Estados ficam inseguros com mudanças constantes nos cronogramas de vacinação, diz pesquisadora
Confira a entrevista completa com a enfermeira e pós-doutora em epidemiologia Ethel Maciel
Na semana em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez, em rede nacional, um pronunciamento sobre as metas de vacinação no Brasil, a enfermeira e pós-doutora em epidemiologia Ethel Maciel deu sua opinião sobre a campanha de imunização contra a covid-19 no País e as ações tomadas pelo governo federal. Em entrevista ao Passando a Limpo, da Rádio Jornal, ela afirmou, na manhã desta quinta-feira (25), que será "difícil" cumprir a promessa de um milhão de doses aplicadas por dia, feita pelo novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e que constantes mudanças nos cronogramas de imunização confundem os estados.
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Confira a entrevista completa
O que falta para que a gente tenha uma vacinação mais efetiva?
O que faltam são as doses das vacinas. Tem muita palavra, muita coisa sendo dita, mas as doses mesmo estão chegando muito lentamente no Brasil. A produção já sabíamos que o Butantan e a Fiocruz demoram um pouco para organizar a cadeia produtiva. O que a gente não esperava era que o Brasil não tivesse providenciado a compra enquanto nossos institutos organizam. Estamos nesse momento difícil, com poucas doses. A cada hora o ministério refaz os cronogramas, deixando os estados com muita insegurança do que vai acontecer.
No Recife já estamos vacinando os idosos de 64 anos. Por outro lado, a Fiocruz anunciou a redução na entrega de mais de 2 milhões de doses. Não há expectativa ainda da Covaxin ou da Sputnik. Como a matemática da aplicação de um milhão de doses anunciada pelo Ministério da Saúde vai fechar?
Vai ser difícil. O que a gente está vendo é que o governo está tentando fazer importação via iniciativa Covax da OMS, e no domingo recebemos um pouco mais de 1 milhão de doses. Nessa iniciativa, o Brasil garantiu um pouco mais de 44 milhões de doses. O governo brasileiro está em organização com a OMS para ver se consegue receber mais doses de países do G7, que compraram sete vezes mais vacinas do que sua população. O que o governo está tentando fazer é que essas doses sejam enviadas para o Brasil, em detrimento de outros países que têm mais doses. Contudo, nosso Ministério de Relações Exteriores ao longo do ano passado não fez boas relações, e agora estamos enfrentando um momento mais difícil quando precisamos que essas relações de diplomacia aconteçam de forma mais eficiente.
Ninguém pode negar que o governador Doria (de São Paulo) foi o mais interessado na pandemia, contratou gente da melhor qualidade, da equipe de Mandetta, para controlar a situação por lá. Houve uma preocupação enorme. Inclusive, podemos atribuir a ele ter forçado Bolsonaro a tomar algumas decisões. Mesmo assim, o Estado entrou na situação que estamos sabendo agora. Como o mundo científico avalia isso?
Infelizmente todos os estados enfrentam situações difíceis, mas São Paulo (SP) é um ponto de entrada no Brasil para voos, de toda a parte de indústria e distribuição, então a mobilidade para outros estados e países é grande, é um polo importante no Brasil de mobilidade. Há muita entrada e saída de pessoas. O governador de São Paulo talvez tenha sido um dos mais atacados pelo governo federal, houve um tensionamento muito grande. Enquanto ele está tentando colocar medidas, o governo federal diz para as pessoas irem para a rua. A polarização de SP foi muito grande e infelizmente, visando as eleições de 2022, está colocando vidas em risco. O surgimento das novas variantes fez com que a transição ocorresse de forma muito rápida.
Nós estamos infelizmente acompanhando a dificuldade que o governo do estado tem para implementar as medidas restritivas e a dificuldade da adesão da população em um momento que não temos auxílio emergencial. Esse é um ponto muito importante nesse momento, porque é difícil ficar em casa se você precisa sair para garantir comida. Estamos diante de uma crise sanitária enorme em que o governo está muito lento para resolver os problemas do Brasil, principalmente dos mais pobres, que precisam de um auxílio para se alimentar.
Estamos sob gestão de um novo ministro da Saúde, e o doutor Marcelo Queiroga escolheu um dos maiores críticos do país sobre a utilização da cloroquina para coordenar um grupo sobre protocolos de combate à covid-19, Carlos Carvalho. Acompanhamos também o ministro tendo um discurso centrado, defendendo o uso da máscara e do isolamento. Já podemos ter esperança que vamos ter rumo com novo ministro?
É um ponto de esperança, uma luz. A escolha do professor foi acertada, muito bem vista pela sociedade científica, pesquisadores. Não tem mais tempo para errar, estamos na maior crise sanitária. O Brasil tem grandes cientistas que estão fazendo e falando a todo momento o que precisa ser feito, e precisamos que o governo acate e se paute nas evidências científicas. Nós já temos evidências que a hidroxicloroquina e cloroquina não funcionam para a covid-19. É preciso acabar com isso no Brasil, porque nossa grande preocupação é que as pessoas são colocadas em risco por acreditarem que estão protegidas e acabam se descuidando em relação a outras medidas que funcionam, como distanciamento e uso da máscara. A ivermectina tem estudos ainda inconclusivos. Há até agora um único medicamento aprovado para a covid, mas que tem um uso hospitalar muito específico.
As medidas tomadas por Queiroga já sinalizam que vai haver uma unidade entre os poderes?
Não precisaríamos ter uma secretaria, mas o ministro quer sinalizar que está fazendo algo concreto. Temos uma comissão nacional; todos os países desenvolvidos instituíram uma comissão nacional científica para pensar o que fazer, analisar os dados, e mais importante de tudo é preciso que o governo federal se una aos governos estaduais e municipais para termos ações efetivas e unificadas, porque se cada um fala uma coisa a população fica confusa, e não consegue aderir medidas instituídas por estados e municípios.