Criar uma regulação trabalhista para os motoristas parceiros dos aplicativos de transporte e delivery, como Uber, 99, Indrive e iFood, será trabalhoso. São muitos aspectos a serem considerados na configuração de uma proposta que consiga garantir o mínimo de seguridade aos quase 2 milhões de profissionais parceiros das plataformas, mas, ao mesmo tempo, que mantenha o negócio das bigs da mobilidade urbana.
A discussão sobre uma possível e provável regulação trabalhista dos motoristas que trabalham para as plataformas ganhou força com o terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai ser polêmica e renderá muitos embates futuros.
Nos primeiros dias do novo governo federal, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, anunciou a criação de um Grupo de Trabalho para regulamentar trabalhadores por aplicativos. Apesar de ter solicitado que os aplicativos "não se assustassem", o assunto gerou muita discussão no País.
"A proposta é trazer proteção social a trabalhadores", declarou Marinho em evento no Palácio do Planalto com a presença do presidente Lula, para a instalação de um grupo de discussão da nova política do salário mínimo. "Não tem nada demais em se valorizar o trabalho e trazer a proteção social", disse.
MOTORISTAS DE APLICATIVO PODEM TER DIREITOS TRABALHISTAS
Havendo uma regulação, o entendimento de especialistas ouvidos pelo JC é de que as medidas deverão garantir não apenas o pagamento do salário, mas também da Previdência Social. E, ainda, férias, décimo terceiro, jornada de trabalho, adicionais noturnos, entre outros.
Ariston Flávio, doutor em Direito do Trabalho e professor do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE), defende essas garantias, por exemplo. “Esses direitos significam o ser humano, conferem dignidade humana ao trabalhador”, afirma.
Para o professor, não é necessário criar uma nova legislação porque o País já tem a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Ariston Flávio lembra que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) vive, atualmente, um empate técnico sobre validar ou não o vínculo empregatício. E que as decisões recentes que reconhecem esse vínculo garantem o pagamento do salário e da Previdência Social.
VEJA A ENTREVISTA AO JC:
JC - Para que os motoristas e entregadores tenham direito aos benefícios da CLT, eles precisam obrigatoriamente ter carteira assinada?
Ariston Flávio - Não, a caracterização do vínculo empregatício é efetivado com a constatação dos elementos configuradores elencados nos Artigos 2 e 3 da CLT, quais sejam alteridade, subordinação, pessoalidade, onerosidade e não eventualidade. A função da carteira de trabalho é registrar a vida funcional do trabalhador. É um direito do trabalhador.
JC - O que muda para as plataformas digitais se elas reconhecerem o vínculo empregatício com os trabalhadores? O que elas serão obrigadas a oferecer?
Ariston Flávio - Antes de tudo, estamos falando de um trabalho precarizado. A existência de uma relação que não está atenta ao reconhecimento dos direitos sociais elencados na Constituição Federal. A relação deixa de ser de profissional autônomo, e passa a ser uma relação com vínculo empregatício. Estando presente todos os direitos inerentes ao contrato de trabalho. Tais como, férias, décimo terceiro, jornada de trabalho, salário, adicionais noturnos, entre outros. Esses direitos significam o ser humano, conferem dignidade humana ao trabalhador.
JC - É possível garantir apenas a Previdência Social para os trabalhadores? Ou apenas o salário mínimo?
Ariston Flávio - Importante destacar que no TST, atualmente, há um empate no entendimento. A 3ª e a 8ª Turmas posicionando suas decisões a favor do reconhecimento do vínculo entre motoristas e empresa, e a 4ª e 5ª Turmas se colocando do lado oposto. O assunto está sendo analisado pelo SBDI-1, a Subseção Especializada em Dissídios Individuais. A decisão tomada pelo setor deverá uniformizar a questão – e ser seguida pelos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do Brasil. As decisões recentes que reconhecem a existência do vínculo empregatício não apenas garantem o pagamento do salário como também o pagamento da previdência social.
JC - O governo pode obrigar as plataformas a garantirem esses direitos? Se sim, como seria?
Ariston Flávio - No tocante ao papel do Estado em relação às novas modalidades de contratação, tenho frisado que já existe uma legislação social no País capaz de reconhecer o vínculo empregatício e todos os direitos inerentes a esta relação. Que é a CLT! Qualquer outra iniciativa de lei que venha a regular essa questão certamente irá suprimir direitos já existentes não apenas na CLT, mas na própria Constituição Federal.
JC - Quando são garantidos direitos como esses, os custos de qualquer empresa aumentam. Quanto seria, em média, esse encargo trabalhista para os aplicativos?? Na sua opinião, as plataformas absorveriam sozinhas ou podem repassar parte do custo para o usuário do app? Há possibilidade do preço das corridas/entregas aumentar?
Ariston Flávio - Importante pergunta! Mas vamos falar do lucro!? Os resultados financeiros do último trimestre de 2022 da empresa Uber, por exemplo, apontam para o melhor resultado dos últimos anos. A companhia passou para 2 bilhões de corridas em um trimestre, o que equivale a 1 milhão de corridas por hora. O número de consumidores ativos cresceu de 118 milhões para 131 milhões, segundo dados das ações da Uber na Bolsa de Valores de Nova York. A Bloomberg ainda assegura que essa alta de mercado continuará ao longo de todo o início deste ano.
Ademais, o reconhecimento dos direitos constitucionalmente assegurados ao trabalhador que é mercado consumidor torna a nossa economia mais forte! Essa lógica tem que ser mantida e compreendida por todos.
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