Falta transparência no uso de reconhecimento facial na segurança pública, aponta estudo

Pesquisa identificou que 18% dos projetos ativos analisados no País não contam com qualquer tipo de transparência em relação aos dados

Publicado em 03/10/2024 às 10:35

O investimento em tecnologias de reconhecimento facial para identificar e prender criminosos cresceu no País nos últimos anos. Mas especialistas seguem identificando falhas em relação à prestação de contas e proteção de direitos fundamentais. 

Um novo estudo, divulgado nesta quinta-feira (3), analisou 50 dos 282 projetos de reconhecimento facial ativos no País e apontou que 18% apresentam índice de transparência igual a zero, e mais de 70% têm índice inferior a 4, em uma escala de 0 a 10.

A pesquisa "Vigilância por Lentes Opacas: Mapeamentos da Transparência e Responsabilização de Projetos de Reconhecimento Facial no Brasil" foi realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) em parceria com o Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN).

A maior nota foi de São Paulo, com 6,5 pontos, mas o município nega informações básicas à população, como o número de prisões realizadas com o uso de reconhecimento facial e o software utilizado.

A pesquisa aponta que o País enfrenta níveis de transparência incompatíveis com políticas públicas democráticas.

Em Pernambuco, policiais usaram as câmeras pela primeira vez no último desfile do Galo da Madrugada, em fevereiro deste ano. Na ocasião, capturaram um homem que tinha um mandado de prisão em aberto por falta de pagamento de pensão alimentícia

Dias antes, o Ministério Público Estadual chegou a ingressar com uma ação para impedir o uso da tecnologia, argumentando sobre a "possibilidade de massiva violação aos direitos fundamentais". A Justiça negou o pedido. 

COMO FUNCIONOU O ESTUDO?

O novo estudo dividiu a análise dos projetos de reconhecimento facial entre transparência ativa, que se refere à divulgação espontânea de informações, e transparência passiva, relacionada à resposta a pedidos de informação via Lei de Acesso à Informação (LAI).

Em termos de transparência ativa, 34% apresentaram índice zero, ou seja, não disponibilizam qualquer informação pública em seus sites.

Já na transparência passiva, 44% dos projetos pontuaram zero por não responder a nenhum dos pedidos de informações via LAI (Lei de Acesso à Informação). 

"A quantidade de projetos que encontramos com baixíssimos índices de transparência revela um cenário muito preocupante. A gente tem uma política que procura aumentar a visibilidade do poder público em relação às cidades, ao mesmo tempo em que há um processo de aprofundamento da opacidade do Estado em relação a essas câmeras", avaliou Pablo Nunes, coordenador geral do CESeC.

OCULTAÇÃO DE INFORMAÇÕES

A pesquisa apontou que em 55% dos projetos de reconhecimento facial não há identificação das empresas fornecedoras, 32% não divulgam quem são os operadores da tecnologia e 55% não informam sobre o órgão responsável pela licitação.

Além disso, 72% dos projetos não revelam como a tecnologia foi adquirida e 47% não informam o custo total dos sistemas. No total, os custos de operação dos 50 projetos avaliados ultrapassam R$ 969 milhões, a Bahia concentrando 68% desse valor gasto.

"Isso revela uma gestão e governança ineficazes de projetos extremamente sensíveis que colocam em risco direitos e garantias fundamentais. Fica evidente a não observância de princípios basilares da administração pública como a transparência, legalidade e interesse público", afirmou Cynthia Picolo, diretora-presidente do LAPIN

NEGAÇÃO DO USO DO RECONHECIMENTO FACIAL

Em alguns casos, órgãos públicos negam o uso da tecnologia de reconhecimento facial, mesmo havendo indícios ou documentos que comprovem sua utilização.

No Amapá, a Polícia Civil, segundo informações em seu próprio site, utiliza reconhecimento facial para capturar foragidos da justiça. No entanto, ao responder a um pedido via LAI, a instituição negou o uso de softwares de reconhecimento facial.

Em Goiás, a prefeitura de Mineiros também negou, via LAI, o uso dessa tecnologia, apesar de existir um contrato com uma empresa especializada para sua implementação em vias urbanas.

EM PERNAMBUCO, CRÍTICAS ÀS CÂMERAS CONTRA "VADIAGEM"

O governo de Pernambuco está perto de escolher a empresa que irá instalar 2 mil câmeras de videomonitoramento nas ruas e avenidas com maior incidência de crimes. Uma das novidades é o uso de softwares com detecção de "vadiagem".

O termo consta no edital de licitação e foi alvo de críticas recentes de especialistas, que apontam possíveis brechas para perseguição de grupos minorizados.

No termo de referência, o governo de Pernambuco indica que pretende adquirir a licença de 598 unidades do analítico de imagem com detecção de "vadiagem". A tecnologia promete a análise e detecta de forma automatizada situações consideradas suspeitas ou evento apontados como fora do padrão de comportamento.

Em 2022, a Prefeitura de São Paulo publicou edital semelhante, inclusive com reconhecimento de pessoas pela cor da pele, mas voltou atrás após pressão popular.

Em nota, a Secretaria de Defesa Social (SDS) argumentou que "assim como acontece com as câmeras de reconhecimento facial que se baseiam em fotos de foragidos, a tecnologia é apenas um indicativo que auxilia as forças policiais, jamais funciona como veredito ou substitutivo da atuação das polícias".

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