Em tempos de coronavírus, transporte público vira, mais uma vez, instrumento da demagogia

Depois que imagens de ônibus lotados foram divulgadas pela mídia, governo de Pernambuco anuncia medidas que dificilmente conseguirá fiscalizar e fazer valer. Quer passageiros sentados e filas pequenas nos terminais
Roberta Soares
Roberta Soares
Publicado em 24/03/2020 às 13:28
A disseminação do novo coronavírus mudou a rotina dos usuários de transporte público, como na Estação Recife do metrô e no TI Recife Foto: FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM


POR ROBERTA SOARES, DA COLUNA MOBILIDADE

O endurecimento anunciado nesta terça-feira (24/3) pelo governo de Pernambuco sobre a operação do transporte público por ônibus na Região Metropolitana do Recife é maravilhoso na teoria, mas na prática soa como pura demagogia - . promessas que agradam a população, mas que muito provavelmente não serão realizadas, gerando mais ganhos políticos do que práticos. Determinar que os passageiros circulem "preferencialmente" sentados, proibir aglomerações em terminais integrados e ameçar com multas as empresas que, em mais de 70% do sistema, têm apenas permissões precárias, parece mais uma resposta às imagens exibidas pela mídia televisiva esta semana do que, de fato, uma solução para as consequências da redução do serviço de transporte em meio à pandemia do coronavírus na RMR.

E sabe por quê? Porque o Estado, na figura do Grande Recife Consórcio de Transporte - gestor do sistema de transporte público da RMR ­- não têm fôlego para tal desafio. Não têm braço para a fiscalização desejada e determinada pelo seu próprio chefe - o governo do Estado. Talvez na noite desta terça-feira ou na manhã da quarta (25/3), essa fiscalização seja flagrada por alguns passageiros e pela mídia em determinados terminais - atualmente temos 26 no Grande Recife, é importante destacar. Mas muitos ônibus estarão circulando, no mínimo, com passageiros sentados e em pé, e até lotados em determinadas linhas e horários, nos mais variados pontos da RMR. Até porque a tarefa não é fácil: estamos falando de um sistema que envolve 402 linhas, 2.700 ônibus, 11 operadoras e 1,8 milhão de passageiros diários. É claro que a redução de demanda - que era de 45% no fim da semana passada e já chegou a 70% - facilita, mas mesmo assim é uma determinação que o próprio Estado penará para conseguir cumprir.

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A verdade é que, há muitos anos, o governo de Pernambuco tem pouco controle do sistema que gere. Como a implantação do Simop (Sistema Inteligente de Monitoramento da Operação) se arrasta há mais de seis anos, a gestão do sistema apenas observa o que acontece na operação. Isso porque todo o controle da bilhetagem eletrônica (onde estão as informações operacionais como número de viagens cumpridas e frota disponibilizada, por exemplo) está com o setor empresarial. O controle foi disputado por anos na Justiça e conquistado pelos empresários ainda na primeira gestão do então governador Eduardo Campos (PSB). Cada empresa de ônibus tem o seu controle individual. Ao CTM (Grande Recife Consórcio) cabe, ao ver algo errado, reclamar e adotar as medidas que pode e estão previstas num ultrapassado regulamento. No caso das empresas concessionárias é um pouco diferente porque houve uma licitação e regras mais duras foram impostas para as irregularidades. O cenário melhorou um pouco porque houve avanços na implantação do Simop e hoje em dia o CTM consegue acompanhar a operação, embora não possa intervir em tempo real nela.

Por tudo isso, quero falar com o passageiro do ônibus que precisa utilizá-lo todos os dias: não se admire se, após a nova determinação do governo do Estado, você continuar andando em coletivos cheios ou enfrentando aglomerações para entrar nos veículos - até porque a proximidade entre as pessoas é algo peculiar a qualquer sistema de transporte coletivo e, inclusive, algo que faz muita gente detestar e evitá-lo a qualquer preço.

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ENTENDA AS NOVAS DETERMINAÇÕES:

Segundo a portaria, assinada pelos secretários de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Bruto, e de Saúde, André Longo, e pelo presidente do CTM, Erivaldo Coutinho, as operadoras de ônibus deverão evitar acúmulo de passageiros em filas (que deverão resguardar a distância mínima de um metro entre as pessoas). Por isso, deverão disponibilizar e utilizar frota de estoque nos terminais de passageiros (integrados, miniterminais) ou nas garagens. E, se necessário, terá que disponibilizar veículos para operar em linhas que não sejam as suas de origem.

Na portaria do Estado, acúmulo de passageiros significa filas com número superior a 30 passageiros nas linhas que operam com ônibus convencionais e, naquelas que operam exclusivamente com BRT ou veículos articulados, superior a 45 passageiros. Essa quantidade de passageiros, por exemplo, já cria confusão num embarque se não houver orientadores de fila e policiais para garantir a ordem. Quem conhece os terminais de ônibus sabe disso.

 

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