O Natal de 2023 marca os 40 anos da criação do Baile do Menino Deus, idealizado conjuntamente por Ronaldo Correia de Brito, Assis Lima e Antônio Madureira. Já a chegada na praça do Marco Zero, no Recife Antigo, está completando 20 anos, sendo realizado nos dias 23, 24 e 25 de dezembro. Para além da comemoração, a edição evidencia o desafio que é reinventar um espetáculo que conta a história mais conhecida do Ocidente.
Para evidenciar como o Baile do Menino Deus continua antenado em questões contemporâneas do Brasil e do mundo, o diretor Ronaldo Correa de Brito usa de uma frase de um dos Mateus da peça. "Em um mundo sem portas, ando à procura. De porta em porta, sigo adiante."
"Essa fala de um mundo sem portas é uma paradigma desse nosso tempo de muitas fronteiras, cercas e arames farpados. De muros e populações inteiras segregadas em faixas. Então, há 40 anos atrás, já estávamos antenados nessa questão dessa proposta, que não deixa de ser uma proposta cristã: buscar um mundo sem desigualdades, sem separações, sem dominadores e dominados".
Apesar dessa contemporaneidade, o diretor ressalta que "a espinha dorsal do Baile continua a mesma". "Mas, o Marco Zero trouxe um público muito numeroso e o espetáculo também teve de crescer. Tivemos que introduzir novas músicas, ampliar o texto com pequenos entremeses e acréscimos."
O auto de Natal tem expectativa de atrair mais de 75 mil pessoas - e ficará disponível para qualquer plateia no YouTube.
Novidades
Nesta edição de 20 anos, uma mudança cênica será a ampliação da passagem para celebrar os reis magos, com participação inédita e especial do Maestro Forró e ocupação do palco por 62 artistas - o maior número simultâneo desde a estreia da montagem.
"Essa passagem durou um minuto e meio. Hoje, tem duração de mais de 5 minutos. Contratamos o Forró para fazer participação especial nesta cena, junto com um músico mirim de 10 anos, tocando tambor", diz Ronaldo.
"O espetáculo se apresenta como inteiramente novo. A celebração é essa renovação, ao mesmo tempo em que essa constatação de que somos o resultado do que nós temos de mais arcaico de nossa cultura, do mais tradicional, com o que há de mais contemporâneo, novo e até pós-moderno."
Outra novidade é a participação do cantor pernambucano Almério, que interpretará a música "Romã, romã" logo do início do espetáculo, junto com o coro infantil e os dois Mateus.
Diversidade
Pela primeira vez, um indígena fará o papel de José. O ator pernambucano Caique Ferraz é do grupo fulni-ô, aldeado em Águas Belas, no Agreste do Estado, e um dos únicos do país a conservar o idioma nativo. Nascido em Flores, no Sertão, integra o grupo de teatro Resta1 e fez participação recente na série Cangaço Novo (Prime Video).
Já Maria será vivida pela pernambucana Laís Senna, atriz, cantora e compositora negra com trânsito e reconhecimento em manifestações artísticas do Litoral ao Sertão do Estado.
"O elenco do Baile é um elenco mestiço, um elenco bem representativo dessa unidade sonhada pelos povos formadores da nossa brasilidades, que são os africanos, os indígenas, os ibérico. Na prática, somos um elenco muito representativo desse sonho, desse desejo de democracia racial e social", diz Correia de Brito.
Desafios
Em 20 anos, o diretor admite que o maior desafio de todos fica com a produção (realizada por Carla Valença, da Relicário Produções): o levantamento de recursos para que a peça cresça mais "e se garanta como o maior espetáculo de Natal do país." "Existe o Natal Luz, no Sul, mas isso não é espetáculo. É outra coisa. Somos um espetáculo com encenação com músicos, bailarinos, atores, cantores e coros", explica.
"Conseguir recursos para participar é o grande desafio da produção hoje. O nosso diretor de arte e figurinista, Marcondes Lima, me passou uma relação dos figurinos novos desse ano e assusta o quanto é uma coisa incalculável. Daí ele disse: ‘mas é isso é uma Broadway’ (risos)."
"Todo mundo que faz o Baile, cerca de 300 pessoas, tem uma imensa vibração. Nos sentimos felizes em fazer essa peça, com tantos diretores, atores, bailarinos, músicos, infantis, solistas. Outros desafios existem: questões técnicas, do corpo. É preciso coragem e ousadia para mudar tanto, criar, criar, e criar. Para isso, não falta imaginação dos nossos muitos diferentes diretores e artistas."