Durante a década de 1960 e 1970, o Brasil começou a importar com maior intensidade a moda dos cinemas drive-in, já muito sólida nos Estados Unidos e difundida no imaginário global pelos filmes de Hollywood. Por aqui, apenas um resistiu, o Cine Drive-In Brasília, inaugurado em 1973 na capital federal. O espaço, com vagas para 400 carros, chegou a ser fechado no começo da pandemia e reabriu em meados de abril, reduzindo o número de vagas pela metade e tomando outras medidas de segurança. Ainda assim, segundo uma reportagem da Folha de São Paulo, o cinema que chegava a receber entre 30 a 40 carros, passou a receber cerca de 150 veículos durante o período, vendendo 2800 ingressos em um fim de semana e chocando seus administradores.
A experiência vem enchendo os olhos de algumas empresas, como a rede Cinesystem que também abriu um drive-in em Praia Grande, a 71 km de São Paulo, com uma série de medidas de segurança, com orientações para ficar o tempo todo dentro do carro e, caso seja muito necessário, ir ao banheiro usando máscaras. Na capital, há planos para a criação de um drive-in no Allianz Parque, casa do Palmeiras e que também recebe diversos grandes shows. Segundo o portal Filme B, o Rio de Janeiro deve receber também um cinema a céu aberto até o fim do mês, no complexo Cidade das Artes.
O Recife também teve seus momentos de cinema ao ar livre, com um parabrisa entre a tela e o espectador. Por aqui, eles foram batizados de auto cine, se estabelecendo nos anos 1970 e prosseguindo até meados da década seguinte. O primeiro e o mais popular certamente é o Auto Cine Aeroclube, no Pina, considerado o primeiro drive-in do Nordeste. Sua inauguração foi em 12 de fevereiro de 1977, exibindo ironicamente Tubarão, um dos pais do cinema blockbuster, tão perto da Praia de Boa Viagem. Segundo os relatos da imprensa da época, o Auto Cine era instalado em uma área de 10 mil metros, com capacidade para 320 carros. Eram realizadas duas sessões durante a semana, uma infantil às 19h e outra às 21h. Finais de semana e feriados contavam com três, às 18h, 20h e 22h.
Para acompanhar os filmes, o público sintonizava uma certa frequência no rádio que transmitia o som da obra. Mas, relatos de pessoas que frequentaram o espaço na época relatam que o filme em si era secundário na diversão, com o descampado carregando uma atmosfera de socialização e romance. O professor de filosofia Anastácio Borges é um desses visitantes e relembra do período. "O filme ficava um pouco distante, era o que menos importava (risos). Dentro do carro era um ambiente de conversa e relação, muitas vezes a gente ia namorar", explica.
Em sua memória, ele lembra como a ideia do drive-in já era bem fincada antes mesmo da cidade receber um. No seu caso, suas lembranças são da abertura da animação Os Flinstones, mostrando Fred Flinstone levando a família para um auto cine pré-histórico. Fora das sessões infantis, a juventude dominava o espaço que carregava até uma certa aura de rebeldia. "Era aquela fase de transitar da adolescência para o mundo adulto. Aquele momento que a gente já roubava o carro do pai, muitas vezes sem carteira. Eu acho que os pais viam com certa reserva o local, tinha uma similaridade com a questão da sexualidade, dos moteis, um lugar de privacidade de noite. Não acho eram todas as moças que iam ao drive-in (risos) ", conta.
A arte educadora Rosana Bezerra compartilha essa memória sobre como o espaço era observado pelos olhares mais conservadores da sociedade. “Eu ia ou com meu namorado, ou com um casal de amigos. E o pai dessa minha amiga que também ia só autorizava se fosse comigo ou com alguma irmã. Lembro também de ter amigas que só iam escondido. O povo dizia que era uma lugar de safadeza e tinha gente que tinha receio de ser vista lá. Eu não tive esse problema porque minha família era mais 'vanguardista’ nesse sentido", relata.
Das sessões marcantes, lembra de assistir Tom e Jerry, satisfazendo seu apreço por filmes infantis, mas também tem boas memórias das sessões de Xica da Silva, de Cacá Diegues e Grease: Nos Tempos da Brilhantina. Rosana lembra do serviço de lanches, realizado por funcionários de patins que deslizavam entre os veículos e serviam os clientes pela janela. “A necessidade de ter um carro era realmente um fator determinante para estar lá, mas havia também o hábito de pegar arrego no carro dos outros e ir escondido. Via também frequentemente uns meninos que entravam de bicicleta, provavelmente escondidos”, conta.
Muito da experiência era pela novidade, tanto é que a iniciativa não sobreviveu por muito tempo. Ele chegou até ter um concorrente. No começo de 1983, o Auto Cine Joana Bezerra foi inaugurado em um estacionamento da Prefeitura do Recife, mas os tempos começavam a mudar e o entusiasmo já não era o mesmo. A chefe de cozinha e arquiteta Madalena Albuquerque acredita que um outro cenário em relação a violência urbana tornava a experiência mais possível, mas também lembra que não era algo totalmente confortável.
"Naquela época, a gente nem conhecia carro com ar-condicionado, então era sempre tinha calorzinho, às vezes um ventinho bom e impraticável quando chovia”, conta. E naquele descampado, a gente também era alvo frequente das picadas de mosquito", recorda. Ela se recorda de duas idas ao auto cine, com os primos quando veio de Nazaré da Mata passar um tempo com os primos no Recife e outra com o atual marido, então amigo na época. Um Dia de Sol foi o filme que lhe marcou dessa experiência, lembrando das lágrimas ao final da sessão e de como a trilha sonora acabou virando seu tema.
O drive-in à pernambucana realmente não chegou perto da força cultural do seu primo ianque. O professor e cineasta Alexandre Figueirôa lembra de ter ido umas duas vezes ao auto cine, mas não conseguiu sentir muita empolgação com a experiência, diferente do que sentia com o circuito de cinemas de rua que frequentava em Casa Amarela, como o Coliseu e Albatroz. “Eu confesso que não tive muito tesão, fui mais pela novidade, da coisa que a gente via nos filmes americanos. Lembro de ter ido com um amigo e a gente mais conversou e tomou cerveja do que viu o filme. Era meio que uma cópia daqueles drive-ins que eram super charmosos e tinham toda uma mística, mas aqui não consegui entrar nessa sintonia”, relata.
Na década de 1930, a mãe de Richard Hollingshead, empresário do ramo de peças automobilísticas, não se sentia confortável nas cadeiras dos cinemas, muito pequenas para seu gosto. Ele então colocou um projetor em cima de seu carro e esticou um lençol branco entre duas árvores, na garagem de sua casa, no estado de Nova Jersey. O resultado agradou e logo foi testando melhorias, como proteção para mudanças climáticas. Decidiu patentear sua ideia e, em 1933, inaugurou a primeira Park-In Theaters, com vaga para 400 carros e com o slogan “Toda a família é bem-vinda, independente de quão barulhenta sejam as crianças”.
A iniciativa vingaria nas décadas seguintes, com mais de 4 mil cinemas drive-in espalhados pelo país, em espaços que logo fariam parte do imaginário da cultura cinematográfica norte-americana. Majoritariamente permeado por filmes B, alguns até conseguiam exibir as grande estreias dos cinemas convencionais, com o céu aberto como arquitetura principal. Mas, para muitos, a cultura do drive-in nem sempre era sobre o filme, mas sobre o romance dentro da privacidade do veículo. Um programa frequente nos encontros dos namorados.
Contudo, as coisas começam a esfriar na década de 1970, com as crises no preço do petróleo afetando esses empreendimentos, que foram minguando até chegar no número de aproximadamente 300 estabelecimentos atualmente. Mas, com a chegada do coronavírus e até um pouco antes, os cinemas drive-in começaram a viver um momento de reaquecimento, por conta de seu ambiente de maior segurança e distância entre o público. Durante esses dias de isolamento, jornais como o The Washington Post e o New York Times vêm reportando um leve renascimento desses espaços e também a tendência de popularidade deles com a vinda nas medidas de afrouxamento do isolamento social.