POR ROBERTA SOARES, DA COLUNA MOBILIDADE
É difícil e até constrangedor, no momento de isolamento social e angústia vivenciados mundialmente, abordar aspectos positivos da pandemia do coronavírus no Brasil. Mas é preciso porque eles começam a surgir em algumas áreas. É o caso das mortes, mutilações e ferimentos decorrentes dos quase sempre evitáveis acidentes de trânsito. O isolamento da população - respeitado por uma grande parcela da sociedade, ainda bem - tem reduzido os índices da violência no trânsito com reflexos diretos nas unidades de saúde, permitindo que elas tenham mais estrutura para receber e cuidar dos pacientes da covid-19. Há menos gente circulando nas ruas, por consequência menos trânsito, menos colisões, menos atropelamentos e menos vítimas. Em Pernambuco, por exemplo, há hospitais que são referência no atendimento a politraumatizados que tiveram redução próxima a 40%. É claro que a situação reflete a pandemia e, mais cedo ou mais tarde, tudo voltará ao normal, mas para quem vivencia o drama da ocupação de mais de 60% dos leitos da saúde pública com traumatizados do trânsito, é uma situação inusitada e histórica.
Para nós tem sido algo histórico. Algo nunca visto na história do hospital. Houve uma redução de todos os atendimentos, é importante destacar, mas os relacionados a traumas provocados por colisões no trânsito impressionaAndré Sansonio, do HDH
Há vias do Recife, por exemplo, como a avenida Domingos Ferreira, uma das principais da Zona Sul da capital, que a diminuição do tráfego foi de 73% nesses dias de isolamento social. As ocorrências de trânsito, segundo a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano do Recife (CTTU), reduziram em mais de 90% entre 21 e 31 de março. Para quem não sabe, as colisões e atropelamentos custam muito caro à saúde no Brasil, principalmente a pública. Só com feridos, o custo alcançou R$ 3 bilhões entre 2009 e 2018. Os dados são do Conselho Federal de Medicina (CFM), que em junho de 2019 divulgou essas informações como forma de frear a decisão do governo federal de desligar os radares eletrõnicos nas estradas do País. O trânsito deixou 1,6 milhão de feridos e mutilados no mesmo período. É como se, a cada hora, 20 pessoas dessem entrada em uma unidade de saúde feridas gravemente no trânsito brasileiro. Em Pernambuco, a situação também é trágica. O Estado teve destaque negativo no ranking do CFM e foi a segunda unidade federativa, proporcionalmente comparando (número de habitantes), a registrar o maior crescimento no número de internações hospitalares: um salto de 725% na última década. No País como um todo, houve um crescimento de 33% na quantidade de internações entre 2009 e 2018. Por ano, o trânsito brasileiro mata quase 40 mil pessoas. Ou seja, a redução nos atendimentos dessas vítimas é razão para se comemorar, mesmo em tempos de tanta resiliência.
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No Hospital Metropolitano Sul Dom Helder Câmara (HDH), localizado no Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife, e referência para a Zona da Mata Sul de Pernambuco em politraumas cirúrgico e ortopédico, a queda nos atendimentos chegou a 38%. Segundo dados da unidade, numa comparação entre os meses de março de 2020 com 2019, houve uma redução de 37% das vítimas de acidentes de trânsito em geral, passando de 127 em março de 2019 para 80 no mesmo mês de 2020. Quando o recorte é das vítimas de motocicletas, a diminuição alcançou 38%, passando de 92 em março de 2019 para 57 no mesmo período de 2020. "Para nós tem sido algo histórico. Algo nunca visto na história do hospital. Houve uma redução de todos os atendimentos, é importante destacar, mas os relacionados a traumas provocados por colisões no trânsito impressiona mesmo. Estamos com nossos corredores vazios. E isso será muito bom porque, em breve, seremos uma das unidades de referência para o tratamento da covid-19. Essa redução vai permitir uma maior oferta de leitos, UTIs e de profissionais", informa André Sansonio, diretor técnico médico do HDH. O Dom Hélder Câmara foi inaugurado em 2010 e é o segundo dos três hospitais públicos construídos na Região Metropolitana do Recife, oferecendo serviços de urgência e emergência 24 horas, clínica médica, cirurgia geral, traumato-ortopedia e cardiologia.
Tivemos uma redução drástica no atendimento de pacientes politraumatizados. Para se ter ideia, de quinta para sexta passadas não chegou nenhum novo paciente grave.André Gomes, do HR
No Hospital da Restauração, a maior unidade da rede de saúde pública de Pernambuco, a redução também aconteceu. Por limitações administrativas diante da pandemia do coronavírus, o hospital não conseguiu levantar o percentual exato da queda de atendimento das vítimas politraumatizadas, mas os médicos confirmam a dimunição. "Tivemos uma redução drástica no atendimento de pacientes politraumatizados, que é nossa maior especialidade. Para se ter ideia, da quinta-feira (02/4) para a sexta (03/4), não chegou nenhum novo paciente grave. Estamos conseguindo intercalar a ocupação dos leitos para manter o distanciamento entre os pacientes. Vivemos com a Unidade de Trauma lotada, tendo pelo menos quatro pacientes à espera de vagas. Há vagas na enfermaria, há vagas nos chamados hospitais espelho, que nós dão suporte, por exemplo. De fato, é algo inusitado. Acredito que, pelo que vivencio todos os dias, a nossa redução foi superior a 50% dos atendimentos das vítimas de trânsito", atesta o coordenador da emergência de traumatologia e ortopedia do HR, o médico André Gomes.
No Hospital Getúlio Vargas (HGV), referência no Estado na área de ortopedia, realizando, mensalmente, mais de 2.700 atendimentos na emergência e outros 20 mil no ambulatório, a queda chegou a 36%. A redução é equivalente aos atendimentos de traumatologia em março de 2020 numa comparação com o mês de fevereiro deste ano. Foram 613 atendimentos (fevereiro) e 394 até o dia 31 de março. O número de cirurgias de urgência também reduziu. Foram 238 em fevereiro e 177 em março, o que representa uma queda de 26%. "Percebemos, sim, uma redução na entrada de pacientes pelo setor da traumatologia, que sabemos ser ocasionada em grande parte pelos acidentados de transporte terrestre. Uma das respostas para isto são as medidas restritivas anunciadas pelo governo do Estado para conter ou minimizar os efeitos da pandemia que estamos enfrentando. A redução deste público (acidentados) nos leitos, seja nas enfermarias ou nas UTIs, de fato, faz com que o sistema de saúde tenha maior capacidade de acolhimento e atendimento aos casos da covid-19, já que existe uma expectativa de alta para o atendimento deste perfil nas próximas semanas", afirmou o diretor do HGV, o médico Bartolomeu Nascimento.
Para mim a redução de 18% ainda é baixa. Se tivéssemos um respeito maior ao isolamento, esses números poderiam ser bem maiores. E assim, termos mais assistência às vítimas da covid-19 e das SRAGsLeonardo Gomes, do Samu
A redução nos atendimentos a vítimas de acidentes de trânsito também foi sentida nas ruas. O Samu Metropolitano do Recife teve uma queda de 18% comparando março de 2020 com o mesmo mês de 2019. Foram 440 atendimentos no ano passado contra 360 esse ano. Embora valide a diminuição, o médico Leonardo Gomes, coordenador geral do Samu, esperava e busca uma redução ainda maior. "Para mim ainda é baixa. Queremos uma redução de atendimentos de vítimas de trânsito ainda maior. Se tivéssemos um respeito maior ao isolamento, esses números poderiam ser bem maiores. Cerca de 60% do atendimento do Samu é clínico. Por isso, quanto mais reduzirmos as colisões e os atropelamentos no trânsito, por exemplo, mas atenção poderemos dar às vítimas da covid-19 e das SRAGs (síndrome respiratória aguda grave). Todos sabem que os recursos são finitos. Sendo assim, quanto mais ambulâncias e profisisonais tivermos livres para enfrentar o que nos aguarda nos próximos dias melhor", alerta o médico.
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André Sansonio, do HDHCitação
Tivemos uma redução drástica no atendimento de pacientes politraumatizados. Para se ter ideia, de quinta para sexta passadas não chegou nenhum novo paciente grave.
André Gomes, do HRCitação
Para mim a redução de 18% ainda é baixa. Se tivéssemos um respeito maior ao isolamento, esses números poderiam ser bem maiores. E assim, termos mais assistência às vítimas da covid-19 e das SRAGs
Leonardo Gomes, do Samu
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