O Caso Serrambi, às vésperas de completar 20 anos, permanece cercado de questionamentos e marcado pela impunidade.
Na série de reportagens que reconstrói as investigações sobre o desaparecimento e as mortes das adolescentes Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão, o JC apresenta, pela primeira vez, detalhes do depoimento da principal testemunha que ajudou a polícia a identificar os irmãos kombeiros Marcelo e Valfrido Lira.
Todas as investigações realizadas pelas polícias Civil e Federal apontaram os kombeiros como culpados pelo crime. Mas eles acabaram absolvidos por decisão do júri popular. Foram quatro votos contra três.
A testemunha Regivânia Maria da Silva surgiu já nas primeiras semanas de investigação sobre as mortes das adolescentes. Foi ela quem ajudou a polícia a confeccionar o retrato falado do cobrador supostamente abordado pelas vítimas antes de elas entrarem na kombi. Posteriormente, com as características, identificou-se Valfrido Lira, que chegou a ser preso, apesar de sempre ter afirmado que nunca teve contato ou deu carona às meninas.
A testemunha-chave relatou à polícia, com riqueza de detalhes, que se encontrava numa esquina junto à Padaria Porto Pão, no acesso à Porto de Galinhas, quando observou as adolescentes Maria Eduarda e Tarsila Gusmão. Era por volta das 18h30, do dia 3 de maio de 2003.
Regivânia contou que estava em uma barraca localizada na esquina oposta à padaria. As vítimas chamaram a atenção em razão do horário e porque uma delas estava no orelhão e a outra na esquina da padaria se contorcendo.
A testemunha contou que não ouviu a conversa das adolescentes, mas que as duas se revezavam para fazer ligações no orelhão. E que, depois de algum tempo, saíram em direção a um banheiro. As meninas seguiram até um bar próximo, mas o dono não teria deixado que elas entrassem para usar o sanitário. Elas ainda teriam seguido para outro imóvel, onde funcionava um videogame, mas Regivânia não soube informar se conseguiram usar o banheiro.
Maria Eduarda e Tarsila voltaram e entraram na padaria, onde compraram cigarros. Não foram vistas fumando.
Pouco tempo depois, as adolescentes voltaram a se aproximar do bar e passaram a pedir carona para os carros que passavam. Uma kombi de lotação que fazia a linha Porto de Galinhas/Socó parou próximo ao local, onde desceram alguns passageiros. As vítimas chegaram a falar com os cobradores. Um deles teria dito a elas que o veículo não iria para Serrambi.
Outra kombi parou em frente à padaria. Não havia passageiros. Era um veículo de cor branca, para-choque verde e, na porta lateral, havia um detalhe listrado. As vítimas “praticamente se jogaram na frente dessa kombi”, relatou Regivânia em depoimento durante audiência de instrução e julgamento do Caso Serrambi - fase anterior ao júri popular.
A testemunha disse que escutou quando Tarsila perguntou se aquela kombi ia para Serrambi e, logo depois, o cobrador se afastou para que as duas entrassem no banco da frente. O veículo seguiu viagem.
Regivânia deu mais características da kombi: parecia um furgão, era velha, fazia um forte barulho.
Em depoimento, ela reforçou que, no dia do fato, teve condições de identificar o cobrador da kombi com clareza, porque a iluminação do local era boa. Disse ainda que reconheceu, com segurança, que Valfrido era o cobrador que se afastou do banco da kombi para que as adolescentes pudessem entrar nela.
Regivânia relatou também que Tarsila usava um vestido na cor laranja e estava descalça. Tinha uma pulseira e óculos para prender os cabelos, como se fosse uma tiara. Já Maria Eduarda usava um short branco florido com detalhes verdes e camiseta branca com uma pintura na parte dos seios. Também estava descalça.
A testemunha, durante a audiência, lembrou ainda que, durante a reconstituição dos últimos momentos em que as adolescentes foram vistas com vida, várias fotografias de kombis foram mostradas e que reconheceu em qual delas as vítimas entraram.
Interessante destacar que, na decisão de levar os irmãos kombeiros a júri popular, a juíza Andréa Calado da Cruz pontuou que “vê-se, em atenta análise, que o depoimento da testemunha Regivânia Maria da Silva encontra-se em harmonia com as provas produzidas nos inquéritos policiais e em Juízo, inexistindo nos autos real fundamento para negar-lhe validade ou credibilidade”.
A decisão foi assinada em 27 de fevereiro de 2009, cerca de um ano e meio antes do júri popular.
No dia 14 de abril de 2023, a reportagem do JC esteve no mesmo endereço onde Regivânia disse ter visto as adolescentes entrarem na kombi em direção a Serrambi. Ela foi procurada, mas vizinhos relataram que havia se mudado. Não informaram o novo endereço nem telefone para contato.