Por Jeffrey Gettleman, c. 2022 The New York Times Company
Kiev, Ucrânia — Fazia semanas que a rave tinha sido planejada, com o local garantido e os DJs, as bebidas, os convites e a segurança preparados. Mas, depois que um recente ataque de mísseis longe das linhas de frente matou mais de 25 pessoas, incluindo crianças, no centro da Ucrânia, ataque que afetou profundamente toda a nação, os organizadores da rave se reuniram para tomar uma difícil decisão de última hora. Deveriam adiar a festa? Decidiram: de jeito nenhum. "É exatamente o que os russos querem", disse Dmytro Vasylkov, um dos organizadores.
Então, instalaram alto-falantes enormes, ligaram o ar-condicionado e forraram as janelas de uma sala cavernosa com grossas cortinas pretas. Com tudo isso pronto, abriram as portas de uma antiga fábrica de seda em um bairro industrial de Kiev. E, como se uma ordem tivesse sido dada, a sala se encheu de rapazes sem camisa e moças com vestido preto justo, todo mundo se movendo como que em transe, olhando na mesma direção, meio que lembrando uma igreja, o DJ como altar.
O local estava escuro, barulhento e maravilhoso. Trata-se de um país envolvido em uma guerra que afeta todas as pessoas no salão, mas, mesmo assim, elas dançavam até se acabar. "Se você sabe como fazer, essa é a cura", comentou um raver, Oleksii Pidhoretskii, jovem que vive com a avó e que não saía de casa havia meses.
Depois de um silêncio prolongado, a vida noturna de Kiev está de volta com força total. Muita gente está saindo pela primeira vez desde que a guerra começou. Para tomar um drinque na beira do rio. Para se encontrar com um amigo. Para se sentar em um bar e tomar um coquetel. Ou três.
Esta é uma cidade cheia de jovens que passaram dois anos presos, primeiro por causa da Covid e, depois, do conflito com a Rússia. Anseiam por contato. A guerra aumenta esse desejo, especialmente esta, na qual um míssil russo pode atingi-lo em qualquer lugar, a qualquer hora.
E agora, em pleno verão e com os combates pesados concentrados principalmente no leste da Ucrânia, a centenas de quilômetros de distância, Kiev está finalmente se sentindo um pouco menos culpada por sair. "Essa foi uma grande questão para mim: tudo bem trabalhar durante a guerra? Tudo bem servir um coquetel durante a guerra? Mas meu primeiro turno foi a resposta. Eu podia ver isso nos olhos dos clientes. Foi psicoterapia para eles", contou o barman Bohdan Chehorka.
A cada fim de semana que passa, em uma cidade que já tinha a reputação de ser cool, fica cada vez mais fácil encontrar uma festa. Um evento recente de hip-hop se transformou em um mar de cabeças balançando. O evento foi ao ar livre. Choveu. Mas não importava. A festa era uma realidade. Na pista de dança, os corpos colidiam.
Do outro lado da cidade, pessoas saíam dos cafés. Dentro dos bares havia menos bancos vazios do que poucas semanas atrás. Ao longo do Rio Dnieper, que atravessa Kiev, centenas de pessoas se sentavam nas margens muradas com amigos, muitas vezes bebendo, absorvendo as maravilhas de uma noite de verão, com seu crepúsculo incrivelmente longo e o céu azul ao fundo.
Mas o toque de recolher paira sobre a cidade como um duro lembrete. A festa pode estar rolando, mas a guerra também está. Às 23h, por decreto municipal, as ruas devem estar vazias. Qualquer um que violar essa norma enfrenta o pagamento de multa ou, para os jovens, uma consequência potencialmente mais pesada: a ordem de se apresentar ao serviço militar. Isso significa que os bares fecham às 22h, para permitir que os trabalhadores voltem para casa. A última chamada é às 21h. Por isso, as pessoas chegam mais cedo.
A rave na antiga fábrica, por exemplo, começou às 14h30. Ainda assim, mesmo naquele horário estranho, todos acharam que ela fez com que se esquecessem da guerra, com a ajuda do tecno pulsante e alguns outros auxílios. Acompanhavam as vibrações dos graves, fechavam os olhos e eram capazes de "dissolver", e "escapar", segundo eles, pelo menos momentaneamente.
A guerra não é apenas uma sombra iminente, mas uma força que direciona a vida, domina os pensamentos, afeta o humor, mesmo que todo mundo se esforce para fazer as coisas das quais gostava antes.
Tanto a festa do hip-hop quanto a rave doaram recursos para o esforço de guerra ou para causas humanitárias, parte da razão pela qual foram promovidas.
E, em conversas casuais, como uma no bar Pink Freud, a guerra continua sendo tema. Uma conversa fiada entre uma jovem e Chehorka, o bartender, que também trabalha como psicoterapeuta, levou a uma conversa sobre hobbies, que levou a uma discussão sobre livros que levou, inexoravelmente, aos russos. Chehorka disse à jovem que estava vendendo sua grande coleção de livros em língua russa porque nunca mais leria russo. "Essa é minha guerra", explicou, acrescentando que sentia que toda a psique da cidade tinha mudado. "Kiev está diferente agora. As pessoas são mais educadas, mais amigáveis. Não estão bebendo tanto."
O anseio por uma conexão próxima, por algo significativo, em meio a um evento sísmico e aterrorizante que não acaba, foi o que levou duas dúzias de pessoas a uma recente "festa de abraços". Essas festas começaram antes da guerra, mas as pessoas que a frequentaram em um domingo recente — mistura de homens e mulheres entre 20 e 60 anos — declararam que realmente precisavam delas agora.
Os abraçadores se reuniram em uma grande estrutura de tendas perto do rio e, ao som de uma música new age, um grupo extenso se deitou em almofadões no chão. Alguns acariciaram o cabelo do vizinho. Outros se abraçaram firmemente, olhos fechados, como se fosse o último abraço que compartilhariam com alguém. Depois de cerca de 15 a 20 minutos, o amontoado de gente pareceu despertar.
Todos abriram os olhos, soltaram-se e se levantaram. A ideia é buscar conforto corporal ao abraçar um estranho. Encontraram novos parceiros de abraço e novas posições. O instrutor deixou claro que nada deveria ser sexual ou romântico. Mas, mesmo assim, parecia uma orgia de classificação indicativa livre.
Essa é outra dimensão da cena da festa de Kiev no momento: muitas reuniões sociais são especificamente projetadas para garantir consolo.
Maksym Yasnyi, designer gráfico, acabou de organizar uma festa de ioga de 24 horas, "muito legal", de acordo com ele, mas não era como os programas anteriores à guerra. "Antes, a vida noturna de Kiev brilhava com cores diferentes. Você podia passar a noite inteira indo de festa em festa. Se ficar pensando nisso, vou acabar realmente chateado."
Agora, às 22h, Kiev irradia uma energia nervosa. As pessoas que bebem na rua, ou perto do rio, conferem o relógio. Tampam a garrafa de plástico transparente de sidra que estavam bebendo, levantam-se e saem caminhando rapidamente. Os carros se movem mais depressa, atravessam o sinal amarelo. O tempo está correndo. Os preços do Uber triplicam, se é que você consegue encontrar um.
Alguns jovens, vendo a impossibilidade de conseguir uma corrida, dizem adeus aos amigos, abaixam a cabeça e começam a correr para casa, desesperados para vencer o toque de recolher.
Às 23h, Kiev para. Nada se move. As calçadas ficam vazias. Toda aquela energia de repente mergulha em um silêncio impressionante ao longo de toda a cidade.