Notícias sobre segurança pública em Pernambuco, por Raphael Guerra

Segurança

Por Raphael Guerra e equipe
VIOLÊNCIA

Mais de 18% dos assassinatos de crianças e adolescentes ocorreram em ações da polícia

Estudo revela que adolescentes do sexo masculino e negros foram as principais vítimas de mortes violentas nos últimos três anos no País

Cadastrado por

Raphael Guerra

Publicado em 13/08/2024 às 15:00
Victor Kawan, de 17 anos, morreu após ser baleado em uma perseguição policial no Recife, em dezembro de 2021 - ALEX OLIVEIRA/JC IMAGEM

O número de crianças e adolescentes assassinados no Brasil caiu ao longo dos últimos três anos, mas a porcentagem de vítimas em intervenções policiais cresceu. Esse foi um dos resultados da segunda edição do relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, lançada nesta terça-feira (13) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

No total, 15.101 pessoas com faixa etária de 0 a 19 anos foram vítimas de mortes violentas intencionais no País entre os anos de 2021 e 2023. Desse total, 91,6% tinha entre 15 e 19 anos. Além disso, 82,9% eram pretos ou pardos e 90% do sexo masculino. 

No caso de adolescentes, com idades superiores a 15 anos, as mortes violentas remetem a um contexto de violência armada urbana. A maioria foi assassinada em via pública (62,3%), e por pessoas que a vítima não conhecia (81,5%).

Isso pode ter relação com o avanço das organizações especializadas no tráfico de drogas, que aliciam adolescentes em situação de vulnerabilidade para o crime com promessas de melhores condições de vida - reflexo da ausência do Estado. Há ainda casos em que essas vítimas foram mortas por causa de dívidas pelo uso de drogas cada vez mais precoce. 

Mas chama a atenção no estudo o aumento, ano a ano, das mortes ocorridas em intervenções policiais. Em 2021, o levantamento indicou que 14% das mortes violentas de crianças e adolescentes no País ocorreram em ações policiais. Em 2022, a porcentagem subiu para 17,1%. No ano passado, chegou a 18,6%.

"A análise da taxa de mortalidade por faixa etária revela o quanto a interação entre adolescentes de 15 a 19 anos com a polícia tem se mostrado violenta. Enquanto a taxa de letalidade provocada pelas polícias entre habitantes com idade superior a 19 anos é de 2,8 mortes por 100 mil, no grupo etário de 15 a 19 anos a taxa chega a 6 mortes por 100 mil habitantes, 113,9% superior à taxa verificada entre adultos", pontuou o estudo.

Apenas em 2023, foram quase 900 vidas perdidas em decorrência de intervenções policiais. O Amapá registrou 61,1% de aumento nos casos, liderando entre os estados brasileiros. A Bahia teve a segunda maior variação, 19,4% em relação a 2022. 

"É importante que haja um protocolo mais claro das abordagens e do uso da força pelas polícias, tendo em vista que os principais alvos são os jovens pretos e pobres da periferia", avaliou a socióloga Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

MORTE EM ABORDAGEM POLICIAL AINDA SEM DESFECHO

O estudante Victor Kawan Souza da Silva, de 17 anos, foi morto durante uma abordagem policial ocorrida no bairro de Sítio dos Pintos, Zona Norte do Recife, em 11 de dezembro de 2021. O adolescente negro estava com um amigo numa moto quando passou a ser seguido por uma viatura policial. 

Pouco depois da perseguição, Victor, que estava na garupa, foi baleado. Ele chegou a ser levado para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), mas já estava morto.

Os policiais alegaram que o tiro foi disparado porque, durante a tentativa de abordagem, os garotos teriam reagido. Victor estaria sem capacete. Na época, a PM afirmou que um revólver calibre 38 com seis munições havia sido apreendido. Testemunhas negaram toda a versão da polícia.

Denúncia do Ministério Público indicou que os PMs simularam que o adolescente estava com uma arma de fogo e que o corpo dele foi retirado da cena do crime, a pretexto de socorrê-la, inviabilizando a realização de perícia que poderia elucidar os fatos. Exames do Instituto de Medicina Legal (IML) apontaram que a vítima morreu rapidamente.

Em outubro de 2022, os cabos José Monteiro Maciel de Lima e Clezya Patrícia de Souza Silva foram presos preventivamente e se tornaram réus homicídio doloso duplamente qualificado (motivo torpe e sem chance de defesa da vítima) e homicídio tentado (este último contra o amigo de Victor). 

Atualmente, eles estão aguardando julgamento em liberdade. Em junho deste ano, atendendo a um pedido da defesa dos militares, a Justiça determinou que fosse realizada uma nova reprodução simulada da perseguição e morte de Victor. Só após esse resultado, o processo deve seguir e será definido se os PMs vão a júri popular. 

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VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO PAÍS

A nova edição do relatório também destacou a violência sexual no País. E constatou que as crianças e adolescentes do sexo feminino são a ampla maioria das vítimas, representando 87,3% dos casos nos últimos três anos.

Considerando ambos os sexos, a maior parte das vítimas (48,3%) tem entre 10 e 14 anos. Ainda assim, mais de 35% dos crimes foram contra crianças de até 9 anos. 

Os registros de violência sexual também cresceram no País, mas este aumento tem sido ainda mais expressivo quando se trata de crianças mais novas. Em 2021, foram 17.253 casos registrados contra
vítimas de até 9 anos. Em 2023, o número aumentou e chegou a 22.930 na mesma faixa etária.

"A sociedade precisa compreender que a violência sexual ocorre dentro das casas de milhões de brasileiros, afetando meninos e meninas que muitas vezes sequer conseguem identificar esse crime. O Estado precisa investir em educação sexual e oferecer espaços para proteger essas crianças e defendê-las de seus agressores", disse Samira Bueno. 

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"É urgente que os governantes tenham como prioridade acelerar o enfrentamento da violência letal e sexual contra as crianças, adotando políticas e intervenções que podem efetivamente prevenir e responder às violências", pontuou Youssouf Abdel-Jelil, representante do Unicef no Brasil.

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