COLUNA MOBILIDADE

Tragédia da Tamarineira: matar no trânsito não é mais brincadeira. Punição ganha nova face

Recife deu exemplo para o País, como afirmou Miguel da Motta, que perdeu mulher, filho e secretária, além de ver a filha com sequelas gravíssimas até hoje. Cuidado para não ser o próximo João Victor

Imagem do autor
Cadastrado por

Roberta Soares

Publicado em 18/03/2022 às 13:50 | Atualizado em 18/03/2022 às 16:15
Notícia
X

“A sensação de impunidade hoje diminuiu muito. Vamos salvar muitas vidas no trânsito por causa dessa decisão”. A declaração do advogado Miguel da Motta, talvez a maior vítima da chamada Tragédia da Tamarineira, por ter perdido mulher, filho e secretária, além de ver a filha de 9 anos com sequelas gravíssimas até hoje, resume o simbolismo do julgamento que condenou o motorista João Victor Ribeiro a 29 anos e quatro meses de prisão por matar no trânsito.

Para toda a sociedade.

Foi uma condenação para crimes de trânsito até hoje raríssima, no Recife, em Pernambuco e em todo o País.

João Victor não cumprirá todos os anos da pena, claro, é o que diz a lei. E a lei vale para todos, afinal, estamos falando de justiça, não de vingança.

ALEX OLIVEIRA/JC IMAGEM
DECISÃO Sempre de cabeça baixa, réu ouviu a leitura da sentença feita pela juíza Fernanda Moura de Carvalho. "Culpabilidade do acusado foi extrema", afirmou a magistrada - ALEX OLIVEIRA/JC IMAGEM

A lei determina o cumprimento de 2/5 da pena antes da solicitação de progressão para o regime semiaberto, por ser um crime que virou hediondo - o jovem teria que ficar preso em regime fechado por 11,5 anos, mas como já cumpriu 4 anos, ficaria pelo menos mais 7,5 anos.

Mas para a impunidade comum nas mortes de trânsito, não importa. O que importa mesmo é o gesto e a decisão dos jurados em dizer: não, não vamos mais tolerar a matança no trânsito por motoristas que ainda não percebem a responsabilidade de conduzir um veículo.

Ainda não percebem que um automóvel é uma arma e que todos têm apenas uma permissão para conduzi-lo. “Não é um direito. É uma permissão que precisa ser honrada”, costumava dizer Simíramis Queiroz, ex-presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran-PE) e ex-diretora do Detran-PE, já falecida.

Alexandre Aroeira / Jc Imagem
Julgamento do caso do acidente no Bairro da Tamarineira- Fórum Joana Bezerra.// Na Foto: Réu João Victor Ribeiro. - Alexandre Aroeira / Jc Imagem
Alexandre Aroeira / Jc Imagem
Julgamento do caso do acidente no Bairro da Tamarineira- Fórum Joana Bezerra.// Na Foto: Réu João Victor Ribeiro. - Alexandre Aroeira / Jc Imagem
Alexandre Aroeira / Jc Imagem
Julgamento do caso do acidente no Bairro da Tamarineira- Fórum Joana Bezerra.// Na Foto: Réu João Victor Ribeiro. - Alexandre Aroeira / Jc Imagem

Novas lições do julgamento da "Tragédia da Tamarineira": fingimos que educamos nossos jovens condutores

A 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital - jurados e a juíza Fernanda Moura de Carvalho - reafirmaram a Pernambuco e ao Brasil que matar e mutilar no trânsito não é acidente e não será mais compensando com penas alternativas, como prestação de serviços sociais ou doação de cestas básicas - até porque o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) proibiu recentemente essa substituição, pelo menos para os casos de alcoolemia

“A maior vitória é da sociedade. A gente construiu, hoje, uma jurisprudência (*) que as pessoas não fazem ideia. Vamos evitar que outras famílias passem pelo que eu estou passando. Vamos segurar essa sentença, fazer ela transitar em julgado e mostrar que o Recife é vanguardista. Que nossa sociedade é muito boa. Essa corrente precisa continuar para que outras vidas sejam salvas. Agradeço de coração”, disse Miguel da Motta logo após o fim do julgamento, que durou três dias.

E seguiu: “Sei que não há recomeço para mim. Que minha sentença é perpétua. Mas eu vou mudar um pouquinho a sociedade. Eu vou viver numa sociedade melhor. Nós vamos viver numa sociedade melhor. É um novo ciclo de uma nova jurisprudência, uma nova decisão, um novo entendimento sobre quem mata no trânsito. Vidas foram embora, mas não foram à toa. Vamos, com essa decisão de hoje, salvar várias. Isso serviu para a sociedade, para o País”, finalizou, em pura emoção.

Alexandre Aroeira / Jc Imagem
Julgamento do caso do acidente no Bairro da Tamarineira- Fórum Joana Bezerra.// Na Foto: Miguel Arruda . - Alexandre Aroeira / Jc Imagem
Guga Matos/JC Imagem
Julgamento do Caso do Acidente na Tamarineira no Fórum Joana Bezerra. - Guga Matos/JC Imagem

Ah, mas muita gente vai alegar: mas as vítimas eram ricas, influentes. Sim, talvez. Mas é preciso ponderar que os jurados não sentenciaram João Victor à condenação aleatoriamente.

Provas irrefutáveis do dolo eventual (não quero matar, mas assumo o risco do resultado) foram apresentadas pela acusação (MPPE) e os advogados que a assistiram. Isso é fundamental em qualquer processo.

A justiça não se sustenta apenas com testemunhos, que podem ser alterados anos depois.

Mas, mesmo ricas, influentes e conhecedoras das leis para culpabilizar bem a culpa de João Victor - na época, por exemplo, apesar de o condutor ter sido socorrido, o teste de alcoolemia foi realizado na unidade de saúde, a família das vítimas garantiu isso e foi fundamental -, é um resultado que beneficiará a todos.

Todos.

Guga Matos/JC Imagem
O motorista João Victor Ribeiro, réu no processo, depôs na manhã desta quinta-feira (17/3) e foi acompanhado pelos familiares - Guga Matos/JC Imagem

Os casos dos Joões, Marias e Josés que se arrastam na Justiça ou que ainda estão por vir. Vai fazer, ainda, delegados de Polícia - fundamentais na origem de todo crime de trânsito - refletirem sobre indiciamentos por crime culposo. Pode ter certeza.

Até hoje, Pernambuco não tinha obtido uma punição como essa para um crime, na origem, de trânsito. Nem um dos casos de maior repercussão e que também foi para o Tribunal do Júri - tendo um jovem rico no banco dos réus, Alisson Jerrar -, teve resultado parecido.

Jerrar, aliás, chegou em liberdade ao julgamento, em 2014, e saiu dele também livre - condenado a 8 anos de prisão em regime semiaberto.

Impunidade nas mortes no trânsito ainda é a regra. Principalmente quando as vítimas são pobres

A Tragédia da Tamarineira virou um triplo homicídio e duas tentativas de homicídio dolosos, duplamente qualificados, pelo dolo eventual e, por isso, foi julgado por um júri popular - estratégia judicial que deveria ser adotada em diversos casos de crimes de trânsito, mas não é.

Talvez, a partir de agora, seja algo mais frequente.

Quem acompanhou todo o julgamento sabe a gigantesca dor que o cercou, com todas as famílias destruídas - não só as das vítimas mortas e feridas, mas a do motorista também. Mas a punição da Tragédia da Tamarineira precisava ser exemplo. E foi.

Como definiu Miguel da Motta, é a vitória do bem contra o mal. Um mal que, mesmo momentâneo e cercado de arrependimentos, mata e mutila.

Por isso, quem conduz um veículo motorizado precisa sempre lembrar de sua responsabilidade ao volante. Não queira ser um João Victor e sofrer o arrependimento que ele está sofrendo. O recado está dado.

(*) Para quem não sabe, jurisprudência é o conjunto de decisões judiciais em um mesmo sentido.

FELIPE RIBEIRO / ACERVO JC IMAGEM
Confira a violência que foi a colisão na Tamarineira - FELIPE RIBEIRO / ACERVO JC IMAGEM
FELIPE RIBEIRO / ACERVO JC IMAGEM
Sinistro aconteceu em novembro de 2017, no bairro da Tamarineira, na Zona Norte do Recife - FELIPE RIBEIRO / ACERVO JC IMAGEM

Tags

Autor