Depois de o setor de transporte da Região Metropolitana do Recife indicar, numa comparação estatística, que o transporte público coletivo não poderia ser considerado o grande propagador do coronavírus porque, enquanto a demanda de passageiros no sistema de ônibus aumentava, os casos da covid-19 diminuíam, um estudo comparativo foi realizado nacionalmente no Brasil e constatou o mesmo. Que não existem evidências da correlação entre o uso do transporte público e o aumento dos casos da doença. Pelo menos nos 15 sistemas analisados no estudo.
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O estudo técnico foi elaborado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) com o objetivo de oferecer mais segurança aos passageiros dos sistemas de ônibus e, assim, tentar retomar a confiança dos usuários para que retornem. Os 15 sistemas analisados - o da RMR entre eles - atendem a 171 municípios e, antes da pandemia, realizavam 325 milhões de viagens por mês e 13 milhões por dia - o equivalente a 32,5% do total de viagens do País. Grandes centros, entretanto, como São Paulo, ficaram de fora do estudo porque, segundo a associação, não deu retorno à demanda da entidade. A análise não foi em campo. Foi realizado um comparativo entre a evolução das viagens de passageiros dos sistemas com os registros de casos confirmados de covid-19 pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
E, a partir da análise dos dois dados em cada um dos 15 sistemas, o estudo concluiu que, pelo menos no período analisado, não se pode dizer que o aumento do número de passageiros transportados levou a um aumento do número de casos. Mostra, inclusive, que em alguns sistemas - como o da RMR - a demanda de usuários cresceu enquanto os casos tiveram redução. Ou, como aconteceu no transporte de Teresina (PI), a queda de demanda aconteceu simultaneamente ao aumento da incidência de casos. Isso não significa dizer que não exista risco de contaminação no transporte público nem que o problema da superlotação nos horários de pico não potencialize esse risco. Mas que o transporte público não é o grande vilão da pandemia.
Não queremos dizer que não exista risco de contaminação pelo coronavírus no transporte coletivo por ônibus, mas que ele não pode ser apontado como responsável pelo aumento do número de casos. A comparação mostra isso. Que um maior número de passageiros nos coletivos não leva a maiores chances de disseminação da doença. Os números revelam que não há uma relação entre uma coisa e outra. Agora, é importante o respeito aos protocolos de higienização, como o uso de máscaras por passageiros e operadores, e a higienização das mãos e dos veículos. Isso pode dar segurança ao transporte públicopresidente-executivo da NTU, Otávio Cunha
A variação da demanda por transporte, calculada pela NTU, e os dados do SUS foram comparados durante 17 semanas, entre as semanas epidemiológicas 14 e 30 - que equivalem ao período entre 29 de março e 25 de julho de 2020. Segundo a NTU, os dados do SUS foram agregados em semanas epidemiológicas para que fossem estabelecidos os mesmos referenciais às demandas de viagens realizadas por passageiros no transporte público por ônibus. No total, foram considerados 255 registros de informações dos sistemas de transporte público coletivo.
Por orientação de profissionais de saúde que validaram a iniciativa da entidade, a análise levou em conta a variação percentual e semanal dos casos da covid-19 confirmados sete dias após a ocorrência da demanda e da quantidade de viagens realizadas por passageiros no transporte público por ônibus. A escolha pela análise dos casos confirmados sete dias após a ocorrência da demanda foi feita, também de acordo com a NTU, por ser um período que compreenderia a infecção e a detecção no teste do passageiro transportado.
“Não queremos dizer que não exista risco de contaminação pelo coronavírus no transporte coletivo por ônibus, mas que ele não pode ser apontado como responsável pelo aumento do número de casos. A comparação mostra isso. Que um maior número de passageiros nos coletivos não leva a maiores chances de disseminação da doença. Os números revelam que não há uma relação entre uma coisa e outra. Agora, é importante o respeito aos protocolos de higienização, como o uso de máscaras por passageiros e operadores, e a higienização das mãos e dos veículos. Isso pode dar segurança ao transporte público”, pontuou o presidente-executivo da NTU, Otávio Cunha.
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ANÁLISES
O estudo analisou os sistemas de transporte por ônibus de Belém-PA, Belo Horizonte-MG (municipal), Belo Horizonte-MG (intermunicipal metropolitano), Curitiba-PR, Curitiba (intermunicipal metropolitano), Fortaleza-CE, Goiânia-GO, Macapá-AP, Natal-RN, Porto Alegre-RS, Recife-PE, Rio de Janeiro-RJ (municipal), Rio de Janeiro (intermunicipal metropolitano), Vitória-ES e Teresina-PI. Os sistemas foram divididos em dois grupos. Sobre o grupo 1 (Belo Horizonte, Curitiba, Goiânia, Natal, Porto Alegre e Vitória) se constatou que, embora o número de viagens não tenha tido grandes oscilações no período, o pico dos casos só veio acontecer nas últimas semanas epidemiológicas, evidenciando que uma coisa não tem relação com a outra. Já no grupo 2 (Belém, Fortaleza, Macapá, Recife, Rio de Janeiro e Teresina), a NTU identificou que os sistemas de transporte apresentaram oscilações no nível de utilização, mas que, mesmo assim, nos períodos com baixa utilização do transporte público por ônibus foi quando aconteceram os picos de registros de casos confirmados.
Confira o estudo na íntegra
REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE
No caso do Sistema de Transporte Público de Passageiros (STPP) da Região Metropolitana do Recife (STPP), que atende à capital e a outras 13 cidades (Goiana ainda não entrou no STPP), a análise da NTU reforçou a comparação já realizada pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco (Urbana-PE) e publicada pela Coluna Mobilidade do JC. Mostra que entre a 14ª e até a 22ª semana epidemiológica houve a estabilização das viagens realizadas numa média de 2 milhões de deslocamentos por semana, enquanto os casos confirmados de covid-19 aumentaram. E, que, mais na frente, a não relação ficou ainda mais evidente. Da 23ª até a 30ª semana epidemiológica foi verificado um crescimento da quantidade de viagens realizadas - atingindo mais de 3 milhões de viagens na 29ª semana -, enquanto o número de casos confirmados de covid-19 caíam.
Há outros diagnósticos que chamam atenção, como o de Curitiba (PR) e o de Teresina (PI). Em Curitiba, o número de viagens teve poucas variações e, até a 26ª semana epidemiológica, os casos seguiram baixos. Mas em seguida aumentaram, apesar de o uso do transporte público ter se mantido o mesmo. E com uma curiosidade: da 19ª até a 26ª semana epidemiológica o total de viagens foi superior em relação a qualquer outro momento do período examinado.
Já em Teresina, apesar de uma paralisação total do sistema de transporte por ônibus no período de 15/05 até 06/07, devido à greve dos rodoviários, verificou-se o crescimento da quantidade de casos confirmados entre a 21ª e a 27ª semanas. E, ao mesmo tempo, da 28ª até a 30ª demanda epidemiológica houve a retomada da utilização do transporte público simultaneamente à redução dos casos confirmados.
“Por tudo isso, o estudo conclui que a suposta ligação entre o uso do transporte coletivo e o aumento dos registros de casos de covid-19 não pode ser comprovada e que o risco de contágio pelo coronavírus no transporte público é igual a qualquer outro ambiente coletivo, como supermercados, restaurantes e escritórios, por exemplo. É preciso lembrar à população que o fato de você estar próximo a outra pessoas não significa que irá pegar covid. Estudos científicos existentes sobre a propagação de vírus apontam, por enquanto, que ela se dá por gotículas expelidas ou por levar as mãos aos olhos, nariz e boca após ter contato com superfícies altamente infectadas. Ou seja, o risco de contágio pode ser substancialmente reduzido caso sejam adotadas medidas preventivas como o uso de máscaras, a limpeza diária dos veículos, o controle de pessoas sintomáticas e o aumento dos níveis de ventilação dos coletivos”, avaliou o diretor-técnico da NTU, André Dantas.
Nós podemos dizer, sim, com base no que as análises indicaram, que não houve relação direta entre as viagens do transporte coletivo com os casos de covid-19. Não estou dizendo que não há relação. Apenas que, no período analisado, de fato, os gráficos comprovam que o transporte coletivo não contribuiu para o avanço dos casosIgor Barcellos Precinoti, infectologista pela USP-Ribeirão Preto
Confira a análise do estudo
VALIDAÇÃO MÉDICA
A análise da NTU teve uma orientação e, posteriormente, uma validação médica. A metodologia adotada pela análise foi validada pelo professor doutor Gerson Yoshinari, especialista em modelos matemáticos em medicina. “Considerando as limitações inerentes a qualquer estudo científico, os resultados mostram que não há uma correlação, que não é possível afirmar, de forma categórica, que exista relação entre o aumento do número de casos confirmados da covid-19 com o aumento da demanda do transporte público. Ao contrário. Os dados mostram uma dispersão muito grande que nos leva a acreditar que é algo aleatório - ou não são esses fatores que a gente está olhando - do que uma correlação direta com o uso do transporte público com os números de casos”, afirmou. “Existe, sim, lógica científica no modelo adotado. Minha função foi fazer a avaliação científica dessa metodologia”, acrescentou. Yoshinari é médico e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), engenheiro pela Universidade Federal de Itajubá (MG) e, atualmente, atua como professor da Faculdade de Medicina de Itajubá.
Outro profissional da área de saúde que também validou o estudo da NTU foi o médico Igor Barcellos Precinoti, infectologista pela USP-Ribeirão Preto. “Nós podemos dizer, sim, com base no que as análises indicaram, que não houve relação direta entre as viagens do transporte coletivo com os casos de covid-19. Não estou dizendo que não há relação. Apenas que, no período analisado, de fato, os gráficos comprovam que o transporte coletivo não contribuiu para o avanço dos casos”, pontuou o infectologista, que também o médico responsável pelo Departamento de Vigilância Epidemiológica de Birigui-SP.
RISCOS EXISTEM
O infectologista, entretanto, ressalta que o risco de contaminação existe no transporte público, assim como existe em outros equipamentos, locais e espaços. E que somente com a adoção pela sociedade dos cuidados necessários é que se evitará a propagação do vírus. “Temos que pensar num mundo sem vacina. Todos estão ansiosos por ela, mas até conseguirmos tê-la, teremos que viver sem. É algo semelhante ao que vivemos com o HIV, Tivemos que criar mecanismos seguros para ter relações sexuais e conseguimos. O fato de uma pessoa estar próxima da outra no transporte público não significa que ela vai contrair o coronavírus. O contágio se dará pelas gotículas ou se houver o contato com a boca, nariz ou olhos, por exemplo, depois de uma contaminação numa superfície infectada”, explicou Igor Barcellos Precinoti.
COEFICIENTE
O coeficiente estatístico utilizado para a pesquisa foi o coeficiente de correlação de Pearson, que mede o grau da correlação entre duas variáveis de escala métrica. E no caso dos dois grupos, nenhum dos sistemas analisados apresentou o coeficiente de Pearson superior a +/-0,50. E quando o Pearson é igual a 0 significa que duas variáveis não dependem linearmente uma da outra.
Citação
Não queremos dizer que não exista risco de contaminação pelo coronavírus no transporte coletivo por ônibus, mas que ele não pode ser apontado como responsável pelo aumento do número de casos. A
presidente-executivo da NTU, Otávio CunhaCitação
Nós podemos dizer, sim, com base no que as análises indicaram, que não houve relação direta entre as viagens do transporte coletivo com os casos de covid-19. Não estou dizendo que não há relaç
Igor Barcellos Precinoti, infectologista pela USP-Ribeirão Preto
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