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Venda de motos ultrapassa a de carros: a conta das mortes e mutilações no trânsito será paga por você

Para quem não sabe ou não lembra, 50% dos mortos no trânsito brasileiro são motoqueiros

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Roberta Soares

Publicado em 07/04/2022 às 7:30
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A notícia de que a venda de motocicletas superou a de carros no Brasil em março não pode ser vista apenas sob a ótica da economia e geração de renda - já que está sendo associada ao crescimento dos delivers.

Ela é extremamente preocupante sob o olhar da segurança viária.

Para quem não sabe, 50% das pessoas mortas no trânsito brasileiro são motociclistas. Os pilotos de motos também respondem por quase 80% dos mutilados.

O recorde de vendas foi divulgado pela Federação Nacional dos Distribuidores de Veículos (Fenabrave), associação que representa as concessionárias no País.

Levantamento da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) mostra que o Sistema Único de Saúde (SUS) bateu recorde de atendimento às vítimas das duas rodas durante a pandemia, mesmo com as quarentenas e muito mais pessoas trabalhando em home-office.

De forma geral, o trânsito do Brasil fez mais estragos nesse período, e foram os motociclistas e passageiros das motos que mais se destacaram.

Apesar de a crise sanitária ter retirado grande parte da população das ruas - há sistemas viários que tiveram redução de circulação superior a 60%, como é o caso de corredores do Recife -, o SUS registrou 308 mil internações de pessoas em decorrência de sinistros de trânsito em todo o Brasil entre março de 2020 e julho de 2021.

E nada menos que 54%, ou seja, metade das vítimas, eram ocupantes de motocicletas.

Foto: Priscila Buhr/JC Imagem
Somente entre janeiro e julho de 2021 já foram quase R$ 108 milhões gastos. Em 2020, mesmo com a pandemia, o SUS desembolsou R$ 171 milhões para tratar motociclistas traumatizados. De 2012 até agora, são R$ 1,3 bilhão - Foto: Priscila Buhr/JC Imagem

Somente no período de janeiro a julho de 2021, o número de internações de motociclistas bateu recorde histórico, alcançando 71.344 casos graves e que exigiram a hospitalização do motociclista.

Os dados analisados pela Abramet também revelam um crescimento continuado das internações de motociclistas a partir de 2012. As únicas exceções são o ano de 2017 (quando houve redução de 0,5% em relação ao ano anterior) e 2020 (0,3% a menos que o ano anterior à pandemia).

E os homens, como esperado, seguem liderando o perfil das vítimas do SUS: de janeiro a julho de 2021, foram atendidos 59.499 homens e 11.845 mulheres. Em 2020, foram 95.343 e 19.201 respectivamente.

ESTRAGO GRANDE

As vítimas das motos respondem por 40% das ocupações de leitos nas unidades de saúde pública destinadas às vítimas do trânsito - em média 60% dos hospitais.

A vítima da motocicleta geralmente sofre politraumatismos e, por isso, fica mais tempo internada. Podem ser meses e meses. E geralmente são.

Enquanto as colisões de trânsito duplicaram no Brasil entre 1996 e 2017, as que envolveram motos aumentaram 16 vezes.

Os dados são do estudo Impactos Socioeconômicos dos Acidentes de Transporte no Brasil, realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), da ONU.

E os feridos, muitos deles mutilados, custam caro para o País. Muito caro. Foram gastos R$ 1,5 trilhão em onze anos, o que representa uma despesa anual de R$ 132 bilhões.

ARTES JC
MOTO1 - ARTES JC

CUSTO ALTÍSSIMO

Além da perda de vidas e mutilações, os estragos das motos custam caro para a saúde pública. Somente entre janeiro e julho de 2021 já foram quase R$ 108 milhões gastos. Em 2020, mesmo com a pandemia, o SUS desembolsou R$ 171 milhões para tratar motociclistas traumatizados. De 2012 até agora, são R$ 1,3 bilhão.

A região Sudeste foi a que registrou maior contingente de motociclistas internados em decorrência de sinistros, com total de 29.218 pessoas – 19% mais que no mesmo período de 2020.

Em segundo lugar está a região Nordeste, com 23.370 vítimas – 18% mais que o registrado no primeiro semestre de 2020. Em Pernambuco foram mais de 2 mil motociclistas internados.
O Centro-Oeste foi a única região brasileira que registrou redução de internação de motociclistas: no primeiro semestre de 2021 foram 5.931 hospitalizações – 5% menos que o registrado no mesmo período de 2020.

ARTES JC
MOTO2 - ARTES JC

CENÁRIO PIOR NO NORDESTE

No Nordeste, as motocicletas são ainda mais letais. O envolvimento delas nos eventos de trânsito foi 24 vezes maior entre 2007 e 2011, também segundo o Ipea.

Levantamento da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária aponta que a região deu um salto no percentual de ocupantes de motocicletas entre os mortos do trânsito brasileiro.

Foi a que mais cresceu no País. Subiu de 16,3% em 2000 para 55,8% em 2019. Deixou para trás os ocupantes de veículos motorizados e até mesmo os pedestres, os dois que lideravam a lista de mortes.

Vítimas dos carros e caminhões, por exemplo, caíram de 32,8% para 30,5%, e os pedestres de 47,1% para 21,3% entre 2000 e 2019. As motocicletas não conseguiram.

Em Pernambuco, a letalidade das motos foi ainda maior do que na região Nordeste. Aumentou 33 vezes, também de acordo com estudo do Ipea. No Recife, as vítimas sobre duas rodas passaram de 9,3% dos mortos do trânsito em 2000 para 18,7% em 2019.

Em 2017, 50% dos óbitos registrados no Estado foram de colisões com motos. Que, assim como no Brasil, geraram um custo altíssimo também para Pernambuco: R$ 3 bilhões por ano.

Os ocupantes de automóveis, por outro lado, custaram R$ 1 bilhão. Atualmente, Pernambuco tem uma frota de 1,4 milhão de automóveis e de 1,1 milhão de motos.

RECORDE DE VENDAS

A venda de mais motocicletas do que carros é algo incomum no Brasil. Por isso, tanta repercussão.

Março de 2022 foi um mês de alta expressiva na venda de motos: 76,8% em volume em relação ao mesmo mês do ano passado, chegando a 110,1 mil unidades.

Enquanto foram comercializadas 108,2 mil unidades de veículos de quatro rodas.
Como explorado pela Agência Estado, a inversão das vendas ocorre em um momento de crise para os automóveis, que registraram o pior mês de março em 18 anos, apesar da recente desoneração tributária para esses produtos.

Com a expansão dos serviços de entrega (delivery), a rejeição ao transporte público e a busca dos consumidores por um transporte individual mais acessível, o primeiro trimestre terminou com crescimento de 33,7% das vendas de motos.

*Com informações da Agência Estado

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