sem a desoneração as empresas voltem a pagar 20% do valor dos salários até o limite de 10 salários de contribuição (7.786,02 ) que eleva o valor a ser recolhido para R$1.557,20 por cada empregado como Contribuição Patronal.
Mas a questão política continua com o governo pressionando o Congresso, já que a qualquer momento o ministro Luiz Fux devolve o processo da ADI que poderá ser levado imediatamente ao plenário nas sessões físicas do colegiado.
Enquanto isso, o governo joga com a pressão sobre as empresas já que até o dia 20, as empresas dos setores de calçados artigos de couro, comunicação, Tecnologia da Informação (TI), construção civil, construção e obras de infraestrutura, transporte rodoviário coletivo, transporte rodoviário de cargas e transporte metroferroviário de passageiros, que foram mantidas com as desonerações saibam como vão fazer o pagamento das contribuições para a Previdência Social.