INVESTIGAÇÃO

OAB-PE cobra transparência da Polícia Civil sobre furto de mais de 1 mil armas no Recife

Número de armas que sumiram da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) foi três vezes maior do que o divulgado pela chefia da Polícia Civil

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Raphael Guerra

Publicado em 12/07/2022 às 16:42 | Atualizado em 13/07/2022 às 10:45
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O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Pernambuco (OAB-PE), Fernando Ribeiro Lins, cobrou transparência da Polícia Civil do Estado em relação ao furto de mais de 1 mil armas de fogo, que estavam sob a guarda da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), na área central do Recife. 

Em agosto de 2021, após a prisão de cinco policiais civis suspeitos de desviar e vender as armas de fogo para facções criminosas, a chefia da Polícia Civil de Pernambuco anunciou, em coletiva de imprensa, que 326 armas haviam sido furtadas. Mas, nessa segunda-feira (11), a coluna Ronda JC divulgou, em primeira mão, que o número de armas furtadas foi três vezes maior

Documento interno da Polícia Civil, assinado pelo delegado Adelson Barbosa, na época lotado na Core, apontou que 1.131 armas - entre metralhadoras, pistolas e revólveres - desapareceram da unidade especializada.

"A OAB Pernambuco entende ser fundamental que haja transparência no acesso da imprensa e da sociedade como um todo à informação das instituições públicas, a exemplo da Polícia Civil. A Polícia Civil pernambucana tem mais de 200 anos, é uma instituição comprometida com a sociedade e não deve permitir ter a sua imagem maculada por conta dos maus profissionais que tenham passado por seus quadros", afirmou Fernando Ribeiro Lins, em entrevista à coluna.

"A OAB Pernambuco segue acompanhando o tema por meio da sua Comissão Especial de Segurança Pública, contribuindo para o fortalecimento da democracia e do nosso estado democrático de direito", completou o presidente da entidade. 

O sumiço das armas foi descoberto por um comissário, responsável pela manutenção e conserto delas, em janeiro de 2021, logo após ele voltar de férias. Na ocasião, um inquérito policial foi instaurado e uma auditoria foi realizada pra identificar o número exato do desvio. Após as investigações, 20 suspeitos (incluindo quatro policiais, porque o quinto veio a falecer 19 dias após ser preso) foram indiciados e, posteriormente, viraram réus na Justiça. 

Em abril de 2022, durante audiência de instrução e julgamento do caso, o delegado Adelson Barbosa prestou depoimento por videoconferência e, questionado pelo Ministério Público, voltou a confirmar que mais de 1 mil armas foram furtadas da Core.

No depoimento, o delegado disse ainda que foi repassada à Polícia Federal a lista das armas subtraídas para que os dados fossem incluídos no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), do Ministério da Justiça.

A coluna Ronda JC procurou a Polícia Federal, que confirmou o recebimento do ofício mencionado pelo delegado, com data de 24 de fevereiro de 2021.

"E até agora não houve o registro de recuperação de nenhuma arma citada na relação enviada. Esse monitoramento é feito com informação enviadas pelas Secretarias de Defesa Social dos Estados", informou a PF.

Desde que o sumiço foi descoberto, o número de armas de fogo furtadas é uma incógnita. Até mesmo para autoridades que acompanham o processo (como promotores de Justiça) e advogados de defesa dos acusados.

Apesar da relevância, no inquérito, com mais de 1,9 mil páginas, não consta a informação da quantidade de armas desviadas da Core. O número também não é informado no processo encaminhado pelo Ministério Público à Justiça.

Os delegados Guilherme Caraciolo e Cláudio Castro, responsáveis pela investigação, foram questionados durante seus depoimentos em audiência de instrução e julgamento. Ambos disseram que não lembravam do número.

O QUE DIZ A POLÍCIA CIVIL

Nesta terça-feira (12), em nota enviada a alguns veículos de comunicação, a assessoria da Polícia Civil negou as informações dadas pelo delegado Adelson Barbosa. 

No texto, a assessoria disse que "reforça que o número de 326 armas subtraídas, apresentado em coletiva de imprensa, foi resultado de uma auditoria criteriosa realizada no setor de armaria do Core". 

"O trabalho contou com a participação de seis policiais que, após criação do novo sistema, fez os levantamentos nas unidades da PCPE que possuíam armamentos acautelados, bem como policiais que as tinham a título de carga pessoal, tendo os mesmos comparecido ao CORE e procedido o recadastramento", afirmou outro trecho da nota.

"Ressalte-se que o próprio ofício do delegado, que serviu de base para a reportagem, já destaca a necessidade de confirmação posterior daquele número, pois foi enviado de maneira preliminar e precária, baseada em planilhas que não estavam atualizadas, afirmando que as armas do anexo 'não foram localizadas' e que havia indícios ou suspeitas de que poderiam ter sido subtraídas", destacou a Polícia Civil.

Apesar de a Polícia Civil dizer que voltou atrás em relação ao número de armas furtadas, a corporação não informou, oficialmente, à Polícia Federal quais delas foram encontradas para que as informações fossem retiradas do Sinarm. Procedimento que precisa ser adotado para garantir transparência. 

AS INVESTIGAÇÕES

As armas de fogo ficavam guardadas em um depósito de acesso muito restrito na Core. Além delas, mais de 3 mil munições também foram furtadas. Logo após a descoberta do sumiço, uma perícia foi realizada e não foram encontrados sinais de arrombamento.

Por uma falha grave de segurança, no interior do setor de armaria não havia câmeras. Mas havia uma do lado de fora, apontada justamente para a porta de entrada. Foi descoberto, no entanto, que o equipamento não funcionava 24 horas por dia.

Entre as armas desviadas, 119 pertenciam à Guarda Municipal de Ipojuca, no Grande Recife. Elas estavam guardadas na Core enquanto os profissionais passavam por treinamento. As pistolas haviam sido doadas pela Polícia Rodoviária Federal.

Em depoimento à polícia, ainda em janeiro de 2021, um detento revelou que, anos antes, havia se dirigido à Core para comprar munições destinadas a uma facção criminosa - indicando aos delegados que a prática ilegal não era recente na unidade policial. O vendedor teria sido justamente um dos policiais civis que acabou indiciado ao final da investigação.

Outros depoimentos colhidos pela polícia revelaram a suposta ligação de comissários da Core com criminosos. A venda de munições e carregadores de pistolas seria prática comum e antiga. Uma caixa com 50 munições era vendida por R$ 350, revelam depoimentos.

Interceptações telefônicas também apontaram que armas desviadas da Core foram comercializadas para facções criminosas por valores que variavam de R$ 6,3 mil a 6,5 mil, cada uma. Já as submetralhadoras custavam R$ 22 mil nesse comércio ilegal. Integrantes ou pessoas ligadas a pelo menos duas organizações criminosas - incluindo detentos do Estado - foram identificados e fazem parte do rol de denunciados à Justiça.

ARTES JC
O comércio ilegal - ARTES JC

 

ANDAMENTO DO PROCESSO

Quatro policiais que viraram réus pela acusação da venda das armas continuam presos aguardando julgamento. Eles ainda não foram interrogados na Justiça, e não há prazo para julgamento. Até agora, cinco delegados já prestaram depoimento em juízo.

Os acusados respondem por crimes como organização criminosa, comércio ilegal de armas de fogo, peculato, lavagem de dinheiro e corrupção ativa e passiva.

COMO AGIRAM OS POLICIAIS, SEGUNDO INQUÉRITO

1 - José Maria Sampaio Filho (comissário da Polícia Civil)

Foi reconhecido por uma testemunha por ter, em três momentos, “repassado grande quantidade de munição comercializada, que se destinou a uma facção criminosa. Numa operação da polícia, em agosto, para cumprir mandados de prisão contra os investigados, o policial foi flagrado na posse irregular de uma arma de fogo calibre 9mm sem registro.

2 - Cleido Graf Gonçalves Torreiro (comissário da Polícia Civil)

Apontado pelos investigadores como “o grande mentor/articulador” de todo o esquema de desvio de armas, munições e acessórios. Detinha acesso irrestrito à armaria da Core. “Sem qualquer justificativa, frequentava aos sábados e domingos a armaria. Manipulava planilhas com a inserção e supressão de dados. Utilizava intermediários na comercialização”, pontuou relatório da Polícia Civil. Ainda teria adquirido casa de veraneio e automóvel em nomes das filhas.

3 - Josemar Alves dos Santos (comissário da Polícia Civil)

Investigação apontou que ele auxiliava Cleidio no desvio das armas, munições e acessórios, manipulando as informações em planilhas no setor administrativo.

4 - Edson Pereira da Silva (comissário da Polícia Civil)

Segundo as investigações, “faltou com dever funcional realizando pesquisas no sistema integrado da Polícia Civil para integrantes da organização criminosa, justamente de um desafeto que eles estavam procurando para matar”.

5 - Carlos Fernandes Nascimento (agente administrativo da Polícia Civil)

“Fez contatos, intermediou, despachou e arrecadou dinheiro da venda de munições, armas e carregadores desviados da Core”, descreve o inquérito. Ele faleceu 17 dias após ser preso.

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