Mais impacto financeiro para o transporte público brasileiro
Novas quarentenas adotadas de Norte a Sul do País fragilizam ainda mais a já fragilizada saúde financeira dos sistemas de transporte público e urgem a discussão de um novo modelo de financiamento além da tarifa
Não vamos aqui, de forma alguma, ir contra a ciência e deixar de defender o isolamento social, mas a segunda quarentena que o Brasil está vivenciando nos últimos dias vai gerar ainda mais impacto negativo na saúde financeira dos sistemas de transporte público brasileiro. E ele será grande, até porque o País aderiu ao lockdown, mesmo que mais flexível. De Norte a Sul do Brasil, são dezenas de cidades e pelo menos oito Estados com restrições sanitárias mais rígidas no segundo ano da pandemia mundial de covid-19. As demandas diárias de passageiros que estavam flutuando na casa dos 60% a 80%, dá sinais de cair para 50% ou, conforme o sistema, até mais. Um cenário vivenciado pelo transporte público no ano passado e que, mais uma vez, evidencia a necessidade de o País rever o modelo de financiamento do setor. Não, os ônibus e metrôs não podem mais ser custeados apenas pela tarifa do passageiro, que está deixando de usar o transporte porque perdeu o emprego ou tem medo da aglomeração nos horários de pico.
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E essa responsabilidade precisa ser de todos, cidades, gestores públicos e sociedade, usuária ou não do transporte coletivo. Isso porque, quando os sistemas de ônibus e metrô funcionam bem, eles beneficiam a todos - indústria, comércio e serviços. Transformam as cidades e proporcionam qualidade de vida para quem vive nelas. Como se não bastasse toda dificuldade enfrentada em 2020, o transporte público coletivo levou mais um golpe mortal com a negativa do governo federal de ajudar financeiramente o setor com R$ 4 bilhões. Na semana passada, inclusive, a última ponta de esperança foi sepultada com a decisão do Congresso Nacional de não derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro à proposta - gesto claro de que o transporte público coletivo segue sem prioridade no País. Desde o começo, sempre houve desconfiança e temor de muitos segmentos do governo federal de que esse dinheiro poderia ser mal utilizado pelas prefeituras e gestores metropolitanos que cuidam do transporte nas cidades. Venceu esse receio.
O risco era real, mas com regras claras e controle eficiente, esse dinheiro teria evitado mais prejuízos para a população que depende do transporte público. Pernambuco, por exemplo, estimava receber R$ 160 milhões caso a proposta fosse validada pelo governo federal. Desse total, R$ 104 milhões seriam apenas para o transporte público do Grande Recife. Seria com esse dinheiro que o governo do Estado planejava incluir um número maior de pessoas no recém aprovado Programa de Transporte Social da RMR, atualmente limitado a beneficiar 20 mil pessoas por mês. E também conseguir custear o lançamento de 100% da frota de ônibus durante a pandemia. E, ainda, poderia ter evitado o reajuste de 8,7% das passagens em fevereiro de 2021.
O auxílio governamental era uma esperança para que os operadores pudessem manter a operação dos sistemas. O setor se ressente da falta de medidas específicas para tratar da crise do transporte público, muito embora, sua importância para a retomada econômica de todo País seja reconhecida pelo próprio governo Federal e governos estaduais ”,Joubert Flores, da ANPTrilhos
“O auxílio governamental era uma esperança para que os operadores pudessem manter a operação dos sistemas. O setor se ressente da falta de medidas específicas para tratar da crise do transporte público, muito embora, sua importância para a retomada econômica de todo País seja reconhecida pelo próprio governo Federal e governos estaduais ”, lamentou o presidente do Conselho da Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos), Joubert Flores. E não é apenas o setor metroferroviário que reclama. O transporte coletivo por ônibus também. Dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) apontam que os sistemas de todo o País estão à beira da falência um ano após o início da pandemia. Acumulam prejuízos de R$ 11,75 bilhões devido à drástica redução das receitas com a queda da demanda de passageiros. O transporte sobre trilhos contabiliza R$ 8 bilhões de prejuízos desde o início da pandemia.
“Mais uma vez, ficou evidente a necessidade de revisão do modelo de financiamento do transporte público brasileiro. É uma equação que não fecha. Temos o passageiro achando que paga caro por um serviço ruim, o operador insatisfeito com a remuneração que recebe diante dos custos que tem, e o gestor público sofrendo com o desgaste político desse cenário. Por isso é preciso discutir um fundo nacional para o setor. E são muitas as possibilidades de fontes de receita”, destaca o diretor de Inovação do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE), Marcelo Bandeira.
REDUÇÃO DA DEMANDA AINDA MAIOR
Em Pernambuco, a situação deverá se agravar ainda mais, apesar de o governo do Estado ter adotado algumas iniciativas para tentar segurar a demanda e garantir a inclusão social, como os dois programas criados recentemente: Horário Social, que reduz a tarifa em R$ 0,40 no fora-pico e para quem paga com o cartão VEM Comum; e o Transporte Social, que vai dar 20 bilhetes do Anel A para os desempregados da pandemia. Com a nova quarentena, a expectativa é de que a quantidade de passageiros fique em 50% do que era antes da pandemia. Anteriormente a essa nova quarentena, a demanda estava entre 60% e 63%. “Sem dúvida a discussão de novas fontes de financiamento nunca foi tão urgente. Estamos analisando algumas possibilidades sim, principalmente agora, com a negativa da ajuda federal”, afirmou o secretário de Desenvolvimento Urbano de Pernambuco, Marcelo Bruto, gestor do sistema de transporte da RMR.
Mais uma vez, ficou evidente a necessidade de revisão do modelo de financiamento do transporte público brasileiro. É uma equação que não fecha. É preciso discutir um fundo nacional para o setor. E são muitas as possibilidades de fontes de receita”,Marcelo Bandeira, da Urbana-PE
Em Fortaleza (CE), por outro lado, o lockdown deste ano está sendo menos ruim do que o de 2020. Segundo o Sindiônibus Ceará, o número de passageiros indica uma adesão bem menor da população ao isolamento. Até porque, como em Pernambuco, o processo está mais flexível. “O sistema de ônibus de Fortaleza transportava quase 1 milhão de passageiros diariamente antes da pandemia. No lockdown decretado no primeiro semestre do ano passado, chegamos a transportar 160 mil em dias de menor movimento, tendo alguns dias de até 230 mil. Agora, a demanda está bem consolidada em 340 mil passageiros diários. Resultado de setores que não pararam, como a indústria e a construção civil”, diz Dimas Barreira, presidente do Sindiônibus Ceará.
O auxílio governamental era uma esperança para que os operadores pudessem manter a operação dos sistemas. O setor se ressente da falta de medidas específicas para tratar da crise do transporte público, muito embor
Joubert Flores, da ANPTrilhosMais uma vez, ficou evidente a necessidade de revisão do modelo de financiamento do transporte público brasileiro. É uma equação que não fecha. É preciso discutir um fundo nacional para o setor. E sã
Marcelo Bandeira, da Urbana-PE