Let it Be, documentário de Michael Lindsay-Hogg, lançado em maio de 1970, é um dos mais deprimentes filmes do gênero. Mostra o mais famoso grupo de rock do planeta destruindo-se, a roupa suja lavada publicamente. A impressão que se tem depois de assisti-lo é de quatro amigos que não mais se suportavam. Uma das cenas mais constrangedora é quando Paul McCartney aponta defeitos num solo de guitarra de George Harrison, que não esconde a irritação.
Em raros momentos vê-se risos, de caras que desde o início do sucesso eram gaiatos, espirituosos, brincadeira levada a sério. O filme é carregado, mas documentário é a visão particular do seu diretor. Pode sofrer manipulações para o bem ou para o mal. O doc sobre o festival de Woodstock sofreu uma das mais descaradas manipulações da realidade. Transformou um desastre tanto de organização, quanto de administração homérico, num momento mágico, de homens, mulheres, crianças, idosos, em plena comunhão de paz, amor, de ajuda mútua. Com uma trilha sonora impecável. A direção é de Michael Wadleigh, e um dos responsáveis pela edição foi Martin Scorsese
Não foi isto que viram gente como John Fogerty, do Creedence Clearwater Revival: “Tocamos de madrugada, todo mundo dormindo. O Creedence era então a banda mais badalada do mundo, e só um cara estava acordado, em pé. Tocamos para aquele cara”, comentou ele em entrevista para a Rolling Stone na época. Arlo Guthrie, que aparece no filme, cantando chapado, admirava-se de estar inteiro. Ao se dirigir ao microfone, caiu de uma altura de uns três metros em um buraco que existia numa parte do palco (seria para um segundo palco, giratório, que não construído).
Com 2020 marcando os 50 anos do fim dos Beatles, 55 horas de registro de imagens, e 140 horas de áudio, dos Beatles gravando o que seriam os discos Let it Be e Abbey Road foram assistidas pelo diretor Peter Jackson (Senhor dos Anéis, Hobbit, King Kong) e sua equipe, e resultou em mais um documentário sobre o quarteto de Liverpool. The Beatles: Get Back, do Walt Disney Studios, que chega aos cinemas em setembro. Pelo que se comentou até agora do doc, ele será o lado iluminado da lua. Vai mostrar que o ambiente no estúdio não estava tão carregado como Let it Be fez acreditar.
Yoko Ono, Olivia Harrison, Ringo Starr, e Paul McCartney apoiam o projeto. McCartney mostra-se entusiasmado por ele: “Estou muito feliz que Peter mergulhou nos nossos arquivos para fazer um file que mostra a verdade sobre os Beatles gravando juntos. A amizade e o amor entre a gente vem à tona, e me faz lembrar daqueles tempos loucos e belos tivemos”. Ringo corrobora a opinião de Paul:
“Eu estou vendo adiante desse filme. Peter foi grande, e é um maneiro assistir a estas cenas. São horas e horas da gente Ringo, e tocando, sem nada a ver com a versão que foi lançada. Tem muita coisa divertida, e Peter mostra isto. Acho que esta versão tem muito de paz e amor, como a gente era”. Elogios que, obviamente, não eximem Peter Jackson de ter também manipulado as imagens. Pelo menos, esta lua terá as duas faces visíveis.