A corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, afirma que há um "mercado paralelo" nos três presídios que formam o Complexo Prisional do Curado, no Recife. A denúncia consta na decisão que determinou que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) faça um mutirão e retire 70% dos presos para acabar com a superlotação no Complexo.
"A falta de água potável e de alimentação adequada e em quantidade suficiente enseja a ostensiva comercialização, por parte das próprias pessoas presas, de insumos de sobrevivência básica, vendidos em 'cantinas', com preços abusivos", pontua a ministra.
"Também foi identificada a falta de disponibilização de kits de higiene e vestuário para as pessoas presas, o que reforça o mercado paralelo de comercialização nas unidades a facilitar, inclusive, situações de sujeição, corrupção e violência", completa.
Atualmente, o Complexo Prisional do Curado abriga 6.508 detentos, apesar de só ter 1.819 vagas.
Apesar de ilegais, os mercadinhos e cantinas nos presídios pernambucanos não são novidade. E expõem outro problema que não foi combatido pela atual gestão estadual.
Em visita aos três presídios, na semana passada, membros do CNJ ficaram chocados com as condições desumanas observadas - além da já conhecida superlotação. Presos precisam até rastejar para entrar em buracos improvisados para dormir. Há também sérios problemas de estrutura e higiene por todas as unidades.
"Durante as inspeções, notou-se a ocorrência de avançado processo de favelização em curso nas unidades do Complexo, que se dá em espaço superlotado, sem saneamento e com instalações improvisadas", descreve a ministra.
Por causa disso, a ministra determinou o mutirão do TJPE para diminuir o número de presos. A previsão é de que pouco mais de 4,5 mil homens deixem as unidades no prazo de até oito meses. Todos os processos dos detentos - principalmente aqueles que ainda não foram julgados - precisarão ser analisados pelos juízes do TJPE.
No Presídio Marcelo Francisco de Araújo (PAMFA), a taxa de ocupação é de 430,4%. No caso do Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB), a taxa é de 288,7%.
Por sua vez, no Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), a superlotação é de 445,5%.
A principal questão é: para onde vão tantos detentos, se o sistema prisional pernambucano está com todas as unidades superlotadas? Atualmente são 34.610 presos para apenas 13.842 vagas.
Sobre a determinação do CNJ, o TJPE se pronunciou por meio de nota oficial. E confirmou que vai agilizar os julgamentos dos presos.
"É público e notório que o Complexo Prisional do Curado não reúne condições satisfatórias às pessoas ali encarceradas. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) determinou a modificação do atual estado de coisas. Algumas melhorias foram feitas desde 2011, quando foi editada a primeira medida cautelar, mas não foram suficientes para a resolução do problema", reconhece o TJPE.
"A resolução do problema de forma efetiva passa, necessariamente, pela intervenção de vários atores, como Poder Executivo, Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e sociedade civil como um todo. No caso do Judiciário, as iniciativas preveem, antes de tudo, agilização de julgamentos. Tantas outras medidas no sentido de melhorar as condições do Complexo do Curado não são da responsabilidade do Judiciário, mas há um compromisso do Executivo em resolver o problema, em especial com a abertura de novas vagas em unidades prisionais para a transferência, ainda em 2022, de parte da população carcerária do Complexo do Curado", diz outro trecho da nota do TJPE.
A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, do governo do Estado, também se pronunciou por nota. Disse, até o final do ano, serão abertas mil vagas na unidade 2 do Complexo de Itaquitinga. Também está em andamento a criação de mais 3.054 vagas - mas não deu prazo para conclusão dessas obras.
Além disso, prometeu a conclusão da licitação para mais quatro mil tornozeleiras eletrônicas e conclusão/andamento do processo seletivo para novos 500 policiais penais.
A situação de superlotação e insalubridade do Complexo Prisional do Curado levou a integrante do Conselho da Comunidade da 3ª Vara de Execuções Penais da Capital e coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Wilma de Melo, a denunciar o Estado brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Isso ocorreu há mais de dez anos, sem que uma solução fosse encontrada para o caos.
Desde 2011, quando foi editada a primeira medida cautelar, o Estado brasileiro não melhorou as condições do estabelecimento. Naquele ano, a população carcerária se aproximava de 5 mil pessoas.
Em uma década, apesar de a Corte ter proibido a entrada de novas pessoas, o número de detentos no Complexo do Curado continuou a crescer, sem que houvesse estrutura para acomodar essas pessoas.
O País foi condenado pela Corte IDH e o monitoramento do cumprimento dessas sentenças, realizado pelo CNJ desde 2021, é um dos motivos da missão a Pernambuco.
Por determinação da ministra Maria Thereza de Assis Moura, juízes do TJPE também terão de promover inspeções quinzenais ao Complexo Prisional do Curado enquanto a lotação não atingir os parâmetros definidos na decisão da CNJ.
O rodízio de visitas deverá incluir juízes de varas criminais, juízes responsáveis pela execução penal e desembargadores da Seção Criminal.“
Observa-se desde logo que as visitas não deverão limitar-se ao ambiente administrativo nem se restringir a diálogos com os gestores prisionais, mas deverão alcançar, sobretudo, as instalações e a carceragem das três unidades prisionais, documentando-se por fotos e vídeos a presença e as entrevistas dos juízes e desembargadores com presos nessas unidades, e outras providências inerentes a todas as ambiências das três unidades do Complexo Prisional do Curado”, afirmou a ministra na decisão.