Quando o arquiteto Oscar Niemeyer (1907 - 2012) instalou o cavalete de madeira, recém adquirido numa feirinha na praça do Lido, bem na divisa do Leme e Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro, ele olhou aquele horizonte empoeirado e definiu que o chefe do Poder Executivo deveria está sentado na parte Norte da praça. No extremo Sul ficaria a sede do Poder Judiciário, “e naquele mar de poeira, edificaremos o Congresso Nacional”, disse olhando para o poente. O que viria a ser Brasília passou a conviver com o projeto da Praça dos Três Poderes, afinal, como costumava pedir que todos os monumentos estivesse sempre conservados, "A vida é um sopro, um minuto. A gente nasce, morre. O ser humano é um ser completamente abandonado. As edificações ficam.”
Antes do avião do governo dos Estados Unidos aterrisar, na madrugada de domingo (26), no aeroporto Juscelino Kubitschek, trazendo a bordo John Kerry, assessor especial do governo Joe Biden para o clima, uma chegada ilustre já vinha mostrando que Washington quer mais do Brasil do que o cenário das fotos da embaixadora Elizabeth Frawley Bagley. A representante do governo Biden no Brasil esteve no Carnaval da Bahia e do Rio de Janeiro, foi em feiras livres em Brasília e em Goiás, visitou autoridades do Poder Executivo. Pronto, o caminho estava sedimentado para o desembarque de Kerry.
“Imagine você, o representante do maior poluidor do Planeta chega ao Brasil, falando de preservação ambiental? Parece piada”, assim reagiu o deputado Ricardo Salles (PL-SP), ex-ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro. “Importa saber se o governo [Joe] Biden vai dar dinheiro ao Brasil, mas além de saber a quantidade é com quê objetivo? É mesmo de preservação? O que está por trás da vinda de [John] Kerry? Não é somente preservação ambiental”, disse o parlamentar ao Jornal do Commercio.
“O que John Kerry quer, agora, é primeiro fechar as porteiras que [Ricardo] Salles abriu”, disse o deputado Carlos Veras (PT-PE), numa referência ao então ministro do Meio Ambiente que durante reunião ministerial recomendou “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas.” “Tem a ver com os problemas do meio ambiente, com as queimadas na Amazônica que o governo Bolsonaro fez vista grossa e também com um alinhamento de Washington com Brasília e os ataques ao Capitólio [em 6 de janeiro de 2021] e nosso 8 de Janeiro. Lá era um grupo inconformado com a derrota de Donald Trump. Aqui, eram terroristas insatisfeitos com a vitória do PT”, afirmou o parlamentar pernambucano.
O governo do Brasil esperava que John Kerry se encantasse com as obras de Oscar Niemeyer, principalmente aquelas que estão na Praça dos Três Poderes, e se compadecesse com os parcos investimentos do país quando o assunto é o meio ambiente. A expectativa era de que ele chegasse a Brasília trazendo na pasta um cheque assinado pelo presidente Joe Biden de US$ 50 milhões (R$ 270 milhões), como parte dos recursos necessários para abastecer o caixa do Fundo Amazônia, prioritariamente destinado a ações de “prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal”. Kerry chegou, tomou açaí com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; degustou o cafezinho do Palácio do Itamaraty; e bebeu caipirinha de cachaça artesanal, com a embaixadora Elizabeth Frawley Bagley, às margens do Lago Paranoá, mas não falou em valores para o fundo.
“Nossas discussões giraram em torno da cooperação dos Estados Unidos ao Fundo Amazônia. Esse debate já vem acontecendo em relação à Noruega, Alemanha. Celebramos que os Estados Unidos também estão imbuídos desse propósito”, disse a ministra Marina Silva. O representante do governo dos Estados Unidos se limitou a afirmar que o início do financiamento “vai se dar em breve. Mas os valores ainda precisam passar pelo Congresso do nosso país”, confirmou, embora sem dar detalhes da quantidade e dos prazos para o desembolso dos valores. Na Praça dos Três Poderes a decepção não poderia ter sido maior.