A poesia urbana e libertária de Jorge Lopes ganha coletânea pela Cepe

A Gênese do poeta e multiartista Jorge Lopes é libertária e coletiva. "Sou um rei sem súditos./ Um gênio que não concede desejos./ Homem do futuro,/ Pulsa em mim a eternidade", se apresenta o próprio autor na poesia que abre o livro Poemas Reunidos (94 pgs., R$ 20), recém-lançado pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe).

Ícone do movimento poético urbano pernambucano, Jorge fez das ruas do Recife sua história e sua arte entre as décadas de 1970 e 1990, período de tempo que engloba os poemas escolhidos para a nova publicação. Conhecido em seu meio pelo seu pioneirismo como editor do fanzine Balaio de Gato, Jorge Lopes vive hoje no Cordeiro, bairro onde nasceu e para onde voltou após ter morado por anos nos bairros centrais da capital pernambucana.

De fato o Recife pulsa nos versos dos 36 poemas reunidos na coletânea e também nas suas lembranças. "Acho que sou o poeta mais urbano do meu tempo. A cidade vive entranhada em mim, as suas ruas, seus bairros.. Mas hoje a cidade é saudade, vivo no subúrbio e sou nostálgico", conta o artista de 68 anos. "O Recife mudou, a juventude é outra, os valores culturais parecem ter se perdido um pouco. Me sinto velho, mas estou extremamente feliz por ter a oportunidade de publicar esse trabalho pela Cepe."

Poesia atemporal

As ideias de justiça, liberdade e resiliência - palavras tão em voga - já ressoavam 30 anos atrás nos escritos de Jorge Lopes, tornando a leitura de Poemas Reunidos extremamente atual. Em tempos de confinamento compulsório devido ao avanço assustador do coronavírus, poder mergulhar em versos como os dos poemas Poe, Lição, Réquiem e Bodas de Sangue trazem um alento e a certeza que certos obstáculos da vida são cíclicos.

"Eu sei que as coisas estão difíceis/ Mas precisamos manter a calma/ Não vamos nos sentir por baixo/ Porque sempre existe alguma coisa/ Pra nos completar (...) Nada de loucura/ Ou do contrário não sobreviveremos."                                                                            

Da atemporalidade de sua escrita, Jorge cultiva o hábito de se reler sempre, por isso não foi tão difícil escolher os poemas que entraram no livro. Mas ultimamente não tem se dedicado muito à escrita poética. "Eu estou escrevendo contos, trabalhando em romances inacabados e pintando. Mas a poesia é diferente da prosa, a prosa é trabalhada, enquanto a poesia para mim vem de repente, como um trovão", explica.

"Tenho muito orgulho de ter editado o Balaio de Gato. Hoje percebo a importância que a revista teve. Foi fundamental porque a poesia estava nas ruas e não apenas nos livros empoeirados, nós levamos a poesia para a praia, os mercados, todos os lugares."

O fanzine circulou entre 1989 e 1999, sem periodicidade certa. "O Balaio de Gato era lançado no susto, não tinha data anunciada. Quando chegava, era o maior desbunde na cidade", relembra. No total, foram 13 edições que ajudaram a divulgar nomes como os de Alberto da Cunha Melo, Erickson Luna, Fátima Ferreira, Jacy Bezerra, Celina de Holanda e Fred Caminha, grandes representantes da poesia local.

Dores existenciais e experiências amorosas também são temáticas que permeiam as poesias de Jorge Lopes. Poemas Reunidos conta ainda com dois textos de apresentação dos poetas Zé de Lara, amigo e contemporâneo do autor, e Juareiz Correya, primeiro editor a publicar Jorge. Em sua marginalidade, a obra deste poeta representa uma contribuição histórica e central para a memória da poesia pernambucana.