Localizado no bairro do Alto da Boa Vista e inserido dentro da Floresta da Tijuca, o mirante Vista Chinesa tem uma das vistas mais deslumbrantes do Rio de Janeiro. O contraste entre sua beleza natural e a violência que o circunda pode ser lido como uma síntese da capital fluminense e é refletido com maestria no novo livro de Tatiana Salem Levy, que leva o nome do ponto turístico (Ed. Todavia, 112 páginas, R$ 46,90).
Escrito como uma carta da protagonista Júlia aos seus filhos gêmeos, o livro aborda com honestidade crua a violência do estupro e suas consequências imediatas e a longo prazo. Após ser violentada por um desconhecido enquanto se exercitava em direção à Vista Chinesa, a personagem sofre uma ruptura na forma como se relaciona consigo e com o mundo.
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A narrativa de Tatiana é curta, mas intensa, sem mascarar a complexidade do trauma. Ao mesmo tempo em que não se desvia da experiência íntima, também a situa dentro do contexto histórico e social de uma cidade que iniciava os preparativos para as Olimpíadas de 2016, a promessa de transformação daquele espaço físico — e as injustiças e os problemas que se abateram sobre o Rio nos anos seguintes, como a fragilidade da polícia, funcionam também como metáforas da jornada de Júlia, que vê seus planos rotos pelo crime do qual foi vítima.
Vista Chinesa é inspirado em um fato real: a roteirista Joana Jabace, amiga da escritora, foi violentada naquele cenário. Ainda que o livro seja ficcional, muito do que está impresso é fruto das entrevistas dadas por Joana a Tatiana, o que garante ao livro uma veracidade desconcertante. A história é de Joana, de Júlia e de milhares de mulheres.
A obra é difícil, complexa, não por hermetismos formais, mas por seu tema. Em uma sociedade machista como a brasileira, onde os corpos das mulheres vivem em constante vulnerabilidade, e ainda assim o estupro é tratado como motivo de vergonha e tabu, colocar o problema em evidência e oferecer um olhar sensível sobre a experiência do trauma é corajoso e necessário.
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