Hugh Jackman fez carreira como um dos grandes astros de blockbusters nas últimas duas décadas, especialmente como Wolverine, personagem que interpretou por 16 anos em vários longas da franquia X-Men. Mas, uma faceta pouco conhecida do australiano é seu potencial dramático, capaz de dar vida a personagens complexos a partir da sutileza, como é o caso de seu trabalho mais recente, o filme Má Educação, que estreou recentemente na HBO.
No longa dirigido por Cory Finley, Jackman interpreta Frank Tassone, uma figura proeminente na cena educacional de Nova York. Sob sua gestão, a escola do distrito de Roslyn se tornou uma das escolas públicas mais conceituadas do estado americano, posicionando vários de seus alunos em universidades de prestígio, como Harvard. É neste cenário de aprovação e aparente prosperidade que o espectador é apresentado à dinâmica daquele centro de estudos.
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O primeiro ato do filme é dedicado a mostrar a personalidade acolhedora de Frank, sempre aberto a receber os estudantes e os pais, participar de atividades extracurriculares e incentivar seus pupilos a atingirem seu potencial máximo. É o caso de Rachel Bhargava (Geraldine Viswanathan), uma jovem designada a uma simples matéria para o jornal do colégio sobre um novo projeto educacional para o qual Frank e Pam Gluckin (a ganhadora do Oscar Allison Jenney), a outra administradora da instituição, buscam financiamento milionário.
Em busca de aspas de Frank, ela ouve dele que para um bom jornalista, tudo pode render uma boa matéria, basta investigar. O encorajamento de seus pupilos é quase automático para Frank, que tem uma memória treinada e lembra o nome de quase todos os alunos - estejam eles na escola ou já formados. Rachel resolve seguir o conselho do diretor e, ao investigar as contas da escola, percebe várias irregularidades, como compras de materiais superfaturados e até itens de ordem pessoal, como roupas.
A QUEDA
Simultaneamente à investigação dela, um descuido do filho de Pam expõe as falcatruas que ela vinha executando há anos, desviando o dinheiro da instituição para benefício público. O conselho da escola decide, então, afastá-la e, por orientação de Frank, o caso é abafado. Ele afirma que um escândalo prejudicaria a escola, faria com que caísse no ranking e inviabilizaria a aprovação do novo projeto. O prestígio de Frank - e as consequências da boa reputação da escola, como a valorização do mercado imobiliário, faz com que todos concordem.
Mas, a investigação de Rachel continua e acaba atingindo, também, Frank. O escândalo abalou os EUA: foram mais de 10 milhões de dólares desviados da escola para os mais variados fins, de reformas de casa a viagens para a Europa na primeira classe, passando por vários contratos fantasmas que beneficiaram Frank e pessoas próximas a ele.
O roteiro, escrito por Mike Makowsky, que era estudante na Roslyn quando o escândalo explodiu, em 2004, consegue criar camadas densas para explicar a complexidade de Frank. Com tudo ruindo ao seu redor, o personagem que ele criou por décadas - para os outros e para si - vai pouco a pouco desmoronando.
Hugh Jackman conduz esse espiral da decadência de Tassone com maestria. Sua atuação é pautada pelos detalhes e pelo autocontrole e a vaidade que regem o personagem. Frank é ambicioso, narcisista, corrupto e, ao mesmo tempo, é preocupado com seus alunos e, contraditoriamente, se importa com a qualidade da educação e com o futuro daqueles jovens.
O colapso das mentiras de Tassone cria espaço para momentos tocantes, como uma cena de dança em um bar LGBT, e um acesso nervoso do diretor frente a uma mãe de uma criança com dificuldades de aprendizado. A representação de Frank nunca cai em um lugar simplista, de dicotomia entre bem e mal. Há algo de desolador na necessidade que ele tem de esconder sua sexualidade, chegando até a inventar uma esposa falecida, para conseguir um lugar de “respeitabilidade” e sucesso na sociedade.
Ainda que, no final, opte por uma solução clichê para dar vazão aos delírios do protagonista, Má Educação é um filme que consegue tratar com complexidade de um escândalo real sem cair no sensacionalismo. A obra enfatiza a importância do jornalismo - constantemente atacado, hoje em dia, por autoridades nos EUA e no Brasil - e constrói personagens profundamente humanos.
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