Zé Caradípia, no Bar do Marinho, Porto Alegre Turista é uma pessoa que nunca sabe exatamente onde está. Eu não sabia onde estava quando entrei no Bar do Marinho, em Porto Alegre, com o mineiro Kiko Ferreira, um jornalista de O Globo, Janjão, cujo nome com que assina no jornal nunca lembro, acho que mais alguém (não tenho certeza). Fomos levados todos por uma moça da assessoria do Acorde Brasileiro, evento de que participei com o Quinteto Violado pra falarmos sobre frevo pra uma plateia gaúcha interessadíssima no assunto. Este bar, me parece, tem história na noite boêmia da cidade, já teve movimento, abaixo-assinado, para que continuasse funcionado, leio cá uma matéria na Internet, comentando esta movimentação. Turista é sempre do “parece”. Me parece, pois, que neste bar é praxe haver um violão disponível pra quem quiser cantar ou tocar. E nesta noite tinha um cara com um violão. De boné, magro, muito branco, com traços de índio, o que é comum entre os gaúcho, e no resto do país, somos todos meio índios. A moça da assessoria convidou o cara do violão pra sentar em nossa mesa, já era bem tarde, pelo menos pra mim. Sou boêmio vespertino. Quase feito aqueles seresteiros da bela marcha de J.Michiles, Recife manhã de sol. Seresteiros que anunciam o anoitecer. Não sou de anunciar anoitecer, mas quase sempre tô em casa quando o alvorecer se anuncia, com ou sem seresteiros. Tergiversada à parte, o rapaz do violão veio à nossa mesa. Fomos apresentados, chamava-se Zé Caradípia, um nome que precisa de explicação. Vou tentar esclarecer. Piá significa índio, pelo que soube, no Rio Grande. Ou pelo menos em uma determinada região do Rio Grande. Então como esse violonista, já assinalei acima, tem jeito de índio, era conhecido, quando bem jovem, como Cara de Piá. Porém, visto que este “Piá”, parece-me, é termo meio em desuso, as pessoas às vezes o tratavam por “Cara de Pia”. A cara dele não tem jeito de pia. Aliás imagino que não exista nenhum ser humano cujo rosto se assemelhe a uma pia. Dai ele passou a se assinar Caradipia, tudo junto. Porém não adiantou muito, porque continuaram com o “cara de pia”. Assim já que o apelido tinha colado, ele fez por bem, e muito bem por sinal, de acrescentar um providencial acento agudo no primeiro “i”. Deu certo, e até hoje ele é conhecido por Zé Caradípia. Pelo pouco que nos mostrou, cantando e acompanhando-se ao violão, Caradípia é um bom compositor, faz o que se convencionou rotular de MPB. Ele foi contratado de uma gravadora grande no Rio, teve músicas em discos de gente conhecida, mas é o que os americanos tratam por one-hit-wonder. Artista de um único sucesso. Quem canta seu grande sucesso é Zizi Possi, uma toada bonita, intitulada Asa morena, que é também quase que o único sucesso Zizi. Como todo autor de um só sucesso Caradípia ao mesmo tempo em que tem orgulho de cantar sua música mais conhecida, é refém dela. Se vai fazer um show em um bar, num clube de interior, fatalmente, no cartazete, abaixo do seu nome, vem o título da música que as pessoas conhecem, embora muitas nem tenham ideia do autor. “Hoje, show com Zé Caradípia – autor de Asa morena (Zizi Possi)”. Não conversei com Caradípia, o autor de Asa morena, música que, obviamente, ele cantou pra gente. Durante as três taças de vinho que entornei no Bar do Marinho só o ouvi cantar. Como comentei alhures, canções bonitas. Uma delas de protesto, feita pra uns estudantes, não recordo quando, nem em que situação. No hotel lembrei-me do autor de Asa morena, e pensei nos muitos autores de uma música só que existem por ai. É obviamente ainda maior o contingente de autores que merecem, mas nunca conseguiram um único sucesso. Como muito bregueço neste mundo, o sucesso não tem explicação, são inescrutáveis seu desígnios. "Asa morena/me alivia a dor/aliviando a dor que mata/me faz ser seu amor”, acho que são assim os versos iniciais do único sucesso de Zé Caradípia, cujo nome verdadeiro, quase me esqueço de dizer, é José Luiz Fernandes. Confiram Zé Carapídia, e Eliza, em Asa morena: