Leda Alves, atriz, ativista e gestora cultural que faleceu neste sábado (4), aos 92 anos, representou uma "quebra de padrões" ainda quando começou a atuar no setor cultural do Estado. Ela enfrentou o machismo de frente nas suas duas áreas de atuação: as artes cênicas e a administração pública.
Em uma época de pouco espaço para as mulheres, Leda foi se transformando em uma figura essencial para o Teatro Popular do Nordeste, movimento liderado por Hermilo Borba Filho para buscar por uma maneira nordestina de interpretar e de encenar, além de oferecer ao público recifense um teatro profissional pautado pela qualidade artística.
Também foi uma das principais lideranças do Movimento de Cultura Popular na década de 1960, época em que se aproximou do ex-governador Miguel Arraes. O MCP foi duramente silenciado pela ditadura militar após 1964.
Teatro Popular do Nordeste
Os demais sócios do TPN eram todos homens: quatro ex-integrantes do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), Ariano Suassuna, Gastão de Holanda, José de Moraes Pinho e o músico Capiba, além de José Carlos Cavalcanti Borges e o dramaturgo Aldomar Conrado.
"Quando era pequena, Leda gostava de encenar, o que era algo comum da infância. Para a mulher, esse espaço de atriz era praticamente o mesmo de prostituta. Se você passasse para o outro lado da ponte Maurício de Nassau, já era considerada uma 'mulher do mundo'", diz a jornalista Carolina Leão, autora do livro "Os Múltiplos Caminhos de Leda Alves".
"No começo, ela era muito ligada ao almoxarifado. Tinha uma função mais administrativa. Ao longo da criação do TPN, no entanto, ela vai ganhando papéis de protagonismo", continua Carolina. "Esse papel dela foi importantíssimo por duas coisas: ela é pioneira na interpretação da mistura do teatro grego com a cultura popular nordestina, linguagem proposta pelo TPN, e acabou sendo uma guardiã da memória do teatro pernambucano por esse papel de administradora que tinha", diz.
Luís Augusto Reis, professor do departamento de artes da UFPE que se dedicou ao legado artístico-intelectual de Hermilo Borba Filho em pesquisas, diz que Leda Alves "deu a alma para o TPN".
"Isso fica muito claro quando você vai estudar o percurso do Teatro. A presença dela é fundamental. Ela quem dava força, quem movia. Ela era o talento, a inquietude. Ela deu a Hermilo um amparo, uma capacidade e uma sustentação emocional que ele precisava para fazer os experimentos que fez nos anos 1960. Ela foi uma usina de força, inteligência, de criticidade, de talento. Uma mulher realmente admirável, que fez muito pela cultura pernambucana, pela cultura do Brasil, que enfrentou a ditadura, o preconceito"
Gestão pública
Com tamanho legado nessa "memorabilia" de uma fase importante do teatro, Leda se afasta dos palcos (como atriz, seu último espetáculo foi no final dos anos 1960) e torna-se uma porta-voz desse legado do Teatro Popular, movimento que consolidou ao lado do marido Hermilo Borba Filho.
A artista foi encontrando um caminho de representação dentro das instituições, como prefeituras e o Governo do Estado. Foi diretora do Teatro Santa Isabel e Assessora Especial de Cultura em várias gestões de Miguel Arraes.
Também foi dirigente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) e presidente da Companhia Editora de Pernambuco (2008-2012), antes de assumir a Secretaria de Cultura do Recife nas gestões de Geraldo Júlio (2013-2020).
"Os integrantes da cultura popular não tinham uma base de conhecimento para entrar nessas instituições. A partir da década de 1970, ela já vai acolhendo, amparando essas pessoas que faziam a cultura popular. Ela tinha uma relação muito forte com o pessoal do Cavalho Marinho", avalia a biógrafa.
Carolina Leão ressalta que Leda foi uma liderança feminina e, por tamanha relevância, foi rechaçada como autoritária e prepotente. "Ela tinha, na verdade, uma liderança e uma personalidade marcante. Foi alguém que precisou estar entre dois mundos diferentes: o da cultura popular e o das instâncias burocráticas."