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Transporte público: conheça oito fontes de financiamento para melhorar o serviço no Brasil

Esse financiamento envolveria recursos públicos, sem dúvida, mas também privados, cobrados através da destinação de taxas, já existentes ou não, de serviços disponíveis à população

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Roberta Soares

Publicado em 14/08/2022 às 8:00 | Atualizado em 16/11/2023 às 15:41
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A crise histórica enfrentada pelo transporte público brasileiro e potencializada pela pandemia de covid-19 só terá uma solução, segundo os melhores especialistas do setor no País: deixar de cobrar do passageiro o custo de operação dos sistemas.

Ou seja, separar - dentro da lógica de planejamento do transporte público - a tarifa pública (cobrada do passageiro) da tarifa técnica (necessária para viabilizar a operação). E essa mudança só é possível de uma forma: criando fontes para subsidiar e financiar os sistemas de transporte público.

Esse financiamento envolveria recursos públicos, sem dúvida, mas também privados, cobrados através da destinação de taxas, já existentes ou não, de serviços disponíveis à população.

O financiamento social do transporte público brasileiro não é assunto novo, até porque o mundo o pratica há décadas. Mas é quase um tabu no País e por anos e anos não avançou. Agora, pós-pandemia e a fuga de 11 milhões de passageiros dos ônibus que ela provocou no ano de 2021, o tema ganha nova força.

Foi uma das principais discussões do Seminário Nacional de Transporte Público, promovido pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), nos dias 9, 10 e 11/8, em São Paulo. A base foi o estudo “Financiamento da operação dos sistemas de transporte público coletivo nas cidades brasileiras”, realizado pela NTU e a Confederação Nacional do Transporte (CNT).

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A publicação aborda os subsídios públicos aos passageiros e aponta oito fontes extratarifárias complementares que, segundo o estudo, se adequam ao contexto brasileiro. As propostas tiveram como parâmetros experiências nos sistemas de São Paulo (SP), Distrito Federal, Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR).

YACY RIBEIRO/ACERVO JC IMAGEM
O financiamento social do transporte público brasileiro não é assunto novo, até porque o mundo o pratica há décadas. Mas é quase um tabu no País e por anos e anos não avançou - YACY RIBEIRO/ACERVO JC IMAGEM

FONTES DE FINANCIAMENTO

Fonte 1: Tarifa sobre exploração de serviço de transporte remunerado por aplicativo, como Uber e 99

O estudo aponta ser possível cobrar preços públicos pelo uso do espaço público (ruas e avenidas). A cobrança pode ser instituída por decreto do Poder Executivo. Trata-se de um valor cobrado pela prestação de um serviço de interesse público, o qual é oferecido por uma pessoa jurídica de direito privado. O preço público só é pago por quem efetivamente usa o serviço. É o caso, por exemplo, da cobrança de energia elétrica, água, transporte público coletivo e pedágio.


Fonte 2: Exploração de estacionamentos rotativos ou de longa duração ao longo das vias públicas

O estudo sugere que os estacionamentos rotativos “Zona Azul” podem ser uma forma de custear subsídios, mas dependerá do modelo utilizado pelo município. Se a cobrança
ocorrer diretamente pela Administração Pública, pode ser estabelecido por decreto do Poder Executivo, sem necessidade de lei.

NTU/DIVULGAÇÃO
Rodrigo Tortoriello, consultor em transporte - NTU/DIVULGAÇÃO

“No caso de os estacionamentos sejam delegados a parceiros privados, que se remuneram com a exploração dos serviços, não haveria impedimento jurídico à Administração para determinar, como ônus pela delegação, que operadores fossem obrigados a pagar determinada outorga direta aos sistemas de transporte, com o intuito de custear os subsídios do transporte público de passageiros”, explica Rodrigo Tortoriello, consultor em transporte e um dos autores do trabalho.


Fonte 3: Custeio dos benefícios tarifários por meio dos orçamentos da União, dos Estados e dos Municípios

O estudo aponta que, para cobrir o déficit tarifário, uma das formas mais viáveis é a transferência direta de recursos pela União para os municípios. Porém, não há norma em âmbito federal ou constitucional que obrigue a União a prestar auxílio com fins de subsídio às tarifas de transporte público coletivo de passageiros, como ocorre, por exemplo, com as áreas da saúde e educação. Mas é preciso regulamentar o processo.


Fonte 4: Multas de trânsito

Atualmente, as normas referentes à aplicação de multas não preveem a destinação de recursos como subsídio para o transporte público coletivo. Por isso, é necessário uma articulação para alterar o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), especificamente o Artigo 320.


Fonte 5: Multas pelo transporte irregular de passageiros

Em algumas cidades, como no caso do Recife, as multas pelo transporte irregular de passageiros (previsto no Artigo 231 do CTB) podem chegar a quase R$ 4 mil. O estudo sugere que esses recursos sejam destinados ao subsídio do transporte público.


Fonte 6: Taxa sobre a exploração de estacionamentos privados de automóveis e outros polos geradores de tráfego e atividades com externalidades negativas

O estudo entende que a atividade de exploração de estacionamentos privados não implica no usufruto de bem ou serviço público, não cabendo, nesse caso, a instituição de taxas. Já nos serviços de valet existe o uso direto do espaço público (viário) para a prestação da atividade privada. Seria a lógica da contrapartida.

Não cabe mais tratar o transporte como um negócio da iniciativa privada, ou achar que o passageiro consegue arcar com a totalidade dos custos da operação, ou ainda colocar a responsabilidade integral na conta das empresas prestadoras de serviço. Todos os elos da cadeia produtiva de transportes precisam trabalhar juntos para chegar nesse novo modelo de mobilidade urbana” ,
alerta o presidente da NTU, Francisco Christovam

NTU/DIVULGAÇÃO
Francisco Christovam, presidente da NTU - NTU/DIVULGAÇÃO

Fonte 7: Tarifa de congestionamento ou pedágio urbano em vias municipais

O estudo lembra que a Lei de Mobilidade Urbana (12.587/2012) permitiu que estados e municípios pudessem restringir e controlar a circulação de veículos motorizados em locais e horários predeterminados, além de cobrar um tributo (“pedágio urbano”) dos motoristas pela entrada e pela saída nos referidos locais.

Mas destaca, ainda, que a iniciativa depende da administração pública de cada município e que deve ser feita mediante criação de lei.

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Fonte 8: Contribuição do transporte público semelhante à contribuição de iluminação pública

O estudo diz que a Contribuição de Iluminação Pública (CIP) ou a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip) está estabelecida na Constituição Federal, sendo a taxa de iluminação pública permitida para custear esse serviço e cobrada na fatura de energia elétrica. Assim, desde que adequadamente instituída por Emenda Constitucional, nada impede que seja criado mecanismo similar em relação ao transporte público urbano.

CONFIRA o estudo na íntegra: 

Financiamento _TransportePublico_2022 by Roberta Soares on Scribd


POUCO PESO NO ORÇAMENTO PÚBLICO

Antes de indicar as oito fontes, o estudo sobre fontes de financiamento destaca a importância do subsídio público para os sistemas de transporte. As pesquisas e ensaios realizados com base na experiência das cinco capitais mostraram ser perfeitamente viável considerar os orçamentos públicos das cidades como fonte primária dos subsídios.

E constataram - o que é mais importante - que o montante de recursos necessários para ajudar o transporte público não é parte tão relevante dos orçamentos públicos.

O estudo analisa os casos das cidades de São Paulo e Brasília, onde a prática
da separação das tarifas já é realizada.

“No caso de São Paulo, o comprometimento do orçamento público para um subsídio de 33,8% do custo dos serviços foi de 4,8% na média do período avaliado. No caso de Brasília, para um subsídio médio de 49,9% do custo total, o comprometimento médio do orçamento foi de 1,7%”, destaca Rodrigo Tortoriello.

SIMULAÇÕES

Com base nos dados reais das duas cidades, o estudo simulou o comprometimento dos orçamentos públicos com o custeio parcial dos sistemas de transporte público nas cidades de Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Curitiba.

Considerando um subsídio fixo de 47,1% do custo total dos serviços nessas cidades, o
comprometimento dos orçamentos ficou em 4,4% para Belo Horizonte, 6,6% para o Rio
de Janeiro e 6,3% para Curitiba.

SITUAÇÃO DOS SUBSÍDIOS NO BRASIL

51 sistemas de transporte público por ônibus operantes no Brasil atendem 158 cidades e oferecem algum tipo de subsídio aos passageiros:

22 destinam os subsídios ao custeio de benefícios tarifários, integrações e redução do custo total.

24 utilizam subsídios para promover a separação entre tarifa de remuneração e tarifa pública.

5 subsidiam benefícios tarifários, integrações, para reduzir o custo total e para promover
a separação entre tarifa de remuneração e tarifa pública.


Pandemia ampliou subsídios no País:

Dos 51 sistemas, 49 lançaram mão de subsídios adicionais para reduzir o impacto no equilíbrio econômico-financeiro.

Outros 76 sistemas, que atendem 108 cidades, passaram a adotar subsídios pontuais somente após o início da pandemia.

 

 

Citação

Não cabe mais tratar o transporte como um negócio da iniciativa privada, ou achar que o passageiro consegue arcar com a totalidade dos custos da operação, ou ainda colocar a responsabilidade integral na conta das empresas prest

alerta o presidente da NTU, Francisco Christovam

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