Para além do mundo anglófono, a Netflix tem investido em produções originais em vários países em que oferece seus serviços, como Brasil, Espanha, México, França, entre outros. Recentemente, a empresa lançou Noite Adentro, sua primeira série criada e filmada na Bélgica. A obra mescla ficção científica, thriller e ação com um resultado coeso e instigante, que tem tudo para se tornar um novo sucesso da plataforma de streaming.
A série começa de madrugada em um aeroporto em Bruxelas, onde muito rapidamente são apresentados alguns passageiros que se destinam a Moscou, entre eles Sylvie (Pauline Etienne), que recentemente perdeu seu companheiro e tenta embarcar com as cinzas dele. Um pouco antes do amanhecer, os integrantes desse voo são surpreendidos pelo italiano Terenzio (Stefano Cassetti), oficial da Otan que invade a aeronave armado e ordena que ela decole, sem destino certo, apenas “para o oeste”.
Diante do pânico de todos a bordo, aos poucos descobre-se o porquê do desespero dele: por algum motivo desconhecido, o sol tem provocado a morte imediata das pessoas. Assim, eles precisam viajar sempre na direção oposta ao nascer da estrela, em uma tentativa frenética de sobrevivência. O choque da informação atinge cada um de forma distinta: aos poucos, descobre-se um pouco mais sobre as motivações de cada um para, inicialmente, estarem naquele voo e as razões pelas quais querem manter-se vivos, para além do instinto de autopreservação, o que adiciona camadas interessantes ao roteiro e às situações que irão se desenvolver.
Ao longo de seis episódios, a série consegue construir uma atmosfera de tensão constante que seguram o espectador, ainda que recorra a vários clichês. Inspirada em um livro do polonês Jacek Dukaj, a trama é particularmente bem-sucedida ao criar personagens que, ainda que operem dentro de alguns estereótipos, têm nuances e geram empatia. Os conflitos entre esses desconhecidos são atravessados por questões complexas, como xenofobia, por exemplo.
Não há, por exemplo, mocinhos e vilões. Em uma situação extrema em que a vida é colocada a prova a todo o momento, todos são capazes de ações boas e cruéis. Sob essa perspectiva, cada capítulo ajuda a revelar um pouco da personalidade dos que estão a bordo e as habilidades pessoais de cada um - seja na aviação, medicina, engenharia, ciência, entre outras - são essenciais para mantê-los a salvo.
As adversidades que se impõem vão além da simples corrida contra o sol: o fenômeno climático está transformando também a composição química dos alimentos e do combustível. Mas, neste primeiro momento, Noite Adentro parece menos interessada em explicar o que está causando o desastre e mais preocupada em dar corpo aos conflitos internos e externos da tripulação (uma vez em rota, todos ficam responsáveis por alguma função dentro da aeronave).
Apesar de aparentemente não contar com um grande orçamento e, portanto, tenha limitações em termos de efeitos especiais, a série consegue retratar bem o clima apocalíptico que propõe. Ainda que exista um clima de filme B, este é usado a favor da trama e nos ajuda a encara com mais leveza algumas situações que poderiam facilmente cair no risível, como uma aula de voo via tutorial do Youtube.
O roteiro é permeado ainda por momentos que dão pistas para o desenvolvimento de uma trama mais complexa, que deve ser melhor desenvolvida em temporadas futuras. Esse, inclusive, é um dos grandes trunfos dessa obra: ela entrega uma primeira temporada redonda e bem construída, abre espaço para desdobramentos e não deixa a audiência (totalmente) no escuro.