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"Queremos vacinas distribuídas com equidade", diz médico sobre trabalho de igualdade no acesso à imunização

Eduardo Jorge da Fonseca Lima, que preside a 26ª Jornada Nacional de Imunizações, faz defesa das vacinas como efetivo instrumento de proteção à saúde

Publicado em 15/09/2024 às 12:14 | Atualizado em 15/09/2024 às 12:20

O Recife será sede do maior evento responsável por fazer intercâmbio de informações científicas sobre imunizações em todo o mundo. Na próxima quarta-feira (18), começa a 26ª Jornada Nacional de Imunizações, organizada pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Com o tema "Vacinação, uma vitória de todos", o evento conta com centenas de atividades, entre palestras, simpósios e workshops que fazem a defesa das vacina - que são um dos mais efetivos instrumentos de promoção da saúde, da qualidade de vida e da longevidade. O encontro vai até a sexta-feira (20) no Recife Expo Center, localizado no bairro de São José, área central da cidade. 

A 26ª edição da Jornada Nacional de Imunizações tem como presidente o médico pernambucano Eduardo Jorge da Fonseca Lima. Nesta entrevista à jornalista Cinthya Leite, titular da coluna Saúde e Bem-Estar, deste JC, Eduardo Jorge aborda temas essenciais sobre o cenário atual da vacinação.

O médico destaca o impacto de baixas coberturas vacinais e as recentes estratégias do Ministério da Saúde para ampliar a imunização. Além disso, Eduardo Jorge discute os avanços nas vacinas contra herpes-zóster e covid-19, bem como as inovações no campo da imunização, como o uso da tecnologia de RNAm e o futuro promissor das vacinas contra o vírus sincicial respiratório (VSR). 

JC - Baixas coberturas explicam o aumento de casos de coqueluche no mundo? Pelo calendário brasileiro, quem deve tomar no SUS e rede privada?

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - As questões relacionadas a coberturas vacinais, inclusive da coqueluche, será um dos principais temas abordados na nossa Jornada SBIm. A doença, também conhecida como tosse comprida, é uma infecção respiratória causada pela bactéria Bordetella Pertussis.  No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que, entre 2016 e 2023, as coberturas vacinais contra a coqueluche se mantiveram abaixo dos 95% preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A principal forma de prevenção da coqueluche é a vacinação de crianças menores de 1 ano, com a aplicação de reforços aos 15 meses e aos 4 anos, além da vacinação de gestantes, puérperas e profissionais da área da saúde. Em meio a surtos de coqueluche em países da Ásia e da Europa, o Ministério da Saúde recomendou recentemente ampliar, em caráter excepcional, e intensificar a vacinação contra a doença no Brasil. 

JC - Quem deve ser vacinado contra coqueluche a partir dessa ampliação excepcional? 

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - A doença tende a se alastrar mais em tempos de clima ameno ou frio, como na primavera e no inverno. Foi ampliada a indicação de uso da vacina dTpa (tríplice bacteriana acelular tipo adulto), que combate difteria, tétano e coqueluche, para trabalhadores da saúde que atuam em serviços de saúde públicos e privados, ambulatorial e hospitalar, com atendimento em ginecologia e obstetrícia; parto e pós-parto imediato, incluindo casas de parto; unidade de terapia intensiva (UTI) e unidade de cuidados intensivos (UCI) neonatal convencional; berçários (baixo, médio e alto risco); e pediatria.

JC - Em relação a esse grupo específico de indicação do imunizante, mesmo aqueles que já tomaram as doses, devem se vacinar novamente? 

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - A administração da dose deve considerar o histórico vacinal contra difteria e tétano (dT) desse grupo. Pessoas com o esquema vacinal completo devem receber uma dose da dTpa, mesmo que a última imunização tenha ocorrido há menos de dez anos. Já os que têm menos de três doses administradas devem receber uma dose de dTpa e completar o esquema com uma ou duas doses de dT. 

JC - Qual o cenário epidemiológico da coqueluche hoje? 

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - Houve um aumento de casos de coqueluche em, pelo menos, 17 países da União Europeia, com registro de 25.130 casos de janeiro a dezembro de 2023. Já entre janeiro e março de 2024, 32.037 casos foram notificados na região em diversos grupos etários, com maior incidência entre menores de 1 ano, seguidos pelos grupos de 5 a 9 anos e de 1 a 4 anos. Ainda de acordo com o documento, o Centro de Prevenção e Controle de Doenças da China informou que, em 2024, foram notificados no país 32.380 casos e 13 óbitos por coqueluche até fevereiro.

No Brasil, o último pico epidêmico de coqueluche ocorreu em 2014, quando foram confirmados 8.614 casos. A partir de 2020, houve uma redução importante no número de casos confirmados, associada à pandemia de covid-19 e ao isolamento social. Entre 2019 e 2023, todas as 27 unidades federativas notificaram casos de coqueluche. Pernambuco confirmou o maior número de casos (776), seguido por Minas Gerais (253), São Paulo (300), Paraná (158), Rio Grande do Sul (148) e Bahia (122). No mesmo período, foram registradas 12 mortes pela doença, sendo 11 em 2019 e uma em 2020.

 

JAILTON JR/JC IMAGEM
É preciso garantir a sala de vacina aberta durante todo o horário de funcionamento da unidade. A sala de vacina deve estar sempre à disposição da população - JAILTON JR/JC IMAGEM

JC - Quais os avanços na imunização contra herpes-zóster? E as diferenças entre as vacinas?

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - Na nossa Jornada SBIm, teremos uma mesa-redonda sobre a necessidades de algumas vacinas ainda não atendidas no sistema público, e será discutida a importância da vacina herpes-zóster para idosos e/ou pacientes especiais. O herpes-zóster, também conhecido como “cobreiro”, é uma doença infecciosa causada pelo vírus varicela-zóster, o mesmo que provoca a catapora. Ele é caracterizado pelo surgimento de lesões na pele, principalmente no rosto, pescoço e tronco, e uma das principais formas de prevenção é a vacinação. 

JC - Quais as vacinas contra herpes-zóster disponíveis?

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - Atualmente só temos, no Brasil, a vacina fabricada pela GSK. É um imunizante recombinante inativado - ou seja, é feito apenas com uma proteína do vírus (glicoproteína E) em combinação com o adjuvante AS01. Em outras palavras, essa vacina não contém o vírus vivo na composição. Por isso, pode ser administrada em pessoas imunocomprometidas. A eficácia contra o herpes-zóster é de 91%. É indicada para todas as pessoas a partir de 50 anos de idade e imunocomprometidos ou pessoas com risco aumentado para herpes-zóster a partir de 18 anos. O imunizante é contraindicado para gestantes e pessoas com histórico de hipersensibilidade grave a componentes da fórmula ou a dose anterior da vacina. É administrada em duas doses, com intervalo de dois meses entre elas, de forma intramuscular.

JC - A Jornada Nacional de Imunizações apresentará discussões sobre o calendário contra covid? Quais os destaques?

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - Impossível, na atualidade, em um evento de vacinas ou de infectologia, o tema de vacinas contra covid não ser abordado. Teremos várias discussões como a efetividade em grupos populacionais específicos. No momento, no Brasil, temos em uso a vacina XBB. Mas em breve, deveremos atualizar a vacina contra covid como já disponível nos Estados Unidos e na Europa. As vacinas contra a covid disponíveis, neste outono, naquelas regiões, foram atualizadas para corresponder melhor às cepas que circulam atualmente. 

As vacinas Pfizer e Moderna (de mRNA) têm como alvo a variante KP.2, enquanto a vacina Novavax tem como alvo a variante JN.1, que é uma predecessora da KP.2. A vacina Novavax é uma vacina adjuvante de proteína feita de forma mais tradicional. Todas as três vacinas são projetadas para proteger contra a forma grave da covid e reduzir a probabilidade de hospitalização. 

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Vacinas são seguras e eficazes na prevenção de doenças - JAILTON JR./JC IMAGEM

JC: O evento também abordará o papel da atenção primária na imunização da população. O que os gestores podem fazer de diferente para a cobertura vacinal aumentar?

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - Em relação a esse tópico, é importante destacar que o Ministério da Saúde preconiza dez passos que devem ser seguidos. Entre eles, garantir a sala de vacina aberta durante todo o horário de funcionamento da unidade. A sala de vacina deve estar sempre à disposição da população. Sempre que possível, ofertar vacinação na unidade básica de saúde, em horários alternativos como almoço, noite e fins de semana.

Também é essencial evitar barreiras de acesso. O comprovante de endereço não deve ser obrigatório para vacinação. Basta o cartão do SUS (CNS) para realizar o registro. Se o usuário estiver sem identificação e pertencer a algum grupo prioritário ou de risco devidamente registrado na unidade de saúde, é preferencial que se garanta a vacinação. Os profissionais de saúde também devem aproveitar as oportunidades de vacinação, como o momento de acolhimento dos pacientes, consultas ou outros procedimentos na unidade de saúde para verificar situação vacinal de cada pessoa.

JC - As doenças meningocócicas continuam a causar adoecimento em crianças. Discute-se a entrada da meningo B no SUS?

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - Toda a inclusão de uma vacina no calendário vacinal de um país como o Brasil requer uma criteriosa avaliação de custo/efetividade. Apesar de termos uma alta letalidade da doença meningocócica pelo sorotipo B - que, inclusive, passou a ser o mais prevalente no Brasil, é uma doença de baixa incidência.

Existe um Projeto de Lei de número 1286/23 que apresenta a proposta de ter a vacina contra doenças causadas pela bactéria meningocócica do tipo B no Programa Nacional de Imunizações (PNI). Cabe ao Ministério da Saúde definir o público-alvo, as estratégias para vacinação e os investimentos necessários. O texto está em análise na Câmara dos Deputados.

JC - Durante a Jornada SBIm, quais as principais tendências em imunização serão debatidas? E o futuro? Teremos cada vez mais vacinas mais modernas e seguras?

EDUARDO JORGE DA FONSECA LIMA - Haverá vacinas com plataformas mais novas, com técnicas que garantam melhor efetividade e com bom perfil de segurança. Esperamos que sejam distribuídas com equidade. A pandemia de covid-19 nos deu um grande exemplo de como foi célere a resposta dos cientistas em conceber um imunizante contra o coronavírus e torná-lo disponível para a população mundial.

Temos hoje novas vacinas, como as que protegem contra o vírus sincicial respiratório (VSR), que é responsável por infecções com grande morbidade em crianças jovens e que leva aos quadros graves de bronquiolite. É uma condição que enche as nossas emergências na sazonalidade e que também acomete os idosos.

Já temos no Brasil, uma vacina VSR específica para idosos e, em breve, estará disponível uma vacina para ser administrada na gestante e, dessa forma, proteger o recém-nascido. Também são inovadores os anticorpos monoclonais para prevenção das infecções causadas por esse mesmo vírus em lactentes. Por fim, a tecnologia de RNAm nas vacinas, pela rapidez da produção, provavelmente será uma plataforma muito utilizada nos próximos anos. 

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