HIP HOP

Emicida no Roda Viva: "Não há novidade em ver uma imagem como a do George Floyd"

Rapper foi entrevistado durante duas horas e respondeu perguntas sobre racismo, machismo no movimento hip hop e a relação entre a cultura de rua e a esquerda nacional, entre outros temas

Nathália Pereira
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Nathália Pereira
Publicado em 28/07/2020 às 0:56 | Atualizado em 02/09/2021 às 2:19
TV CULTURA/DIVULGAÇÃO
ARTICULADO Duas horas de entrevista com Emicida impulsionaram o programa Roda Viva, da TV Cultura, entre os assuntos mais comentados do Twitter na madrugada da terça-feira - FOTO: TV CULTURA/DIVULGAÇÃO
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O rapper Emicida foi o convidado da edição desta segunda-feira (27/7) do programa Roda Viva, exibido pela TV Cultura. A atração comandada pela jornalista Vera Magalhães contou também com as participações de Didi Douto (apresentadora/programa Metrópolis/TV Cultura), Alexandre de Maio (quadrinista/portal Catraca Livre), Paula Carvalho (apresentadora/programa Morning Show/rádio Jovem Pan), Pedro Antunes (editor-chefe/revista Rolling Stone Brasil) e Pedro Borges (editor-chefe e criador/agência Alma Preta). Emicida falou diretamente de sua casa, na Serra da Cantareira, em São Paulo, onde tem passado a quarentena durante a pandemia do novo coronavírus.

Um dos primeiros pontos abordados durante a entrevista partiu de Didi Couto e pontuou o posicionamento de Emicida à época da articulação das mais recentes movimentações antirracistas no Brasil. Naquele momento, o artista deixou claro que apoia a luta, mas que considerava não ser adequado se expor às ruas em plena pandemia, o que desencadeou acaloradas discussões - e até agressões contra ele - nas redes sociais.

"Para nós, que sentimos o peso do racismo todos os dias, infelizmente, não há novidade em ver uma imagem como a do George Floyd (homem negro sufocado até a morte por um policial branco nos EUA)", disse o rapper, que chegou a ser acusado de desmobilizar a luta antirracista.

"Comprometer-se com a luta antirracista, nesse momento, é fortalecer certas coalizões como o (entendimento) de que com racismo não existe democracia, a Coalizão Negra Por Direitos, ou como o do MNU (Movimento Negro Unificado) que entendem a complexidade da experiência brasileira, que embora tenha similaridades, não pode ser entendida só como uma versão do que existe nos Estados Unidos", destacou.

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Especificamente sobre violência policial, Emicida falou sobre como não acha que a polícia se sinta hoje mais à vontade para praticar atitudes racistas. "A gente tem que refletir sobre a natureza das coisas. A corporação policial no Brasil existe com um propósito, que é o de defender as propriedades privadas das possíveis ameaças produzidas pelos pobres e os de pele escura. Estamos vendo que essa corporação, que se especializou ao longo dos séculos em matar e morrer, tem sido extremamente bem sucedida nessa missão. E, infelizmente, nas duas pontas do revólver, temos pessoas não brancas. Não acho que aumentou (a violência), estamos visualizando, só isso. Nem em um momento em que todos os seres humanos se sentem angustiados e ameaçados (pelo coronavírus) o racismo dá trégua.

"LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL NÃO COMEÇOU AGORA"

Ainda sobre o tema, Emicida destacou nomes que estão há bastante tempo, ou que estiveram, na linha de frente do combate ao racismo no Brasil, como a filósofa Sueli Carneiro, o ator, diretor e dramaturgo Abdias do Nascimento e a antropóloga Lélia Gonzalez, estes dois últimos já falecidos. "A gente é o resultado dessas conquistas, feitas de maneira organizada. A gente precisa muito entender que a mobilização sem organização de base e coletiva pode desaguar em algo contras nós".

Emicida falou ainda, a partir de pergunta do jornalista Pedro Antunes, sobre o samba em seu último álbum, AmarElo, e do costume  que o mercado fonográfico e a grande imprensa têm de encaixar o rap como uma não-música. "A minha rítmica é centrada no tipo de poesia que eu escutei a minha vida toda, que é o samba". Atrás do rapper, era possível ver um quadro com uma fotografia do sambista Wilson das Neves, ídolo e parceiro em alguns trabalhos de Emicida. A respeito de Seu Wilson, que faleceu em agosto de 2017, aos 81 anos, Emicida disse: "Sei que ele gostaria de estar no Roda Viva um dia. É um orixá que a vida me deu".

O hip hop como a primeira ligação organizada entre a classe trabalhadora e a intelectualidade negra, o machismo e a LGBTQfobia dentro do meio hip hop, o pensamento de que "a gente nasceu para viver junto", do músico Mateus Aleluia, a importância de falar sobre vida simples para a quebrada - para quem o assunto é questão necessária, e o quilombismo na obra de Abdias do Nascimento foram alguns dos outros assuntos abordados.

A ESQUERDA E O HIP HOP

Mais adiante, a pauta se tornou a relação entre a cultura hip hop e a esquerda brasileira, remorando a fala crítica de Mano Brown, dos Racionais MC's, ao PT à época da última campanha presidencial.

"A palavra que o Brown compartilha ali é nossa também, a gente fala isso, inclusive, com pessoas que são do Partido dos Trabalhadores. O que acontece é que nos últimos anos uma parte desse movimento que se entende como esquerda foi se distanciando dos movimentos populares. E essa ausência foi preenchida pela igreja, por exemplo. Essa provocação dá para a situação a complexidade que ela precisa ter. Não dá para achar que todo irmão que está com a bíblia debaixo do braço é um Edir Macedo ou um Silas Malafaia".

Ainda sobre Mano Brown, Emicida comentou uma fala do também rapper Don L que o aponta como uma "continuação do Mano Brown". "Não me constrange de forma alguma, eu tenho oportunidade de ser amigo de um ídolo, que é o Brown, e isso me faz sentir lisonjeado".

QUADRINHOS E COZINHA

O programa também foi espaço para falar de temas além de música, política e militância. Emicida contou que o período de recolhimento em casa, junto à família, durante o isolamento social, tem sido usado para retomar o hábito de desenhar, paixão que vem junto a pelas histórias em quadrinhos.

O artista também tem se dedicado a produzir queijos, experimento que veio de maneira inusitada. Após ler um livro sobre as propriedades do leite e o processo de feitura de queijos, descobriu que um vizinho que costumava vender a bebida - que produz em sua propriedade - na estrada estava passando por dificuldades pela falta de clientela provocada pela pandemia. Decidiu, então, que compraria do produtor o leite de vaca com o qual passaria a fazer queijos caseiros para presentear os amigos.

"O coronavírus encosta a gente na parede porque é a força da microbiologia (que causa morte, no caso no coronavírus). E essa mesma força da microbiologia que pode amedrontar e confrontar com uma situação de morte ou quase morte também pode ser convertida em vida. Fazer queijo virou uma terapia muito louca. A gente precisa viver de forma complementar com a natureza", finalizou.

O PROGRAMA PODE SER VISTO NA ÍNTEGRA AQUI:

REPRODUÇÃO/TVCULTURA
Emicida foi o entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira (27). Rapper falou diretamente de sua casa, na Serra da Cantareira (SP) - FOTO:REPRODUÇÃO/TVCULTURA

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