Modelos denunciam racismo no mercado da moda brasileira

"Exposed" iniciado pela top model Thayná Santos já dura seis dias e tem centenas de relatos
Carolina Fonsêca
Publicado em 09/06/2020 às 19:31
A modelo Thayná Santos (esquerda) incentivou colegas de profissão a relatar casos de racismo. A top Diara Rosa (direita) foi uma das que contou experiências racistas que viveu. Foto: REPRODUÇÃO/INSTAGRAM


"Quantas vezes já escutei que cabelo afro não vende". "É terrível ser a única negra de um trabalho, você sabe que não te escolheram porque você é profissional, mas por causa da cota". "Já vi fotógrafos dizendo que a luz não estava boa porque as modelos eram negras". "Ele e o assistente comentaram, 'gosto do look no corpo, mas e esse cabelo, faz o quê? Não dá para prender'". "Ele foi separando as modelos pela nossa cor". Essas frases foram retiradas de alguns relatos sobre racismo feitos por modelos brasileiras negras à top model Thayná Santos via Instagram. 

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Há seis dias Thayná iniciou um movimento em sua conta na rede social para que modelos que já sofreram racismo contassem seus relatos. A top postou um story com o recurso de perguntas e abriu o espaço prometendo não revelar nomes das modelos que enviassem suas histórias. Este foi o ponto de partida para uma série de revelações sobre racismo na moda brasileira.

"Eu não trabalho para racista. Dê nome aos bois", motivou Thayná. Os relatos foram muitos. Continuam sendo, na verdade. Até o momento, só no perfil dela já constam cinco destaques com centenas de stories reunindo relatos de modelos, stylists e bookers e reposts da repercussão, além da resposta de uma estilista exposta pelos modelos: Glória Coelho. 

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Os nomes de Glória e do seu ex-marido, o também estilista Reinaldo Lourenço, foram frequentemente citados nos relatos de racismo. Nos depoimentos, os mais diversos episódios. Conivência das agências de modelos, excluindo as modelos dos castings mesmo antes de eles acontecerem, esperar por horas para a prova de roupa e ser ignorada pela equipe, separação de modelos por cor e comentários preconceituosos sobre cabelos afros são alguns dos exemplos.

Após alguns dias de repercussão, apenas Glória entrou em contato com Thayná, via mensagem direta, com uma resposta. Ela se desculpou e afirmou estar comprometida em ser melhor. "Sinto muitíssimo que você ou qualquer outra menina tenha se sentido desprivilegiada ou sem acesso às mesmas oportunidades dentro da minha marca e do sistema de moda", iniciou. "Estou comprometida em ouvir, me educar, educar aos que me rodeiam, e incluir mais criatividade e diversidade em minha marca. Estou ouvindo todas vocês, e quero que tenhamos este canal aberto para fortalecermos essa luta e traçarmos um novo caminho, mais justo e inspirador, para a moda brasileira", completou. 

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Antes da iniciativa de Thayná, o feed da conta de Glória Coelho no Instagram era majoritariamente composto por fotos de suas coleções em modelos brancas. Nos últimos cinco dias, a conta teve 30 novos posts - alguns de fotos repetidas - com modelos pretas e asiáticas. 

Thayná não postou resposta de Reinaldo Lourenço até a publicação deste texto. Porém, o estilista havia feito um post da tela preta, no último dia 2 de junho (terça-feira), encorpando o movimento #BlackOutTuesday. Entretanto, deletou o post depois do surgimento dos relatos de racismo praticados por ele. 

Diara Rosa

A modelo baiana Diara Rosa, que já trabalhou com marcas como Gucci, Valentino e Tom Martins, também usou seu perfil no Instagram para desabafar. Em uma série de stories, Diara defendeu que é preciso tornar público tudo o que modelos negros já sofreram nos bastidores da moda. 

"Há décadas vivemos esse racismo. Vou falar um pouco do que aconteceu comigo nos meus trabalhos, o que os clientes falaram pra mim na época, que eu não conseguia falar, não conseguia me defender, ficava com medo e hoje vou falar mesmo. A gente não pode ter medo de cliente, não pode ter medo de ninguém. A gente não pode se calar", disse. "A gente tem que falar mesmo o que a gente já sofreu nos bastidores da moda", completou. 

A modelo de 28 anos que já tem quase uma década de carreira afirmou que foi discriminada por Glória Coelho. "É uma mulher que é racista. Ela não gosta de negros", frisou. "Clientes, acordem! Respeitem as modelos, respeitem a gente. Eu, Diara Rosa, mereço respeito assim como todos os outros modelos, não importa. Merecemos respeito sim", reforçou. 

Diara prometeu ainda relatos mais longos e detalhados de episódios racistas que viveu e testemunhou. Ela adiantou que postará conteúdos sobre o tema em seu canal no YouTube e em seu blog. Além disso, já publicou um IgTv de aproximadamente dez minutos sobre o tema. Nesta postagem, ela conta sobre um casting que fez para Reinaldo Lourenço.

"Fui no casting do Reinaldo Lourenço. Tinha o paredão com várias meninas, que ele faz. Ele falava assim "você, você, você" e retirava as negras. Ficavam só as outras meninas. Pensei "caramba", na primeira vez. Na segunda vez, ele fez a mesma coisa. Achei um absurdo isso, uma falta de respeito", afirmou em trecho do vídeo. 


Live com Paulo Borges

O idealizador e diretor criativo do São Paulo Fashion Week, Paulo Borges, abriu o seu perfil na rede social para falar sobre o assunto. Em algumas transmissões ao vivo, ele conversou com modelos negras sobre o racismo no mundo da moda.

 

Relatos de outros modelos

 

 

 

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