PF investiga, mas quem vai pagar a conta da BR-101 é a sociedade. De novo

A segunda fase da investigação, que mais uma vez ganhou um desses nomes fantásticos que os federais gostam de dar, só confirma o que muitos já vinham alertando: que o projeto da restauração foi, é e será um equívoco
Roberta Soares
Roberta Soares
Publicado em 08/05/2020 às 17:14
Embasado no que dizem técnicos, veremos o pavimento se acabar e a degradação - que tanto transtorno, ferimentos e até vidas tirou - retornar Foto: Felipe Jordão / JC Imagem


POR ROBERTA SOARES, DA COLUNA MOBILIDADE

A Polícia Federal é quem investiga. Mas será a sociedade quem pagará a conta dos equívocos, erros e possíveis desvios financeiros das obras de restauração do chamado contorno urbano que a BR-101 faz na Região Metropolitana do Recife. São 30 quilômetros, entre Abreu e Lima e Jaboatão dos Guararapes, essenciais para o Grande Recife, que de tão importantes se transformaram praticamente em via urbana das cidades cortadas por eles. A segunda fase da investigação, que mais uma vez ganhou um desses nomes fantásticos que os federais gostam de dar, só confirma o que muitos já vinham alertando: que o projeto da restauração foi, é e será um equívoco. Em poucos anos, essa conta que continua sendo investigada pela PF, chegará em dobro para motoristas e passageiros que dependem do corredor - um dos mais importantes eixos do transporte público metropolitano. Embasado no que dizem técnicos, veremos o pavimento se acabar e a degradação - que tanto transtorno, ferimentos e até vidas tirou - retornar.

Adiada por pelo menos duas décadas, a restauração do contorno urbano da BR-101 começou estranha, ainda na época em que, sob o argumento de economia, o governo federal, descartou a troca do pavimento por concreto. Optou pelo asfalto. Isso tem mais de dez anos. Alertas foram feitos na época e de nada adiantou. Há três anos, quando as obras começaram de fato, depois de muitas idas e vindas, novos alertas aconteceram - dessa vez ainda mais fortes e embasados. Foram ignorados novamente. Vale lembrar para quem não recorda ou não sabe, que as escolhas técnicas equivocadas dos órgãos envolvidos no processo - propositais ou não - foram o princípio da investigação da PF. Todas, inclusive, denunciadas por entidades de engenharia e a academia desde 2017.

Foto: Bruno Campos/TV Jornal - Em poucos anos, essa conta que continua sendo investigada pela PF, chegará em dobro para motoristas e passageiros que dependem do corredor - um dos mais importantes eixos do transporte público metropolitano

Na época, os técnicos já diziam que, em dez anos, talvez até menos, os pernambucanos estarão trafegando em uma rodovia repleta de problemas e os R$ 192 milhões destinados à obra terão sido desperdiçados. A denúncia, inclusive, também foi validada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Tribunal de Contas da União (TCU), que fizeram dois alertas ao governo de Pernambuco, responsável, via Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE) pela execução e supervisão das obras. Mas tudo começou com as denúncias bem embasadas da Associação Brasileira de Engenheiros Civis em Pernambuco (Abenc-PE), da Associação dos Engenheiros de Segurança do Trabalho de Pernambuco (Aespe) e do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco (Senge).

 

 

O pavimento sempre foi o grande alvo dos alertas. Os engenheiros, assim como aconteceu com os professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), defendiam que o concreto ou pavimento rígido era a melhor opção para a BR-101. Alegaram que para trocar as 20 mil placas de concreto que compõem o contorno da rodovia, seriam gastos - tendo como base a tabela de preços paga pela Emlurb - R$ 100 milhões. “Ou seja, seria viável recompor o pavimento da forma certa. O modelo que o Dnit escolheu e que o governo de Pernambuco validou não é certo. Deveriam usar a mesma técnica de concretagem utilizada para fazer quase 400 quilômetros da BR-101 Nordeste, inclusive em Pernambuco”, afirmou, na época, Stênio Cuentro, presidente da Abenc-PE.

FOTO: ARNALDO CARVALHO/JC - O Tribunal de Contas do Estado (TCE) emitiu um alertas de responsabilização após encontrar irregularidades

Uma explicação simples sobre o pavimento, dada na época, era que a técnica adotada na obra se assemelha a uma obturação mal feita de um dente. “Eles quebraram e trituram as placas que estão danificadas e já repletas de asfalto jogado sobre elas por anos. Abriram um buraco na base e o preencheram com o que chamamos de concreto pobre (CCR). Em seguida, colocaram asfalto sobre ele. Isso não vai funcionar. O pavimento flexível tem vida útil limitada porque sofre com os efeitos do clima e do excesso de peso”, explicou Cuentro. O modelo de contratação escolhido (Regime Diferenciado de Contratação Integral RDCI) não foi o adequado, como também alertaram os tribunais e a PF constatou ainda na primeira fase da investigação, em novembro de 2019. Ou seja, a conta está cada vez mais perto.

ARNALDO CARVALHO/JC IMAGEM - Segundo a Polícia Federal, organização criminosa praticava desvios de recursos públicos destinados à obra de requalificação da BR-101, no trecho do Contorno Viário da Região Metropolitana de Recife/PE

 

LEIA MAIS CONTEÚDO NA COLUNA MOBILIDADE www.jc.com.br/mobilidade

 

TAGS
BR-101 pernambuco recife mobilidade
Veja também
últimas
Mais Lidas
Webstory