Após brega e gospel, Recife criará comitê para analisar reconhecimento de patrimônio cultural imaterial
Comitê para análise será composto por representantes de instâncias municipais, estaduais e federais
As aprovações de leis que consideraram o brega e a música gospel como patrimônios culturais imateriais do Recife nos últimos meses fizeram com que a Secretaria de Cultura do Recife percebesse a necessidade da criação de uma estrutura que contemple esse tipo de demanda na pasta. Isso porque os ritos para as aprovações passaram apenas pela Câmara Municipal, com votos de vereadores, e pela sanção do prefeito João Campos (PSB), sem análise de um comitê especializado no tema.
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O secretário de cultura Ricardo Mello informou, em entrevista ao JC, sobre a criação de um decreto para montar um comitê com representantes de várias instituições que vão analisar os projetos sobre patrimônio. Esse comitê seria composto por instâncias municipais, estaduais e federais, a exemplo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), de universidades como UFPE, UPE e Unicap. A ideia é que o título do patrimônio não seja banalizado.
No Brasil, existem três instâncias que podem reconhecer os patrimônios culturais: o federal, pela Iphan, o estadual, pela Fundarpe (no caso de Pernambuco), e o municipal, reconhecido pelas gestões das cidades. Recentemente, o Iphan reconheceu o forró e o repetente como patrimônios.
A Fundarpe, por exemplo, mantém o Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC), para a deliberação final sobre registros no Livro de Registro do Patrimônio Cultural Imaterial do Estado.
"Pode ser que o vereador coloque o requerimento, mas um grupo criado formalmente irá discutir isso", disse Ricardo Mello. "Estamos criando também a Casa dos Patrimônios, onde hoje funciona a Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural, para abrigarmos e discutirmos esse tipo de assunto. Qual o plano de salvaguarda do maracatu, em que pé está? Está atualizado, terminou? O que está sendo feito? Se não, o patrimônio corre o risco de não ser revalidado, já que existe o risco de não salvaguardar o patrimônio imaterial".
Sobre os projetos municipais
O projeto que considerou a música brega um patrimônio, do vereador Marco Aurélio Filho (PTRB), teve grande repercussão na mídia e nas redes sociais. Discussões em torno do brega já haviam sido realizadas na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) em 2017, quando o ritmo foi considerado uma expressão cultural e, assim, pôde participar das programações festivais do Governo de Pernambuco.
O brega surgiu nacionalmente nos anos 1970, ancorado no sucesso da Jovem Guarda, e criou uma cena bastante específica em Pernambuco ao longo das décadas. Isso sempre foi usado como argumento para o reconhecimento da sua importância na identidade cultural do Estado, algo semelhante ao que ocorreu no Pará.
Já o projeto da música gospel, talvez inspirado pela visibilidade do episódio do brega, teve autoria do Pastor Júnior Tércio (PODE), que integra a bancada evangélica da Câmara. Apesar da aprovação, o projeto de lei levantou controvérsias acerca da legitimidade do título.
Em reportagem do JC na época da aprovação, o professor do departamento de comunicação da UFPE e pesquisador da música e políticas públicas de cultura Bruno Nogueira comentou que não existe uma delimitação muito evidente do que é gospel ou não em Pernambuco. Nos Estados Unidos, por exemplo, o gospel é um estilo musical bastante definido.
"Aqui, o que está sendo chamado de gospel é um movimento ligado a igrejas específicas. Assim, essa música está menos atrelada a manifestações do povo e sim de igrejas, entrando em conflito com a questão do estado laico. Tudo isso vai resultar no fato de que vamos precisar abranger a nossa política pública para que ela contemple as atividades dessas igrejas", disse Nogueira.
Já o produtor cultural e doutor em antropologia Rafael Moura endossou que, nos atuais moldes, o reconhecimento de patrimônio cultural imaterial acaba tendo um tom político-partidário. "Os vereadores propõem e o prefeito sanciona. No caso do Iphan, existe uma pesquisa sobre a manifestação e a criação de um inventário. No caso municipal, não é debatido com a sociedade, não tem pesquisa. É uma coisa política para conseguir apoio eleitoral-partidário. Isso desvaloriza um pouco o próprio título de patrimônio imaterial", disse.