Cloroquina e hidroxicloroquina: dois nomes de medicamentos que passamos a ouvir diariamente desde a expansão dos casos de covid-19, que já levou ao óbito pelo menos 941 no Brasil nos últimos 25 dias. Diante dessa aceleração da curva epidêmica, muitas são as esperanças depositadas em tratamentos que possam aniquilar a ação do novo coronavírus. Alvo, inclusive, de discussões políticas, cloroquina e hidroxicloroquina mostraram, em laboratório, segundo estudo experimental francês, que podem apresentar atividade antiviral contra a doença. Mas isso não é o suficiente para garantir atualmente segurança e eficácia das medicações para tratar (nem mesmo prevenir) covid-19. É preciso avançar mais, com realização de pesquisas clínicas em humanos, o que começa a ser feito no Brasil. O Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), no bairro de Santo Amaro, área central do Recife, é uma das 18 unidades, em 12 Estados brasileiros, que participam do ensaio clínico Solidarity, da Organização Mundial da Saúde (OMS), liderado no País pela Fiocruz.
Leia também: Com 129 novos casos em 24 horas, Pernambuco tem 684 infectados por coronavírus; mortes chegam a 65
“Há muitas dúvidas sobre o uso dessas medicações em pacientes com covid-19. Hoje o Huoc, assim como outros hospitais, segue a recomendação do Ministério da Saúde, que é de avaliar a indicação em pacientes mais graves. Mas como são medicamentos que qualquer médico pode prescrever, há serviços que utilizam (o remédio) independentemente do que diz o ministério”, disse o chefe do setor de Infectologia do Huoc, Demetrius Montenegro, durante coletiva de imprensa online ontem sobre a atualização dos casos da doença em Pernambuco. Ele explica que o estudo do qual o hospital participa é multicêntrico, realizado em várias unidades que acompanham pessoas infectadas pelo novo coronavírus no mundo. “A ideia é acabar (com as especulações e rumores) e saber se o uso da cloroquina vai ser diferente na evolução de pacientes com sintomas leves ou mais graves de covid-19.”
A pesquisa incluirá somente pacientes hospitalizados para atender à demanda mais urgente, que é a de oferecer tratamento para os quadros mais graves. Em um primeiro momento, serão testados a cloroquina e outras medicações, como liponavir, usada por pessoas que vivem com HIV. Assim, o ensaio clínico tem quatro linhas de tratamento que pode ser adaptáveis, segundo a Fiocruz. Ou seja, durante o estudo, algum medicamento pode ser descontinuado por se mostrar ineficaz ou alguma outra opção terapêutica pode ser incorporação, caso se revele promissora.
A cloroquina e a hidroxicloroquina têm gerado discórdia não apenas entre médicos, mas no meio político e até mesmo entre amigos, pois o debate que envolvem ambas as medicações tem pontos de vista diferentes. “Há pessoas que defendem com unhas e dentes a utilização da medicação, independentemente do estado do paciente, se é crítico ou não. Já recebi até informações sobre o uso preventivo do medicamento para a doença. É preciso ter muito cuidado. Do ponto de vista científico, nada fundamenta o fato de pessoas em geral, que tenham qualquer grau de covid-19, usarem", alerta Demetrius.
O infectologista reforça, inclusive, que alguns órgãos internacionais chegaram a orientar o uso da cloroquina e depois voltaram atrás da recomendação. “Foi o caso do CDC (Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos)”, acrescentou.
A Secretaria de Saúde de Pernambuco (SES) não consegue estimar quantos, entre os 555 casos confirmados de covid-19 até ontem no Estado, já fizeram uso da cloroquina e da hidroxicloroquina. “Sobre esse quantitativo, não temos como dizer, pois vários hospitais criaram usam, com os próprios protocolos de utilização. Mas sei de pacientes que fizeram uso das medicações e morreram, como também de casos que utilizaram e não foram a óbito. Mas o quantitativo é muito pequeno para se chegar a uma conclusão do efeito (que a cloroquina e a hidroxicloroquina têm)”, destacou o infectologista Demetrius Montenegro.
Com base nas informações divulgadas oficialmente pela SES, na ocasião do anúncio do segundo e do terceiro óbitos em Pernambuco, sabe-se que, em ambos os pacientes, a hidroxicloroquina chegou a ser usada na tentativa de salvar as vidas. Os casos foram o canadense de 79 anos, que chegou ao Recife em 12 de março no navio de cruzeiro Silver Shadow, e um homem de 69 anos, morador do Recife, hipertenso e com histórico de viagem para Portugal e Itália. Ambos faleceram no dia 26 de março.
O farmacêutico Leandro Medeiros, coordenador do curso de farmácia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), tem acompanhado os artigos científicos publicados sobre o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina em pacientes com covid-19 e frisa que, para se ter segurança em relação ao uso das medicações para tratar a infecção causada pelo novo coronavírus, é preciso aguardar os passos da ciência. “É preciso reduzir as incertezas desse tratamento, antes de ele ser recomendado amplamente”, diz.
Sobre as pesquisas, Leandro mencionada uma das que estão no prelo, com o selo do British Medical Journal. “É o primeiro estudo clínico randomizado com a hidroxicloroquina em pacientes diagnosticados com covid-19. Tem como objetivo avaliar a eficácia e a segurança de um medicamento. Mas só 62 pacientes participaram do estudo. Isso ainda o torna pequeno e não representativo para a população geral”, explica.
O especialista acrescenta que o momento requer paciência. “Continuemos aguardando os pesquisadores fazerem seu trabalho. Parece que estamos no rumo certo para encontrarmos uma resposta para o tratamento da covid-19, que ainda é cheio de perguntas”, salienta Leandro.
- Cloroquina e hidroxicloroquina são substâncias diferentes, mas que têm ações semelhantes. A hidroxicloroquina é uma droga derivada da cloroquina, e ambas estão sendo avaliadas no combate ao coronavírus
- A cloroquina é usada para malária; a hidroxicloroquina para artrite reumatoide e lúpus eritematoso. Ambas as medicações são registradas e aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para essas indicações
- A recomendação do Ministério da Saúde para uso da hidroxicloroquina e cloroquina no tratamento contra a covid-19 chama-se uso off label (fora do que está prescrito na bula do medicamento) e é uma prática usada, mas para casos muitos graves. Foi nesse sentido que o governo brasileiro liberou o uso desses medicamentos, mas apenas para decisão de cada médico sobre sua aplicação em relação a cada paciente específico
- Tomar remédio por conta própria traz o risco de interação com outros medicamentos que a pessoa toma regularmente, o que pode agravar a toxicidade da cloroquina e da hidroxicloroquina
- A Sociedade Brasileira de Infectologia considera o uso da hidroxicloroquina para tratamento da covid-19 como uma “terapia de salvamento experimental”. O uso deve ser individualizado e avaliado pelo médico prescritor, preferencialmente com a participação de um infectologista, avaliando seus possíveis efeitos colaterais e eventuais benefícios
- Entre os principais efeitos adversos da hidroxicloroquina, estão discrasia sanguínea (sangue não coagula de modo adequado), distúrbios gastrintestinais (náuseas, vômitos e diarreia), fraqueza muscular, labilidade emocional (oscilação de humor), erupções cutâneas, cefaleia, visão turva, descoloração e queda do cabelo e tontura
Amazonas
Hospital Delphina Aziz
Bahia
Instituto Couto Maia/SES
Ceará
Hospital São José e Doenças Infecciosas
Mato Grosso do Sul
Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian
Minas Gerais
Hospital Universitário da UFMG
Pará
Hospital Universitário João de Barros Barreto-UFPA
Paraná
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
Pernambuco
Hospital Universitário Oswaldo Cruz da Universidade de Pernambuco
Rio de Janeiro
Hospital Universitário Antonio Pedro
Hospital Federal dos Servidores do Estado
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
Hospital Universitário Gaffree e Guinle
Hospital Universitário Pedro Ernesto
Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas
Rio Grande do Sul
Hospital Nossa Senhora da Conceição
Santa Catarina
Hospital Regional de São José
São Paulo
Hospital de Clínicas da Unicamp
Instituto de Infectologia Emílio Ribas
Fontes: Farmacêutico Leandro Medeiros, Fiocruz e Sociedade Brasileira de Infectologia