Começa com uma ameaça e, pouco depois, o pedido de perdão. Depois, um tapa. E vem, mais uma vez, a promessa de que isso não voltará a acontecer. É assim que tem início o ciclo de violência pelo qual mulheres passam sob domínio de seus agressores. E, mesmo diante de leis para tentar garantir a segurança das vítimas e punir aqueles que cometem violência, os números não param de crescer. No último mês de novembro, 3.254 queixas de violência doméstica foram registradas pela polícia em Pernambuco. Isso significa que, por dia, ao menos 108 mulheres procuraram ajuda. As estatísticas são da Secretaria de Defesa Social (SDS).
A economista aposentada Maria Eduarda Marques de Carvalho foi uma das mulheres que procurou a polícia para denunciar a violência. Em 1º de novembro, ela esteve na Delegacia de Plantão da Mulher, em Paulista, no Grande Recife, onde afirmou que o ex-marido, Pedro Eurico, teria descumprido medida protetiva e tentado invadir o apartamento onde ela mora, em Olinda. A queixa foi além. Maria Eduarda relatou sofrer, há mais de 20 anos, ameaças de morte, agressões e até estupro. No último dia 7 de dezembro, em entrevista à TV Jornal, fez um forte desabafo: "Sempre acreditei que Pedro Eurico iria cumprir com o que me dizia: não ser mais violento, não ser agressivo. Mas era tapa, murro, chute...", contou.
Do ano 2000 até novembro passado, foram dez boletins de ocorrência. Mas, em nove, as queixas foram retiradas. Maria Eduarda relatou pressão do ex-marido, que, até a exibição da entrevista, era o secretário de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco. Com a denúncia da ex-mulher, ele decidiu se afastar do cargo. E, na versão dele, o relato de Maria Eduarda não foi verdadeiro - mesmo a Polícia Civil concluindo o inquérito e o indiciando por crimes ligados à Lei Maria da Penha. "Lamento a conclusão precipitada do referido inquérito, uma vez que testemunhas fundamentais nem sequer foram ouvidas mas confio na Justiça e na elucidação total dos fatos", disse Eurico, na semana passada. O inquérito agora está nas mãos do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
Entre janeiro e novembro deste ano, 37.591 queixas de violência doméstica foram registradas no Estado. No mesmo período de 2020, foram 38.035. Apesar do número um pouco menor (queda de 1,17%), isso não significa que a violência caiu. Mas que, sob ameaça e medo, as vítimas podem não estar procurando a polícia.
Há ainda a dificuldade que as mulheres sentem em registrar uma queixa nas unidades policiais. Apesar de o Estado contar com 11 delegacias especializadas para atendimento à mulher, apenas uma funciona 24 horas por dia. A unidade fica no bairro de Santo Amaro, na área central do Recife. Lá, nos sete dias da semana, a vítima vai encontrar atendimento. Já nos outros municípios onde há Delegacia da Mulher - como Paulista, Caruaru, Goiana e Vitória de Santo Antão - o horário de funcionamento é restrito. Apenas de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h. Nos dias de feriado, as delegacias também ficam fechadas.
A Polícia Civil argumenta que as vítimas podem procurar qualquer delegacia do Estado para denunciar a violência. Mas é claro que, num ambiente formado em sua maioria por homens, e com outras ocorrências em andamento, a vítima muitas vezes se sente constrangida para registrar a queixa.
Uma das promessas para melhorar o atendimento às vítimas é a criação do chamado Procedimento Operacional Padrão. "Será implantado em todas as delegacias de polícia no Estado, especializadas ou não, para atendimento à vítima de violência doméstica, com passo a passo de tudo que é preciso se fazer no atendimento à vítima de violência. Desde o registro do boletim de ocorrência, solicitação das medidas protetivas, na representação de medidas cautelares, até a conclusão do inquérito policial para que a gente possa uniformizar o atendimento às mulheres, de forma que elas se sintam acolhidas e os procedimentos tenham andamento célere na Justiça para evitar e reduzir o número de feminicídios", afirmou a gestora do Departamento de Polícia da Mulher (DPMul), Fabiana Leandro.
FEMINICÍDIOS
Pernambuco já acumula, em 11 meses, um aumento de 21,2% nos casos de feminicídio. Ao todo, 80 mulheres foram vítimas desse crime, segundo dados da SDS. No mesmo período de 2020, foram 66 casos.
A gestora da DPMul reforçou a necessidade da denúncia o mais rápido possível. "A gente vem promovendo ações, ao longo desse ano, com palestras, orientações às vítimas para a quebra do ciclo de violência e para o aumento das denúncias. (Nesse ano), houve um aumento de 400% no número de apreensões de arma de fogo, o que é muito importante na redução da violência e para evitar os feminicídios", disse Fabiana Leandro.
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