Além da fragilidade peculiar às motocicletas - o que exige maior cuidado e preparo para conduzi-las -, a falta de controle sobre a condução e postura dos motoqueiros parceiros e passageiros é um fator determinante do serviço de transporte por motos, como Uber e 99 Moto, que está explodindo no Brasil. Especialmente em regiões mais pobres do País, como o Norte e o Nordeste brasileiros, fenômeno preocupante que vem sendo abordado pela Coluna Mobilidade na série UBER MOTO: perigo sobre duas rodas.
Mais até do que a velocidade desenvolvida por alguns motoqueiros, a má utilização dos equipamentos de proteção individual, os chamados EPIs, é o ponto crucial de toda a discussão sobre a segurança do serviço. Não só pelos motoqueiros, mas principalmente pelos passageiros, que no entendimento de especialistas em trânsito e suas sequelas, é e será cada vez mais a maior vítima do Uber e 99 Moto.
E não se engane: as plataformas que controlam o serviço não fazem exigências do tipo. Não existe, por exemplo, uma idade máxima para o uso da motocicleta que será utilizada pelo motoqueiro parceiro. A exigência é: se ela está licenciada, é porque o Estado validou que encontra-se em condições de circular nas vias das cidades.
A Coluna Mobilidade, por exemplo, já tentou obter das plataformas a idade máxima exigida das motos que são inscritas nos apps, sem sucesso. A flexibilização com um veículo que, devido à má condução dos motoqueiros, responde por taxas que oscilam de 40% a 50% dos mortos pelo trânsito brasileiro, é maior do que com os automóveis, bem mais seguros.
As regras para ser Uber ou 99 Moto são: ser habilitado para conduzir moto, ter o veículo licenciado, usar capacete e oferecer o equipamento ao passageiro, ambos nos padrões exigidos pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Além das mesmas exigências impostas para quem conduz carro, como antecedentes criminais. Mas nada.
Se o capacete está na validade, se afivela da forma correta e tem viseira ou não, são problemas da fiscalização de trânsito de cada cidade. O resultado da flexibilização das plataformas e da ausência do poder público - duas posturas que deveriam ser definidas, inclusive, como omissão - é uma lista de histórias de motoqueiros e passageiros que deixam claro não entender, ainda, a importância da segurança quando se está em uma motocicleta.
Ver passageiros de Uber e 99 Moto na garupa de motocicletas manuseando celulares, por exemplo, tem sido cada dia mais comum. Muitos ainda não entenderam que, na moto, o passageiro funciona como uma espécie de co-piloto. Ele e o condutor são uma coisa só e é essa ‘harmonia’ entre piloto e passageiro que garante a segurança da pilotagem.
“Eu tenho um amigo que estava na garupa de uma moto digitando no celular. O motoqueiro passou por um quebra-mola e o aparelho caiu com o movimento, ficando completamente destruído. Ele queria questionar a Uber por isso, mas depois desistiu porque viu que era ele quem estava errado”, conta o motorista João Silva, que roda de Uber carro.
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Renato Campestrini, advogado especialista em legislação e segurança de trânsito, destaca que essas são razões urgentes para que o poder público faça a regulamentação do serviço. “O uso da motocicleta exige habilidade e a utilização correta dos equipamentos de proteção. São capacetes, coletes, protetores de pernas que devem ser usados nas viagens. Não é qualquer pessoa que pode ser autorizada a realizar a prestação do serviço, como está acontecendo hoje em dia. Isso tem um impacto direto na saúde pública”, alerta o especialista.
O auxiliar administrativo Jonas Júnior, 26 anos, é um exemplo da imprudência na condução do serviço de transporte por motos. Ele foi vítima de uma colisão lateral entre dois Uber Moto, no Complexo Salgadinho, em Olinda, no Grande Recife, durante o Carnaval 2023. Em velocidade, os quatro ocupantes das duas motos voaram por alguns metros após colidirem.
“Nós batemos um no outro. Estava de 99 Moto e o outro motoqueiro, que também tinha um passageiro na garupa, colidiu com a gente quando as motos tentaram, ao mesmo tempo, entrar num corredor deixado no meio do congestionamento de carros. Um não viu o outro e batemos”, relembra.
Jonas teve ferimentos leves no braço e o motoqueiro machucou o joelho, além de ter um pequeno prejuízo na moto. Mesmo assim, o condutor seguiu viagem após muitos pedidos de desculpas ao passageiro. E no início da corrida, segundo Jonas, teria perguntado se ele tinha medo de andar de moto porque pretendia acelerar.
O jovem segue sendo usuário do serviço, apesar do susto, e confessa que já andou algumas vezes, por exemplo, com motoqueiros descalços - uma prática errada e comum na condução de motos no Norte/Nordeste do Brasil. Por isso, defende que o Uber e o 99 Moto sejam regulamentados.