As vítimas de violência policial em Pernambuco têm um perfil definido: em geral, são negras e com idades entre 12 e 29 anos. É o que mostra o novo levantamento da Rede de Observatórios da Segurança, divulgado nesta quinta-feira (16).
No ano passado, o Estado registrou 91 mortes decorrentes de intervenção policial. Em 87 dos casos, os boletins de ocorrência informaram a cor e a raça das vítimas. O estudo apontou que 90% delas eram negras. Além disso, 67% eram adolescentes ou jovens.
Segundo Censo do IBGE 2023, 65,09% da população pernambucana se identifica como negra - o que reforça que a quantidade de mortes de pessoas com essa cor é muito superior.
O boletim "Pele Alvo: a bala não erra o negro", produzido anualmente, indicou ainda que Pernambuco apresenta uma porcentagem de negros vítimas da violência policial acima da média nacional.
De 3.171 registros de morte em oito estados brasileiros analisados, com informação de cor/raça declaradas, os negros somaram 87,35% (2.770 pessoas).
Nesta edição, além de Pernambuco, foram avaliados os números e registros de Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.
"MARGINALIZADOS E SEM DIREITOS"
"É perceptível o quanto a violência toma uma nova forma ao chegar na juventude. Marginalizados e sem direitos e acessos básicos, corpos negros nas periferias são alvos de execuções brutais pela polícia, tendo o racismo como motor para esses eventos de violência", afirmou a socióloga Edna Jatobá, que coordena o Observatório em Pernambuco.
"Seja na capital ou nas demais cidades, a dinâmica do racismo tem historicamente estigmatizado corpos negros, majoritariamente jovens, sobretudo nas ações realizadas pelas polícias. O descaso é ainda maior quando os casos acontecem no interior do Estado, pois existe uma enorme falta de assistência e políticas públicas voltadas para essas regiões", completou.
VIOLÊNCIA POLICIAL NO RECIFE
Assim como no ano anterior, em 2022 todas as pessoas mortas pela polícia no Recife eram negras. Com 11 óbitos, o município liderou em quantidade de ocorrências registradas.
Igarassu aparece em segundo lugar, com sete mortes. Em seguida, Olinda aparece na lista com seis. Em todos esses casos, as vítimas eram negras.
No ano passado, o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) instaurou inquérito civil para investigar e cobrar do governo do Estado medidas contra a alta taxa de negros mortos em ações da polícia.
IMPLEMENTAÇÃO DAS BODYCAMS ATRASA EM PERNAMBUCO
Apesar de já ter sido comprovada a importância das câmeras corporais para redução da letalidade policial em vários estados brasileiros, Pernambuco segue atrasado na implementação dos equipamentos nas fardas dos policiais militares.
No final do mês de agosto, a Polícia Militar chegou a anunciar que a fase de testes com o efetivo do 17º Batalhão, com sede em Paulista, no Grande Recife, já havia sido concluída e que o uso definitivo começaria em setembro. Mas isso não ocorreu. E nem há novo prazo para isso.
O uso das câmeras corporais, que gravam sons e imagens, é uma forma de identificar possíveis excessos cometidos em ações policiais e punir aqueles profissionais que não respeitam as leis. O equipamento se torna ainda mais relevante e necessário num período em que há escalada da letalidade policial em vários estados brasileiros - incluindo Pernambuco.
De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS), 95 mortes durante intervenções de agentes de segurança foram somadas em Pernambuco entre janeiro e setembro de 2023. No mesmo período do ano passado, foram 66. Isso significa que houve um crescimento de 43,9% nos casos.
A CADA 4 HORAS, UM NEGRO MORTO A BALA
O boletim revela que a cada quatro horas uma pessoa negra foi morta, em 2022, pela polícia nos oito estados monitorados.
"São quatro anos de estudo e nos causa perplexidade e inquietação observar que o número de negros mortos pela violência policial continua a representar a imensa maioria de um total elevado de vítimas", disse a cientista social Silvia Ramos, coordenadora nacional da Rede de Observatórios.
"Ainda lidamos com uma prática de negligenciamento do perfil dos mortos por agentes de segurança, fato que impacta diretamente no desenvolvimento de políticas públicas que possam mudar essa realidade e efetivamente traga segurança para toda a população", acrescentou.
AUDIÊNCIA PÚBLICA DISCUTE TEMA
Nesta quinta-feira, a partir das 14h, o Fórum Popular de Segurança Pública de Pernambuco (FPSP/PE) estará presente na audiência pública "O aumento da violência letal e a situação da Segurança Pública em Pernambuco", na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
Foram convidados para o encontro gestores públicos, parlamentares, movimentos sociais, redes e organizações da sociedade civil e familiares de vítimas da letalidade policial.
A audiência foi solicitada pelo Fórum à Comissão Cidadania, Direitos Humanos e Participação Popular da Alepe, que promoverá o encontro por meio dos mandatos da deputada estadual Dani Portela (Psol) e João Paulo Oliveira (PT), presidenta e membro da Comissão, respectivamente. O evento é aberto ao público.
O QUE É A REDE DE OBSERVATÓRIOS?
A Rede de Observatórios da Segurança atua na produção cidadã de dados com rigor metodológico em oito estados, em parceria com instituições locais. O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.
É realizado o acompanhamento de indicadores de segurança junto a parceiros como a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, da Bahia; o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), do Ceará; a Rede de Estudos Periféricos (REP), do Maranhão; o Grupo de Pesquisa Territórios Emergentes e Redes de Resistência na Amazônia (TERRA), do Pará; o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco; o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (NUPEC), do Piauí; e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), de São Paulo.