No dia 5 de março de 2020, pouco antes de a pandemia da covid-19 se consolidar no Brasil, já alertávamos que o primeiro embate direto entre rodoviários, empresários de ônibus e governo do Estado seria muito difícil. O primeiro dia da greve de motoristas e cobradores de ônibus na Região Metropolitana do Recife comprovou esse alerta. E por duas razões.
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Primeiro, porque a ampliação da dupla função pelos motoristas seria algo difícil de implementar. O que agora se confirma. E aqui vale um destaque: mais do que a retirada do cobrador, o que incomodou a categoria e o passageiro foi colocar o motorista para dirigir, receber dinheiro e passar troco. Esse processo, em linhas de alta demanda, é complicado, perigoso e atrasa a viagem. Oficializar essa função pagando entre R$ 100 e R$ 150 por mês também pesou demais.
Enquanto os cobradores saíam da função nos coletivos e, por determinação do Estado, eram reaproveitados em outras funções - como era determinado desde 2015, tudo bem. Mas, para piorar tudo, em julho - devido à crise provocada pela pandemia do coronavírus e numa tentativa de manter o mínimo possível da frota nas ruas - o governo de Pernambuco autorizou a retirada dos cobradores de todas as linhas da Região Metropolitana do Recife.
Abriu mão dos critérios técnicos que ainda exigia para autorizar a saída dos cobradores das linhas - como um índice mínimo de pagamentos em dinheiro (5%) -, gerando uma crise ainda maior com os rodoviários, que já reagiam às demissões em massa de profissionais provocadas pelo início da pandemia - a grande maioria de cobradores. Em novembro de 2019, eram 346 motoristas na dupla função.
Em março, esse número aumentou para 1.264 motoristas recebendo dinheiro e passando troco. Com a liberação do Estado, aumentou para 2.416. E esse é o número que até hoje o Estado diz ser oficial. Assim, o Estado virou o vilão do processo. E para complicar ainda mais, prometeu o que não poderia cumprir - e todos sabiam ou desconfiavam disso - para evitar a primeira greve dos rodoviários, que aconteceria no dia 24/11, às vésperas do segundo turno das eleições municipais.
A segunda razão que comprova o alerta feito em março é a nova direção do Sindicato dos Rodoviários, que agora tem à frente o jovem Aldo Lima. Direção que, além de nova - assumiu há um ano -, chegou com sangue nos olhos para o novo mandato de cinco anos. E tanta vontade tem uma justificativa. Aldo precisou esperar por cinco anos para assumir o sindicato. Isso porque, embora tenha trabalhado na base e ajudado a eleger o seu antecessor, Benício Custódio, logo no início do mandato se afastou do ex-colega.
E por cinco anos esperou e alimentou muita ansiedade para retomar o patrimônio político que construiu junto à categoria. Vale lembrar que foi Aldo Lima e sua base - Benício Custódio fazia parte na época - quem conseguiu destituir do cargo – quase vitalício – o presidente que por 33 anos comandou o Sindicato dos Rodoviários, Patrício Magalhães. Vencido todos esses obstáculos, finalmente ele chegou ao cargo que por pelo menos uma década se preparou para ocupar.
A pequena quantidade de coletivos nas ruas e, principalmente, a ausência de rodoviários nas garagens para trabalhar, mostram a força que motoristas de ônibus ainda têm. Ainda mais em meio a uma crise sanitária e às vésperas do Natal. Faz anos que a RMR não via uma paralisação do transporte público nesta dimensão. É claro que a pandemia interfere, que há uma redução de demanda por causa da covid-19, e que o sistema já operava com apenas 70% dos ônibus. Mas a adesão da categoria não era esperada nessa dimensão. Por ninguém.
Agora, e como muitas vezes aconteceu, tudo está nas mãos da Justiça. Nesse caso, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT da 6ª Região).
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