Raio-x inédito revela como atuam os assaltantes de ônibus no Grande Recife
Levantamento, com base em dados oficiais da Secretaria de Defesa Social, aponta municípios e turnos com maior número de ocorrências
Os passageiros que usam o transporte público para se locomover na Região Metropolitana do Recife (RMR) convivem diariamente com o medo de assaltos, sobretudo no horário da noite e madrugada - quando há menos movimentação e iluminação nas ruas e avenidas. Somente no primeiro semestre deste ano, 229 roubos a ônibus foram registrados pela polícia.
Um levantamento inédito da Secretaria de Defesa Social (SDS), obtido pelo JC via Lei de Acesso à Informação (LAI), revela como atuam os assaltantes no transporte público. Apontam, por exemplo, que o Recife concentrou a maior quantidade de ocorrências no primeiro semestre deste ano. Ao todo, 128 registros. Em segundo lugar, com 37 casos, aparece Olinda.
"Em cada área, observamos que há um perfil específico de atuação. Na área central do Recife, por exemplo, muitas vezes o criminoso age sozinho, usando faca para abordar as vítimas nos coletivos. Já em Olinda, é mais comum o uso de arma de fogo", contou a delegada Kelly Luna, adjunta da Diretoria Integrada Metropolitana da Polícia Civil de Pernambuco.
De acordo com o gerente-geral do Centro Integrado de Operações de Defesa Social e coordenador da Força-Tarefa Coletivos, coronel Alexandre Tavares, a polícia já observou que muitos roubos a ônibus são cometidos pelos mesmos criminosos.
"Em geral, essas pessoas que cometem esse tipo de crime tem uma organização precária. Elas praticam os assaltos perto de áreas em que residem, ao encontrarem ambientes propícios, como pouco movimento e baixa iluminação. Na maioria das vezes, eles usam armas brancas ou simulacros de arma de fogo", pontuou.
"A gente percebe também que eles conseguem subtrair valores baixos e que, em algumas situações, são trocados por drogas. Há pessoas também que já ficam prontas para recepcionar os celulares roubados dos coletivos", completou.
Dos 229 assaltos a ônibus no primeiro semestre, 79 inquéritos foram instaurados para identificar os autores. A delegada Kelly Luna explicou que alguns dos casos tinham correlação, por isso foram apurados em um mesmo inquérito para facilitar o trabalho da polícia.
Nove investigações ainda estão sem conclusão, ou seja, 11,4%, segundo dados obtidos via LAI.
De acordo com a Polícia Civil, dez suspeitos foram capturados em uma única operação realizada em outubro. Isso resultou na conclusão de 20 inquéritos.
VIDA PERDIDA
Mais de 700 mil passageiros usam o transporte público na RMR, segundo o Grande Recife Consórcio de Transporte. A violência não gera apenas prejuízos financeiros e traumas para quem está nos coletivos. Também pode resultar na perda de vidas.
Foi o que aconteceu com o universitário Gean Carlos Lopes Júnior, de 20 anos, durante um assalto na área central da capital pernambucana.
Depois de largar do trabalho como operador de caixa em uma casa de shows, ele entrou em um ônibus BRT da linha 2450 - Camaragibe/Conde da Boa Vista, no bairro de Santo Antônio, para voltar para casa, na noite de 1º de maio deste ano. Esse turno é o de maior número de assaltos na Região Metropolitana, de acordo com o levantamento inédito da SDS. Representou 69,3% dos casos contabilizados no primeiro semestre.
Pouco depois de entrar e sentar em uma das cadeiras do coletivo, no cruzamento das avenidas Guararapes e Dantas Barreto, Gean Carlos foi surpreendido pela ação de três criminosos que invadiram o meio de transporte.
Imagens de uma câmera de segurança mostraram o momento em que houve a abordagem aos poucos passageiros que estavam no ônibus, incluindo o universitário. Ele teria se negado a entregar o celular. Gean acabou esfaqueado no abdômen e na perna por um dos criminosos.
"Meu filho era muito ingênuo. Eu sempre pedia para ele evitar andar de ônibus, porque eu já morei no Recife e sabia da violência. Eu oferecia dinheiro para ele pegar Uber, mas ele achava que não tinha perigo", contou a mãe do universitário, Cinara Patrícia.
Nas semanas seguintes ao latrocínio, os acusados pelo crime foram presos. Atualmente, eles aguardam audiência de instrução e julgamento.
Gean deixou a casa da família, em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, para morar no Recife, onde estudava ciências do consumo na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Ele era militante da União da Juventude Socialista e colaborador do Circuito Universitário de Cultura e Arte de Pernambuco (CUCA-PE).
"A gente ia se encontrar no Dia das Mães. Ele ia me fazer uma surpresa", lamentou a mãe, que cobra justiça.
"Vivo numa montanha-russa. Às vezes, perdoo quem fez isso com o meu filho. Mas quero que eles paguem. A gente queria era prisão perpétua", disse Cinara.
COBRANÇA POR MAIS SEGURANÇA
A Polícia afirma que, no acumulado de janeiro a novembro deste ano, houve uma queda de 12,9% nos roubos a ônibus - quando comparado com o mesmo período de 2023. Mas, o número de ocorrências segue alto e preocupante, sobretudo em alguns meses do ano, quando foram observados picos de crimes.
Em agosto de 2024, por exemplo, a polícia somou 71 roubos a coletivos no Grande Recife. A quantidade foi a maior dos 40 meses anteriores. E mais da metade dos casos ocorreu na capital pernambucana.
Novo presidente do Sindicato dos Rodoviários de Pernambuco, Roberto Carlos cobrou mais ações para evitar os assaltos no transporte público. Declarou também que o número de ocorrências é maior do que o contabilizado oficialmente pelo governo estadual.
"Muitas vezes, as vítimas vão para a delegacia e passam horas esperando para registrar a queixa, mas os casos não são investigados. Ou pior: os assaltantes são presos, mas liberados em audiência de custódia e voltam a cometer crimes. Tem gente que até desiste de fazer o boletim de ocorrência porque sabe que não vai acontecer nada", disse.
Para Roberto Carlos, a polícia precisa realizar mais rondas nas áreas onde há mais registros de assaltos, com abordagens dentro dos coletivos.
"Muito motorista me liga dizendo que a polícia só para o ônibus, pega o nome dele e libera, sem entrar no veículo e verificar se algum passageiro está armado. No meu ponto de vista, não há efetivo à altura. A polícia tem condições de fazer o levantamento das áreas mais críticas para realizar blitz", criticou.
O JC solicitou, por meio da LAI, quais as linhas de ônibus e bairros mais afetados pelos assaltos. Mas a resposta apresentada foi a de que o Sistema Infopol, da SDS, não dispõe desses dados.
Roberto Carlos afirmou que pretende, no começo de 2025, procurar o Ministério Público, a Assembleia Legislativa do Estado e o secretário de Defesa Social, Alessandro Carvalho, para dialogar sobre as medidas necessárias para garantir a segurança dos rodoviários e passageiros.
"Se medidas não forem adotadas, vou começar a fazer protestos nas garagens (das empresas de ônibus)", afirmou.
PM DIZ QUE FAZ 10 MIL ABORDAGENS POR MÊS
Em 2016, diante do alto número de assaltos, a SDS criou a Força-Tarefa Coletivos para planejar, em conjunto com todas as operativas policiais, ações de combate a esses crimes.
À Polícia Militar, coube o reforço nos principais corredores de ônibus e com maior número de registros. O coronel Alexandre Tavares afirmou que as abordagens são realizadas todos os dias nos corredores viários mais perigosos da RMR.
"Atualmente, todos os 12 batalhões participam da Operação Transporte Seguro, com abordagens de domingo a domingo nos coletivos. São cerca de 10 mil por mês. Há uma quantidade muito grande de pessoas que dependem do transporte coletivo, por isso a gente tem essa ação como prioridade na segurança", explicou.
Áreas como a Avenida Sul, no Recife, e a PE-15, rodovia que liga o município de Olinda a Abreu e Lima, são algumas das prioritárias - por causa do alto índice de assaltos aos ônibus -, segundo o coronel.
"O efetivo entra nos ônibus, às vezes faz busca pessoal, checa celulares para saber se há queixa de roubo e pode solicitar a verificação de bolsas, para identificar armas brancas, por exemplo. Os passageiros que são encontrados com facas ou facões são conduzidos à delegacia. Essas abordagens reduziram os assaltos nos coletivos", disse Tavares.
"O que posso afirmar é que a polícia fica até o fim tentando identificar o autor dos crimes. O acesso às imagens de câmeras de segurança do Grande Recife Consórcio de Transporte sempre é liberado para a investigação, o que facilita o trabalho de identificação", disse a delegada Kelly Luna.