LITERATURA

Antônio Carlos Secchin analisa com precisão a obra de João Cabral de Melo Neto com material inédito

Livro João Cabral de Ponta a Ponta é lançado nesta quarta-feira (26) pela Cepe Editora. Além de uma extensa análise de todos os livros do poeta, Secchin publica ainda um ensaio em que revela a relação conturbada de Cabral com Drummond e outros materiais inéditos

Valentine Herold
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Publicado em 25/08/2020 às 15:51 | Atualizado em 25/08/2020 às 15:51
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CONTEÚDO Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras, entrega ao público textos revisados e um material inédito - FOTO: FERNANDO RABELO/ DIVULGAÇÃO

Pesquisador da poesia de João Cabral de Melo Neto há 40 anos, Antônio Carlos Secchin é autor da análise mais completa e robusta já realizada a respeito da obra cabralina, que resultou no livro João Cabral de Ponta a Ponta (Cepe, R$ 18 o e-book), um "work in progress" de seus estudos, como ele mesmo aponta.

A primeira edição do título data de 1985 e, desde então, Secchin nunca parou de se debruçar nos versos do poeta pernambucano. Nesta quarta (26), às 17h30, é lançada o que ele mesmo considera a "última versão" do manuscrito, através do canal do YouTube da Cepe, em uma conversa mediada pelo editor do suplemento Pernambuco, Schneider Carpeggiani.

O lançamento integra uma série de comemorações iniciada no dia 9 de janeiro deste ano, data que marcou o centenário do poeta engenheiro. Uma efeméride importante e a ocasião perfeita para o pesquisador carioca, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), se debruçar uma última vez nos seus escritos e entregar o público não apenas os textos revisados, mas também um material inédito.

Além da análise de todos os livros de João Cabral - organizada em ordem cronológica - já conhecida, João Cabral de Ponta a Ponta apresenta agora um ensaio inédito sobre a conturbada relação entre o pernambucano e Carlos Drummond de Andrade, uma entrevista concedida por Cabral a Secchin em 1980, a última palestra realizada pelo poeta em um ambiente (na Faculdade de Letras da UFRJ, em 1993) e um precioso caderno de imagens, com a reprodução de várias dedicatórias importantes e de capas ou folhas de rosto de obras do autor, algumas delas extremamente raras.

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"Agora, finalmente, o livro está saindo do jeito que sempre quis e é muito importante para mim que tenha sido no ano do centenário de João Cabral, por uma editora pernambucana", relata o autor. "A minha entrevista e a palestra já haviam sido publicadas em outros meios, mas é a primeira vez que estão reunidas de maneira integrada ao livro e a este ensaio. Destaco também o caderno de imagens, que me deu imenso prazer em preparar, pois ao longo da vida fui garimpando livros dele, com seus autógrafos, tem também os volumes que ele me deu de presente. Enfim, poder ler João Cabral por essas imagens e não apenas pelos seus versos é um exercício interessante."

 

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Edição final do livro de Antônio Carlos Secchin, lançado em comemoração ao centenário de João Cabral, pela Cepe - DIVULGAÇÃO

Com 568 páginas, João Cabral de Ponta a Ponta permite uma leitura aprofundada e transversal das múltiplas facetas do poeta. No momento o livro está disponível apenas em e-book, mas em breve deve ser lançada também a versão física (R$ 60). Conhecido pelo seu rigor poético e pelo seu avesso ao sentimentalismo e ao lirismo, a obra de João Cabral é racional na forma mas profundamente delicada no conteúdo.

A natureza e as denúncias sociais são dois grandes eixos temáticos de seus poemas, com pode ser observado em alguns de seus principais livros, O Cão Sem Plumas (1950), O Rio (1954) e Morte e Vida Severina (1955). Nascido em 1920 no Recife, João Cabral de Melo Neto passou sua infância e parte da adolescência nos engenhos familiares. As paisagens rurais da Zona da Mata pernambucana e rio Capibaribe no Recife o fascinavam e isto se refletiu em seus versos.

Mas nem sempre sua poética foi matematicamente ou racionalmente pensada. Em 1942, ele lança seu primeiro livro, A Pedra do Sono, que surpreende pela sua aproximação com o surrealismo. Assim como sua relação com outro dos maiores poetas da língua portuguesa, Carlos Drummond de Andrade, conhecida por ter sido bastante conturbada, também não iniciou de maneira desafetuosa. Muito pelo contrário.

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Nos início dos anos 40, quem aconselhou ao pernambuco a lançar seu primeiro livro, A Pedra do Sono, foi o então amigo Drummond. Em 1946, a união era tanta que este último foi padrinho de casamento de Cabral com seu primeira esposa, Stella. "Nos primórdios de sua escrita, e antes de conhecer pessoalmente Drummond, em 1940, Cabral já se revelava tributário e admirador do poeta itabirano, conforme revelam dois poemas de 1938, inéditos até 1990 (incluídos na coletânea Primeiros poemas): C. D. A. e O momento sem direção", explica Secchin. Foi na década de 1950 que o desafeto ocorreu, provavelmente em parte pelo afastamento estético em seus projetos poéticos e pelo distanciamento geográfico resultante da atuação diplomática de Cabral.

Nos corredores da fofoca literária, diz-que inclusive que Drummond se referia à obra Uma Faca Só Lâmina (1955) de Cabral como "uma faca salame", como lembra Secchin no interessantíssimo capítulo Drummond e Cabral: afagos & alfinetes, permeado de muitas anedotas e fatos históricos.

Interpretações

A obra de João Cabral de Melo Neto é tão rica e original que ao reler seus poemas, a interpretação dificilmente será a igual à da primeira vez. As nuances e a beleza do olhar cabralino exigem muitas vezes uma segunda leitura. Assim também se deu a relação de Antônio Carlos Secchin com a obra cabralina, marcada por inúmeras releituras, interpretações e achados.

"Enquanto versões de saber frente a um objeto, os estudos sobre João Cabral nos interessaram tanto no que disseram quanto no que omitiram: por que não dialogar igualmente com a lacuna? Na verdade, um texto crítico sobrevive nas margens do silêncio e da omissão legadas pelos discursos que o precederam; portanto, só por meio da escuta atenta dessas falas pregressas é que podemos localizar onde começa o seu silêncio", escreve Secchin na introdução da obra.

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"O livro representa justamente as duas pontas do meu relacionamento com Cabral. A primeira delas é a entrevista que realizei em 1980 e que agora é publicada com o resto do material. Lembro muito bem das circunstâncias e do contexto em que ela foi realizada, me deu muita alegria. Foi poucos depois da minha defesa de mestrado em que analisei justamente a primeira metade de sua produção. Depois, no doutorado, me propus a analisar a segunda metade e a entrevista ocorreu nesse meio tempo", lembra o autor. "Ele foi muito generoso em me receber e em demonstrar que tinha apreciado muitíssimo meu trabalho."

Foram dois encontros que resultaram em seis horas de conversa e em profundas confissões. Diante da impossibilidade de publicar a transcrição completa da conversa, Secchin optou por uma edição totalmente cabralina, uma dupla homenagem ao poeta.

"Fiz um recorte pensando em como ele escrevia. Isto é, condensando suas respostas de forma direta e precisa. Convido o leitor a atravessar a poesia de Cabral neste livro através de um material livro de obstáculos, tanto nas análises de seus poemas quanto na entrevista e no acervo de imagens."

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JOÃO CABRAL - DIVULGAÇÃO

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