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Julgamento da Tragédia da Tamarineira: não queira viver os conflitos de João Victor por matar ao volante

Precisamos de mais julgamentos como o do motorista João Victor para que a impunidade das mortes no trânsito - tão comum no Brasil - diminua

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Roberta Soares

Publicado em 17/03/2022 às 16:18 | Atualizado em 18/03/2022 às 11:22
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Como esperado - caso acontecesse -, o depoimento do motorista João Victor Ribeiro de Oliveira, que foi condenado a 29 anos, quatro meses e 24 dias de prisão por ter matado ao volante três pessoas e deixado outras duas feridas, na chamada Tragédia da Tamarineira, em 2017, foi um soco no estômago e merece mais reflexões.

Não quero aqui entrar no mérito da condenação pelo Tribunal do Júri ou de um possível abrandamento pela dependência química do réu - estratégia adotada pela defesa, que não tinha outra, vale ressaltar, já que o crime em si está comprovado por robustas provas técnicas, inclusive.

Quero falar de responsabilidade ao volante. De novo.

 O depoimento por mais de três horas de João Victor Ribeiro nos ensina que a sociedade precisa tirar muitas lições desse crime de trânsito. Urgentemente. E levá-las para a prática, para o dia a dia da vivência do trânsito.

 

Guga Matos/JC Imagem
O motorista João Victor Ribeiro, réu no processo, depôs na manhã desta quinta-feira (17/3) e foi acompanhado pelos familiares - Guga Matos/JC Imagem

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Isso porque as declarações do motorista deixaram evidente todo o conflito que cerca os crimes de trânsito e o quanto a sociedade é refém dele. Matou, feriu, mutilou e destruiu vidas e vidas, família e famílias, mas não queria matar, ferir ou mutilar.

"Eu peço perdão à sociedade, às famílias, a Deus, aos jurados. Não fiz aquilo consciente. Se eu tivesse consciência, meu desejo era que a colisão tivesse sido contra um caminhão, porque quem teria morrido seria eu e a dor seria apenas para a minha família", disse.

Acompanhe o terceiro dia de julgamento ao vivo

"Eu sou um condenado para o resto da minha vida, tendo cadeia ou não. Por isso eu peço perdão. Meu coração clama por isso. Me perdoem, eu não sabia o que estava fazendo", insistiu.

Um depoimento lúcido. Muito lúcido, aliás. E, talvez, por isso ainda mais triste de se ouvir. Porque sinaliza que ali, diante de nós, estava um jovem que destruiu cinco famílias - como ele mesmo afirmou - por não perceber o peso que é conduzir um veículo motorizado.

Guga Matos/JC Imagem
Terceiro dia do julgamento da Tragédia da Tamarineira no Fórum do Recife - Guga Matos/JC Imagem

"Eu sei que errei, que beber e dirigir é errado. Eu digo isso porque eu sei que estou errado. Eu apaguei e acordei preso. Só me lembro de colocar uma dose de uísque na mesa. Aconteceu. Eu sei que aconteceu porque vi fotos, vi tudo, mas não lembro de nada", afirmou, confirmando a irresponsabilidade ao volante.

Mas, como bem lembrou nesta quinta-feira (17/3), terceiro dia de julgamento, a promotora de Justiça Eliane Gaia, responsável pela acusação do réu, embora não tenha tido a vontade e a intenção de matar, João Victor assumiu o risco com suas atitudes, ao beber e se drogar antes de conduzir um automóvel. E precisa pagar por seus erros.

E como reforçou o assistente da acusação, o advogado Ademar Regueira, o condutor praticou uma verdadeira "roleta russa" na direção, atingindo um veículo, quando poderia ter atingido muitos outros.

Por isso, e em primeiro lugar, é preciso ver mais casos de crimes de trânsito, como a Tragédia da Tamarineira, irem parar nos Tribunais do Júri do País. Isso porque, somente lá, são julgados pelo dolo (intenção), mesmo que eventual.

Histórias de dor e impunidade - As vítimas do trânsito brasileiro

Quando não ganham essa interpretação, viram impunidade nas Varas Criminais comuns da Justiça brasileira, limitados à punição trocada pelos serviços sociais ou o pagamento das cestas básicas - prática, felizmente, proibida na mais recente alteração do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Ao menos para os casos em que o condutor bebeu antes de dirigir

ALEXANDRE AROEIRA/JC IMAGEM
Promotora de Justiça Eliana Gaia no julgamento da Tragédia da Tamaraineira - ALEXANDRE AROEIRA/JC IMAGEM
ALEXANDRE AROEIRA/JC IMAGEM
Promotora de Justiça Eliana Gaia no julgamento da Tragédia da Tamaraineira - ALEXANDRE AROEIRA/JC IMAGEM

Por isso, não queira viver os conflitos de João Victor.

O caso da colisão da Tamarineira - inclusive - é um dos poucos casos de crimes de trânsito do País a ser tratado como homicídio doloso (intencional) em Pernambuco. O Estado e o Barsil colecionam exemplos totalmente diferentes, especialmente quando os acusados são pessoas com maior capacidade financeira e as vítimas são pobres.

''Cale a boca!''. Juíza e promotora batem boca durante interrogatório do réu:

No caso da Tragédia da Tamarineira é o contrário - para sorte da punição.

Por tudo isso, mais uma vez alertamos:

Conduzir um veículo motorizado é ter em mãos uma arma poderosa que, usada da forma e nas condições erradas, mata, mutila e destrói tudo ao redor.

E não há uma segunda chance. Nunca haverá. Nem para as vítimas nem para quem mata.

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O motorista João Victor Ribeiro, réu no processo, depôs na manhã desta quinta-feira (17/3) - Guga Matos/JC Imagem
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O réu João Victor Ribeiro de Oliveira Leal - Guga Matos/JC Imagem
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O motorista João Victor Ribeiro, réu no processo, depôs na manhã desta quinta-feira (17/3) - Guga Matos/JC Imagem

A pena de prisão determinada foi em regime inicialmente fechado pelos crimes de triplo homicídio duplamente qualificado (perigo de vida e recurso que impossibilitou defesa das vítimas) e dupla tentativa de homicídio. Além disso, foi determinado o cancelamento da Carteira Nacional de Habilitação do condenado. A defesa pode recorrer da decisão em segunda instância.

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