Numa evidente pavimentação da estratégia a ser adotada quando e se o governo do presidente Lula iniciar a prometida regulação trabalhista dos motoristas e entregadores parceiros das plataformas de aplicativo - como Uber, 99 e iFood, por exemplo -, uma das mais fortes associações do setor divulga pesquisa em que aponta características curiosas e até surpreendentes dos parceiros.
A primeira delas é sobre o salário que os motoristas de aplicativo recebem realizando viagens no País. A pesquisa aponta que os valores são sempre bem superiores ao salário mínimo, o que explica quase 2 milhões de pessoas vivendo atualmente do serviço no País. E que os valores também superam a média paga no mercado para pessoas com a mesma escolaridade.
Estima-se que a renda líquida (ou seja, livre dos custos) de um motorista parceiro varia entre R$ 2.925 e R$ 4.756 por mês. Isso para uma jornada de 40h semanais. A pesquisa foi realizada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) para a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), entidade que reúne as gigantes da mobilidade urbana: Uber e 99, além do iFood e Zé Delivery.
Para os entregadores, a renda líquida seria entre R$ 1.980 e R$ 3.039. Toda a pesquisa é a partir da percepção dos motoristas e entregadores parceiros. Estamos falando da movimentação de R$ 4,5 bilhões por mês no País.
Total de motoristas e entregadores de aplicativo no Brasil
Motoristas de aplicativos - 1.274.281
Entregadores de aplicativos - 385.742
Fonte: Pesquisa Cebrap
O mais importante resultado da pesquisa - que com certeza foi a motivação maior para realização do levantamento - confirma o principal argumento das plataformas quando questionadas sobre a regulação trabalhista dos parceiros.
Mostra que, sem a flexibilização de horários, o serviço de Uber, 99 e iFood morrem. É o ponto chave da profissão porque um grande volume dos parceiros têm outros trabalhos, conciliados com os aplicativos.
As gigantes da mobilidade já se posicionaram oficialmente defendendo o pagamento da Previdência para os parceiros, mas são radicalmente contra o engessamento da jornada de trabalho.
No levantamento, o Cebrap aponta que a flexibilidade de horários é o principal atrativo da atividade em apps, segundo os trabalhadores, seguido dos ganhos. Atualmente, 48% dos entregadores e 37% dos motoristas têm outros trabalhos, dos quais cerca de 50% e 40% com carteira assinada, respectivamente. A maioria absoluta dos trabalhadores (80% dos entregadores e 60% dos motoristas) dizem que pretendem continuar trabalhando com as plataformas.
Mas, para chegar ao salário de, no mínimo, quase R$ 3 mil (no casos dos motoristas de aplicativo) ou de quase R$ 2 mil (entregadores), os trabalhadores têm que pegar pesado. A jornada média, segundo o levantamento, é entre 22h e 31 horas semanais.
A pesquisa “Mobilidade urbana e logística de entregas: um panorama sobre o trabalho de motoristas e entregadores com aplicativos” pode ser acessada AQUI.
Para os entregadores, a jornada é melhor: oscila entre 13h e 17 horas semanais. A pesquisa também constatou a rotatividade e instabilidade do trabalho ao identificar que o engajamento varia muito entre os trabalhadores. Alguns têm as plataformas como renda exclusiva, enquanto outros as têm como trabalho complementar.
A Amobitec garante que os registros administrativos usados na pesquisa foram fornecidos pelas empresas associadas Uber, iFood, 99 e Zé Delivery e abrangem o período de um ano, entre maio de 2021 até abril de 2022.
Foram entrevistados por telefone 3.025 pessoas, sendo 1.507 entregadores e 1.518 motoristas.
E que a seleção de dados utilizados na pesquisa respeitou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) - todos os dados foram compartilhados e analisados de forma agregada, sem identificação individual de cada motorista ou entregador.
A expressão pejorativa “uberização de tudo”, que se criou devido às condições do trabalho com as plataformas de mobilidade, também se confirmou na pesquisa. Em sua grande maioria, os motoristas e entregadores parceiros são homens, com baixa instrução e da classe C.
Quase a totalidade dos entrevisatdos são do sexo masculino (97% dos entregadores e 95% dos motoristas). A média de idade dos entregadores é de 33 anos e a dos motoristas é de 39 anos.
Em relação ao nível de escolaridade, a pesquisa revelou que o índice de instrução é baixo. Apenas 10% dos entregadores e 12% dos motoristas estão estudando. Entre os que não estudam, predominam profissionais com o Ensino Médio completo (60% entre motoristas e 59% entre entregadores).
Considerando a classe social, 83% dos entregadores estão na classe C ou inferior, enquanto 76% dos motoristas estão nesta condição. Por outro lado, 25% dos motoristas estão na classe B ou superior e entre os entregadores essa proporção é de pouco mais de 15%.
A maioria trabalhadores se autodeclara pretos ou pardos (68% entre entregadores e 62% entre motoristas).
Quase 60% dos entregadores declaram possuir renda familiar mensal acima de 3 salários mínimos. Entre os motoristas, mais de 70% têm essa renda (3 salários mínimos), sendo que quase 35% de pessoas entre as que dirigem automóveis declaram renda acima de 6 salários mínimos.