Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
A relação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o desenvolvimento de doenças crônicas é bastante conhecida. Não há dúvidas de que uma dieta desregrada pode levar ao surgimento de hipertensão arterial, obesidade e diabetes, entre outros problemas de saúde.
Agora, um novo estudo alerta que pessoas que consomem alimentos ultraprocessados em excesso têm um risco 82% maior de desenvolver depressão, em comparação com aquelas que se alimentam de maneira mais saudável.
A conclusão é de uma pesquisa de doutorado realizada no Departamento de Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Os resultados foram publicados no Journal of Affective Disorders, a revista oficial da Sociedade Internacional de Transtornos Afetivos.
Para chegar aos resultados, a nutricionista Arieta Carla Gualandi Leal, responsável pelo estudo, avaliou a alimentação de 2.572 ex-estudantes vinculados a sete universidades mineiras, por meio de um questionário padronizado.
Esses estudantes compõem um grupo que é acompanhado pelos pesquisadores desde 2016, a cada dois anos. Além de saber sobre o consumo, o questionário avalia também se houve o desenvolvimento de alguma doença nesse período bianual.
Os voluntários tiveram que responder a um questionário sobre seus hábitos diários de consumo de 144 tipos de alimentos, os quais foram divididos em quatro categorias: in natura; ingredientes culinários (como óleo, sal e açúcar); alimentos processados; e, por último, os ultraprocessados.
Os alimentos ultraprocessados incluem biscoitos recheados, bolos, macarrão instantâneo, salgadinhos de pacote, refrescos, entre outras guloseimas.
Segundo a nutricionista, as questões incluíam perguntas sobre o consumo do determinado alimento, a frequência (diária, semanal, mensal ou anual) e o tamanho da porção (pequena, média ou grande).
Para auxiliar nas respostas e reduzir a possibilidade de erros, ela incluiu um álbum fotográfico com 96 imagens para orientar os respondentes. Por exemplo, se a pessoa diz que come duas colheres de arroz por dia, o questionário ilustra diferentes tipos de colheres para que ela possa especificar o tamanho da porção: seria equivalente a uma colher de sopa? De sobremesa? De pegar arroz?
A partir dessa coleta, os dados foram tabulados e variáveis como sexo, idade, frequência de atividade física e consumo de álcool foram isoladas para evitar interpretações erradas.
Os pesquisadores dividiram os voluntários em grupos de consumo baixo, moderado e alto de alimentos ultraprocessados. Constatou-se que, entre aqueles que mais consumiam esse grupo de alimentos diariamente (entre 32% e 72% das calorias diárias), o risco de desenvolver depressão ao longo da vida era de 82%, em comparação com o grupo que consumia menos produtos ultraprocessados.
A pesquisa também constatou que, entre os voluntários que consumiam mais alimentos ultraprocessados diariamente, a incidência de novos casos diagnosticados de depressão era maior do que entre aqueles que se alimentavam melhor.
"Em quatro anos de estudo, observamos que a prevalência de depressão entre os participantes aumentou 9,56%. É um índice muito alto para um curto espaço de tempo", afirmou a nutricionista.
DEPRESSÃO: DOENÇA COM MUITOS FATORES ENVOLVIDOS
A depressão é uma doença multifatorial. Ou seja, não há uma única causa - e sim, um conjunto de fatores associados que levam uma pessoa a desenvolvê-la.
Entre as hipóteses levantadas pela pesquisadora para justificar os achados, está o fato de os alimentos ultraprocessados serem pobres em vitaminas, minerais, fibras e nutrientes importantes para o funcionamento do organismo como um todo. E são produtos ricos em gorduras saturadas, corantes, aditivos químicos e outros ingredientes que fazem mal à saúde.
"Geralmente quem consome mais esses alimentos costuma ter um estilo de vida mais corrido, menos saudável, com menos atividade física e dorme menos. São fatores que impactam também na saúde mental", avalia a nutricionista.
TRANSTORNOS MENTAIS E INFLAMAÇÃO
Segundo Alfredo Maluf, coordenador da Psiquiatria do Hospital Israelita Albert Einstein, a ciência já vem observando o impacto dos alimentos no desenvolvimento da depressão e de outros transtornos mentais. Os alimentos parecem influenciar fatores inflamatórios, que podem piorar o quadro de depressão.
Maluf explica que, nos pacientes com depressão, ansiedade, transtorno bipolar ou esquizofrenia, algumas regiões cerebrais estão inflamadas.
Essa inflamação diminui a neuroplasticidade do cérebro, ou seja, a capacidade de ele se tornar mais saudável e funcionante.
"Isso tem relação com os neurotransmissores, que são como hormônios/substâncias (serotonina e aminas) que carregam as informações e controlam determinadas áreas cerebrais, entre elas, o humor e a afetividade", diz.
De acordo com Maluf, existem alimentos que têm ação antioxidante e, por isso, promovem naturalmente o aumento de serotonina e substâncias pré-aminas circulantes no organismo. Entre eles estão os cereais, as oleaginosas, as verduras e as proteínas (carne e peixe).
"Os alimentos mais orgânicos, mais naturais, aumentam esses extratos para termos uma produção de substâncias importantes para o bom desenvolvimento cerebral. Se a gente consome produtos industrializados em excesso, como esse trabalho aponta, esse alimento não promoverá o aumento dessas substâncias, pelo contrário. Essas conexões ficam deficitárias e, por isso, aumenta o risco de depressão", destaca.
O psiquiatra ressalta que o processo todo é muito complexo e não basta mudar a alimentação para evitar ou tratar a depressão.
"Você não consegue tratar a depressão só com atividade física ou só com alimentação saudável. São vários fatores que beneficiam e protegem a saúde: atividade física, alimentação saudável, boa qualidade de sono", afirma.
QUAIS ALIMENTOS AJUDAM NA DEPRESSÃO E ANSIEDADE?
A pesquisa aponta que no topo da lista dos produtos ultraprocessados mais consumidos diariamente pelos voluntários estão o chocolate, seguido dos refrigerantes, pães de forma, cachorro-quente/hambúrguer e margarina.
Todos são alimentos muito comuns na alimentação dos brasileiros, e a nutricionista responsável pelo estudo ressalta que eles não precisam ser totalmente descartados das refeições; basta consumi-los de forma adequada.
"É importante destacar que o consumo de um alimento isolado não causa depressão. É o conjunto de alimentos e a quantidade que se come que aumenta o risco. A dica é: na hora de escolher um pão de forma, prefira os que são mais próximos do integral. Os rótulos das embalagens possuem essa informação. Quanto mais integral for o produto, maior a quantidade de fibras e nutrientes", orienta.
Segundo a pesquisadora, a qualidade da margarina melhorou bastante nos últimos anos, mas a manteiga ainda é melhor para a saúde.
"É preciso ficar atento à quantidade que passamos no pão porque a manteiga também é gordura e ela pode ter um impacto no perfil lipídico e no peso da pessoa", diz.
Sobre o chocolate, ela ressalta que, mesmo aqueles que possuem maior concentração de cacau, têm bastante gordura. Por isso, o ideal é controlar a quantidade. "Não coma uma barra inteira. Se não conseguir deixar o chocolate de fora, consuma dois a três quadradinhos."
De acordo com a pesquisadora, apesar de os resultados envolverem uma população específica, eles podem servir como base para o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao incentivo da redução do consumo desses alimentos e para mais controle na regulação da produção desses produtos.