Paulo Bruscky é, além de artista multimídia, poeta e pesquisador, um grande colecionador. O seu ateliê na Boa Vista, no Centro do Recife, é uma amostra de como o seu trabalho vai além das obras: ele guarda e cataloga de tudo um pouco, atraindo, inclusive, muitos pesquisadores do campo cultural.
A faceta colecionadora do recifense agora poderá ser visitada na exposição "Panorama da Arte Pernambucana – Arquivo Paulo Bruscky", que será inaugurada neste sábado (25), a partir das 19h, no Museu do Estado de Pernambuco, Zona Norte da capital. A mostra fica em cartaz até 24 de setembro, com visitação de terça a sexta, das 11h às 17h, e sábados e domingos, das 14h às 17h.
A exposição reúne cerca de 300 itens, entre obras, originais, objetos, documentos relacionados à arte pernambucana que serão exibidos ao grande público na mostra, apoiada pelo Funcultura. Todos os itens representam e falam sobre a arte pernambucana.
Entre os destaques, estão obras, originais e documentos de Vicente do Rego Monteiro; um vasto material de arquivo do Movimento de Cultura Popular (MCP) criado por Paulo Freire; publicações de modernistas como Manuel Bandeira e Ascenso Ferreira; e muito mais.
"Ao longo desses anos todos, eu juntei os mais diversos materiais e cataloguei tudo que ia chegando até mim.. Era um desejo antigo conseguir organizar esse acervo e apresentá-lo ao grande público. Tem muita coisa inédita, coisas que muita gente nem sabe que existe. Acho que essa mostra é uma oportunidade de apresentar um pouco de tudo isso que tenho arquivado e deixar todo esse material à disposição para quem quiser pesquisar", diz o artista.
Bruscky é formado em comunicação social pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e iniciou sua prática artística na década de 1960, estudando desenho, pintura e gravura. O artista ganhou destaque ao propor uma conexão entre arte e vida por meio da apropriação dos recursos disponíveis no território que o corpo ocupa, testando e estendendo os limites da prática artística.
50 anos de arquivo
O arquivo vem sendo formado ao longo desses 50 anos, o que tornou o recorte um grande desafio. "Tínhamos muito mais coisa para mostrar, mas com a limitação de espaço não foi possível. Vamos conseguir deixar um registro mais completo no catálogo. Mas é importante ressaltar que nunca houve uma exposição tão vasta sobre a arte pernambucana. Mas faço questão de frisar que a seleção se deu dentro do meu arquivo e que, se houver alguma omissão, é porque não estava no acervo", pontua.
Para facilitar a organização de material tão diverso, a expografia da mostra foi pensada a partir de núcleos específicos. O primeiro deles é autorreferente e comemora os 50 anos do Arquivo Paulo Bruscky, mostrando a relevância desse acervo, celebrado não só no Brasil, mas internacionalmente.
É possível acompanhar por onde o arquivo passou, exposições que apresentaram suas peças. “Se existisse outra vida eu teria sido um arquivista. Desde adolescente eu me preocupava em guardar os arquivos, no TPN, nos bairros, eu recolhia as coisas e guardava”, lembra Bruscky.
Vicente do Rego Monteiro
Depois desse primeiro núcleo introdutório, foi montado um espaço dedicado exclusivamente a Vicente do Rego Monteiro, um dos ícones da arte pernambucana. “Vamos mostrar aqui um pouco do que mostramos sobre Vicente na exposição que fiz no Centro Georges Pompidou. Vão ter originais, coisas muito interessantes. Uma delas é um tapete que mandei fazer em Lagoa do Carro”, diz.
“Uma vez estava no Rio e vi uma entrevista qual Vicente dizia que uma das coisas que queria ter feito era ter uma obra sua em tapete. No início dos anos 2000, quando lancei um livro sobre ele, colocamos um caligrama seu num tapete. Isso será mostrado”, completa o artista, que salienta que será possível ter acesso ao equipamento usado por Vicente para gravar discos e todos os que ele prensou. Obras, originais, documentos, livros que ele editou quando trabalhava na Cepe compõem a seleção.
Arte moderna
O terceiro núcleo é dedicado à Associação de Arte Moderna, Ateliê Coletivo e Clube da Gravura, com obras originais de Samico, José Cláudio, Maria Carmem, entre tantos outros. Também estará um vasto material sobre o Movimento de Cultura Popular (MCP), tais como a gravura original feita por Guita Charifker para a cartilha do grupo ou o material produzido por Corbiniano Lins também para o movimento.
“Vamos apresentar mais de 100 originais do MCP, todas as publicações que eles fizeram, como o álbum de Abelardo da Hora, a cartilha de Paulo Freire, os registros da Galeria de Arte do Recife”, destaca Bruscky.
Neste mesmo núcleo, será lembrado o nome de Ladjane Bandeira, figura genial da cena artística pernambucana, que deve ser celebrada e lembrada em sua grandeza. Haverá espaço também para mostrar as articulações do período, como a criação da lei de ordem de arte e edificações... “A mostra conta a história da arte pernambucana, em especial no século XX, como nunca foi contada em outra exposição”, reforça.
O acalorado debate entre Gilberto Freyre e Joaquim Inojosa, numa disputa de regionalismo e modernismo, também será apresentado. Um original da plaquete ''A Arte Moderna'', publicada por Inojosa em 1924, fará parte da mostra, bem como livros diversos publicados por ele, que era um apoiador do futurismo
O modernismo pernambucano no campo da literatura ainda marcará presença com vasta documentação e publicações de nomes como Manuel Bandeira, Jaime Gris, Ascenso Ferreira. As artes gráficas não ficam de fora e nomes de peso como os de Augusto Rodrigues e Gato Félix vão ser mostrados. "O universo das artes gráficas em Pernambuco é riquíssimo, não poderia faltar”, diz Bruscky.
Faculdade de Direito do Recife
O time de peso que passou pela Faculdade de Direito do Recife (Aloísio Magalhães, Ariano Suassuna, Hermilo Borbra Filho) também terá espaço. Edições do Teatro de Estudantes de Pernambuco, correspondências, produções do Gráfico Amador. O livreiro Tarcísio Pereira será lembrado com uma seção dedicada à sua Livro 7, que funcionou como importante ponto de encontro cultural durante anos no Recife, sendo também um espaço de resistência política.
“Niguém sabe da força que os livros de artista têm em Pernambuco. Temos uma produção muito rica e, só no meu acervo, eu contabilizo 54 artistas pernambucanos que fizeram livros de artistas. Gastão de Holanda, Aloísio Magalhães, Vicente do Rego Monteiro, Kátia Mesel, Lula Cortes e até a moçada mais atual. Vamos mostrar essa riqueza”, diz Bruscky.
Ele lembra ainda que haverá uma seção dedicada à Eletrografia, na qual se incluem os experimentos artísticos feitos com xerox e fax, outra dedicada às poesias sonoras e vídeo arte, e mais uma voltada para o artdoor.
Haverá ainda um espaço dedicado ao poema processo, com registros de nomes como Arnaldo Tobias, Alberto da Cunha Melo e do pintor José Cláudio . Num outro núcleo, o foco será a arte correio, com obras e registros diversos da inserção pernambucana nesse suporte, destacando a exposição realizada, em 1975, por Bruscky e Ypiranga.
SERVIÇO
Exposição 'Panorama da Arte Pernambucana - Arquivo Paulo Bruscky'
Onde: Museu do Estado de Pernambuco (Av. Rui Barbosa, 960, Graças)
Visitação: até 24 de setembro, de terça a sexta, das 11h às 17h, e sábados e domingos, das 14h às 17h
Quanto: Gratuito